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Coluna do Rixxa Jr

LP'S MAIORES SAMBAS-ENREDO DE TODOS OS TEMPOS - VOLUMES 4 E 5

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5 de abril de 2022, nº 48

Vamos falar de coletâneas de sambas de enredo. E se o site Sambario tivesse recursos para arcar com a produção de um megaprojeto, dividido em dois volumes, disposto a dar sequência e atualizar uma famosa série de discos que registrou em vinil os maiores sambas enredos de todos os tempos?

Tudo começou em 1971, na esteira da popularidade do título dos Acadêmicos do Salgueiro no carnaval daquele ano, que consagrou “Festa Para um Rei Negro” (de autoria de Zuzuca), samba enredo mundialmente conhecido pelo refrão olê, lê... olá, lá... pega no ganzê, pega no ganzá.... A gravadora Phonogram lançou, logo após o desfile, através do selo Philips, o disco de vinil G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro Apresenta: Os Maiores Sambas-Enredo de Todos os Tempos, produzido por Roberto Menescal, um dos papas da bossa nova.

Na época, a gravadora era detentora de um dos mais valiosos elencos de artistas da música brasileira. Posteriormente tornou-se Polygram e reuniu artistas como Tom Jobim, Jorge Ben, Chico Buarque, Raul Seixas, Nara Leão, Caetano Veloso, Erasmo Carlos, entre outros.

De acordo com o projeto, o Salgueiro seria uma espécie de anfitrião: receberia, em seu disco, obras de coirmãs, sendo interpretadas por grandes cantoras e cantores do cast da Phonogram, não exatamente afeitos ao gênero. Nos anos seguintes, a ideia rendeu mais dois álbuns referentes ao gênero.

Se pudéssemos especular a retomada e atualização da série, criaríamos a coletânea Sambario Apresenta Os Maiores Sambas-Enredo de Todos os Tempos, desta vez em dois tomos (para escutarmos nas plataformas de streaming, como reza os atuais tempos digitais), representando a continuação da série anterior lançada pela Phonogram, agora com os Vols. 4 e 5. Como poderíamos produzir para preencher esse hiato de quase 50 anos?

O quarto álbum poderia contar com sambas dos anos 80 e 90, uma fase áurea e bastante popular do gênero. E o quinto iria abranger composições da fase contemporânea (décadas 2000, 2010 e 2020), com algumas belas obras, porém, que geraram menos interesse comercial do que já houvera no passado.

A especulação dos artistas também segue a lógica do projeto original: buscar cantoras e cantores que não são diretamente vinculados à música de avenida, mas que certamente não deixariam o samba atravessar.

Histórico dos Vols. 1, 2 e 3

O sucesso do primeiro disco, G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro Apresenta: Os Maiores Sambas-Enredo de Todos os Tempos, fez com que a gravadora lançasse o segundo no ano seguinte, com a mesma fórmula. Nascia Os Maiores Sambas-Enredo De Todos Os Tempos – Vol. 02, também produzido por Menescal, com o auxílio de Mazzola e do compositor Elton Medeiros. No entanto, a ficha técnica do disco não informa os créditos aos músicos nem arranjadores.

Mas porque necessariamente este nome pomposo e definitivo de “maiores sambas-enredos de todos os tempos”? Quais os critérios utilizados para a escolha do repertório? Houve alguma enquete? Alguma pesquisa? A resposta é não, senhoras e senhores. O critério foi puramente o mercadológico. O de reunir boas obras musicais ligadas ao gênero samba-enredo com excelentes cantores e cantoras, no auge de suas formas vocais.

A qualidade dos sambas compostos nos anos 60 e 70 era inquestionável. Verdadeiras obras primas em letra e melodia e um bom alcance nos meios de comunicação. Escolhe-los em uma seleção de repertório de apenas 12 faixas foi tarefa árdua. Tanto que foi necessário um segundo volume no ano seguinte. Na prática, um disco duplo.

O primeiro volume reuniu “O Mundo Encantado de Monteiro Lobato” (Mangueira 1967), passando por “Iaiá do Cais Dourado” (Vila Isabel 1969), “Chica da Silva” (Salgueiro 1963), “Exaltação a Tiradentes” (Império Serrano 1949, o samba mais antigo da coletânea), “Lendas e Mistérios da Amazônia” (Portela 1970), e encerra com o motivo do projeto, o samba “Festa Para Um Rei Negro” (Salgueiro 1971), estourado nas paradas de sucesso na voz de Jair Rodrigues.

O segundo volume centrou mais nos sambas que mais se destacaram no carnaval de 1972, como “Alô, Alô, Taí Carmen Miranda” (que deu ao Império Serrano o título do desfile), “Mangueira, Minha Querida Madrinha” (Salgueiro), “Ilu Ayê” (Portela) e “Rio Grande do Sul na Festa do Preto Fôrro” (que deu à Unidos de São Carlos o primeiro Estandarte de Ouro de Melhor Samba Enredo da história do prêmio, oferecido pelo Jornal O Globo). Também seguiu recuperando obras dos anos 60, como “Seca do Nordeste” (Tupi de Brás de Pina 1961), “Os Cinco Bailes da História do Rio” (Império Serrano 1965) e alguns sambas não tão conhecidos do grande público, como “Glória aos Mártires da Independência” (Unidos do Salgueiro 1955, escola anterior à Acadêmicos do Salgueiro, fundada dois anos antes) ou até mesmo o lindo e obscuro “Escravidão”, cuja escola de samba de origem não foi identificada.

Houve ainda um terceiro volume, produzido por Paulinho Tapajós e lançado em 1975, reunindo sambas que foram sucessos naquele ano e na década corrente, como “Macunaíma” (Portela), “O Segredo das Minas do Rei Salomão” (Salgueiro), “A Festa do Divino” (Mocidade 1974), além do resgate de “Memórias de um Sargento de Milícias” (Portela 1966), interpretado por um certo conjunto chamado Cream Crackers (!).

Após isso, houve centenas de outras iniciativas de coletâneas de “melhores sambas enredos de todos os tempos”, com destaque para a coleção Escolas de Samba Enredos, magistralmente produzida por Rildo Hora para a gravadora Sony em 1993 (com arte gráfica de Elifas Andreato, recentemente falecido), e Os Mais Belos Sambas Enredo de Todos os Tempos (Universal Music), sexto álbum de estúdio do cantor e compositor Dudu Nobre, lançado em 2007, no qual o artista revisitou consagradas composições do gênero, escolhidas em votação pública no Domingão do Faustão, na TV Globo.

Tendo como carro-chefe “Festa para um Rei Negro”, samba campeão do Carnaval de 1971, Salgueiro foi o anfitrião do Volume 1 da coletânea da gravadora Phonogram

O segundo volume centrou mais nos sambas que mais se destacaram no carnaval de 1972

O grande barato do projeto era reunir grandes intérpretes da MPB que não exatamente afeitos ao gênero samba-enredo

Escolas de Samba Enredos (Sony, 1993), esplêndida coleção de 10 CD’s com as obras mais representativas das principais agremiações do Rio de Janeiro, com a magistral arte de Elifas Andreato nas capas

Dudu Nobre reativou a prática de coletânea com os mais belos sambas enredo de todos os tempos, após votação pública no programa Domingão do Faustão, na TV Globo

VOLUMES 4 E 5

SAMBARIO APRESENTA OS MAIORES SAMBAS-ENREDO DE TODOS OS TEMPOS - VOL. 4 (ANOS 80 E 90)

Artistas e produtores: Diversos

FAIXAS

1. O Teu Cabelo Não Nega (Imperatriz Leopoldinense 1981) (Zé Katimba, Serjão e Gibi) - Intérprete: Maria Rita

Assim como sua mãe, Elis Regina, que abrilhantou os dois primeiros volumes da coletânea (primeiro com “Exaltação a Tiradentes” e depois com “Alô, Alô, Taí Carmen Miranda”), Maria Rita também poderia se mostrar herdeira participando deste reformulado projeto. Para ela, escolhemos a pintura do samba da Imperatriz de 1981, em homenagem ao compositor Lamartine Babo. Em vez de uma canção ao estilo bossa nova, com o elegante piano elétrico de César Camargo Mariano, a filha de Elis poderia soltar a voz em um dançante arranjo ao estilo samba de gafieira, com muito balanço e sopros, uma orquestração típica do maestro e produtor Rildo Hora. Até Lalá iria curtir.


A cantora Maria Rita no centro da cidade do Rio de Janeiro durante desfile do Cordão da Bola Preta no Carnaval de 2018

2. Bumbum Paticumbum Prugurundum (Império Serrano 1982) (Aluisio Machado e Beto Sem Braço) - Intérprete: Fernanda Abreu

Para quem possa estranhar Fernanda Abreu já navegou nas ondas carnavalescas ao gravar outros sambas enredo em seus discos de carreira, como “É Hoje” e “Aquarela Brasileira”. A garota sangue bom também integrou bancada de comentaristas nos desfiles da cobertura de TV Globeleza na primeira década do século 21. Desta vez, Fernandinha voltaria à Serrinha e adaptaria o clássico “Bumbum Paticumbum Prugurundum” ao seu estilo samba-funk executado com instrumentos de baterias de escola de samba tais como repiques, surdos e chocalhos, misturados aos tradicionais samples da música dançante, do R&B e de seu trabalho artístico. Liminha, um dos seus primordiais produtores seria um belo diretor musical para a faixa.


Fernandinha Abreu no videoclipe “Brasil é o País do Swing”, gravado no sambódromo da Marquês de Sapucaí. A música consta em seu álbum Veneno da Lata (1995)

3. Pra Tudo Se Acabar na Quarta-Feira (Unidos de Vila Isabel 1984) (Martinho da Vila) - Intérpretes: Chico Buarque e Martinho da Vila

Um samba feito sob medida para Chico Buarque gravar. Por dois motivos. Vencedor do Estandarte de Ouro de 1984, a composição faz referência à música “A Felicidade” (que está presente na trilha sonora do filme Orfeu, rodado pelo diretor francês Marcel Camus e vencedor do Oscar de Filme Estrangeiro em 1960, representando a França), de autoria de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, dois velhos parceiros do garoto dos olhos azuis. Tanto que na gravação original de “Pra Tudo Se Acabar na Quarta-Feira”, no disco de 1984, a voz de Martinho pede as bênçãos de Tom e Vinicius, outra referência, desta vez, ao “Samba da Benção” (Baden Powell e Vinícius de Moraes). Ainda assim, a letra lírica e poética de Martinho se encaixaria no gosto e na voz de Chico, provavelmente numa bela produção e arranjos do maestro e pianista Luiz Cláudio Ramos.

O outro motivo é a “compensação” de uma dívida histórica e a conclusão de um velho episódio que vem sido muito recordado e debatido através dos tempos: o de que Chico Buarque foi jurado no desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro em 1967 e não deu nota máxima para o samba “Carnaval das Ilusões”, composto por Martinho e Gemeu para a Vila Isabel. O caso fez com que o magoado Zé Ferreira divulgasse na época uma foto que tiraram do Chico dormindo em pleno desfile, além de ter composto o samba de protesto “Caramba”. A regravação para esta coletânea teria o próprio Martinho da Vila, vascaíno, em dueto com o amigo torcedor do Fluminense, fazendo com que tudo, finalmente, acabasse na quarta-feira. Quem sabe seja a última vez, após quase 60 anos, para o Chico entender o enredo do samba de Martinho.


Amigos de longa data, Martinho da Vila (esq.) e Chico Buarque privilegiariam os amantes da boa música com um dueto em “Pra Tudo Se Acabar na Quarta-Feira”

4. Caymmi mostra ao mundo o que a Bahia tem e a Mangueira Também (Estação Primeira de Mangueira 1986) (Ivo Meirelles, Paulinho e Lula) - Intérprete: Lobão

Trilha sonora de um desfile apoteótico, o samba de refrão fácil e poderoso tem xinxim e acarajé / tamborim e samba no pé embalou o campeonato da Mangueira em 1986. Composto pelo jovem Ivo Meirelles, então com 22 anos, mais Paulinho Carvalho e Lula, o samba enredo foi dos mais executados do ano nas rádios e bailes, além é claro de ter sido um sucesso na Sapucaí, entrando na galeria das mais belas obras produzidas pela verde e rosa.

Em 1988, já reconhecido por suas polêmicas comportamentais, além de ser um dos grandes nomes do rock nacional, o músico Lobão surpreendeu o país inteiro ao anunciar que iria desfilar como ritmista da Mangueira na bateria Waldomiro José Pimenta, cujo lema é “tem que respeitar meu tamborim”. Por três carnavais, o autor de “Vida Bandida” ficou incumbido de tocar tamborim na orquestra carnavalesca de percussão da verde e rosa. O artista participou do Réveillon do Faustão 1992-1993, atração de TV apresentado por Fausto Silva, na noite de 31 de dezembro de 1992, que reunia o grande elenco da Rede Globo e atrações musicais em noite de gala para saudar a chegada do novo ano. No programa, Lobão cantou o samba em homenagem a Dorival Caymmi no palco do Teatro Fênix, no Rio.

O veterano lobo tem grandes condições de participar da coletânea, ressuscitando sua verve carnavalesca novamente neste samba. Na produção, o velho parceiro Ivo Meirelles que assumiria os arranjos, que misturaria a participação incendiária de seu Funk N’Lata e mais a banda de Lobão, Os Eremitas da Montanha.

Lobão estreia na Sapucaí como ritmista da bateria Tem Que Respeitar Meu Tamborim, da Estação Primeira da Mangueira, no carnaval de 1988

5. Kizomba, Festa da Raça (Unidos de Vila Isabel 1988) (Rodolpho, Jonas e Luiz Carlos da Vila) - Intérprete: Criolo

Não é de hoje que o inicialmente rapper paulistano Criolo vem se distanciando das rimas e batidas do Hip-Hop para subir o morro e abraçar o ritmo que tanto o seduz. A entrada definitiva aconteceu em Espiral de Ilusão (2017), seu quarto álbum de estúdio e obra inteiramente dedicada ao samba, que incorpora com originalidade e reverência diferentes aspectos do gênero.

Escolhemos “Kizomba” por entender que Criolo daria um frescor à obra, tantas vezes gravada e regravada. Se seguir pelo mesmo preceito de Espiral da Ilusão, teremos um gostoso encontro do toque suave do cavaquinho, do repique de anel, do choroso violão 7 cordas e um clima que vai transportar o ouvinte para um delicioso ambiente de conjunto regional. Produção de Marcelo Cabral e Daniel Ganjaman, mesmos colaboradores de “Espiral...”.

Filho de um metalúrgico e uma professora, Criolo foi criado no Grajaú, bairro de periferia na zona sul de São Paulo. Isso já o legitima a cantar a plenos pulmões valeu Zumbi!.


Criolo reproduzi a icônica capa de “Verde Que Te Quero Rosa”, terceiro disco do sambista carioca Cartola, lançado em 1977. Em vez do cigarro (segurado por Cartola na capa original do álbum), Criolo está com um lápis entre os dedos

6. Festa Profana (União da Ilha do Governador 1989) (J. Brito, Bujão e Franco) - Intérprete: Léo Jaime

Irreverência e influência dos ritmos norte-americanos dos anos 50 sempre foram marcas musicais de Léo Jaime. Apesar do rockabilly correr nas suas veias desde o início da carreira nos anos 80 (mas sempre mantendo o sotaque brasileiro), o artista goiano também “carnavalizou” suas músicas com letras bem-humoradas e repletas de elegante duplo sentido.

Léo gravou até uma marchinha, “Cobra Venenosa”, em ritmo de rock and roll, presente no seu terceiro disco, Vida Difícil (1986). Nos shows de seu ex-grupo, João Penca e Seus Miquinhos Amestrados, o cantor sempre marcou presença em participações especiais, principalmente no número em que a banda fazia um medley de músicas de carnaval. Por este histórico, Léo Jaime estaria bem à vontade de regravar “Festa Profana”, num ritmo em que pode misturar batucada com um suingue fiftys. Será que daria samba?

A produção e direção musical da faixa seriam do multi-instrumentista Guilherme Schwab, ex-Suricato e grande revelação da cena rock & folk brasileira desta década, responsável pelo recente trabalho Léo Desplugado (2020), que marcou os 35 anos de lançamento do disco Sessão da Tarde (1985), clássico que gerou sete super-hits radiofônicos. Com todos esses ingredientes, não faltaria confete para o nosso rocker dizer que o rei mandou cair dentro da folia.

Léo Jaime, no concurso A Dança dos Famosos, quadro do Domingão do Faustão no qual o artista foi o vencedor em 2018

7. Liberdade, Liberdade, Abre as Asas sobre Nós (Imperatriz Leopoldinense 1989) (Niltinho Tristeza, Preto Jóia, Vicentinho e Jurandir) - Intérprete: Zizi Possi

Uma diva da canção só poderia receber de presente um dos mais importantes sambas enredo da trajetória da Imperatriz, apresentado no mítico carnaval de 1989 (aquele do embate “Liberdade, Liberdade” versus “Ratos e Urubus”, da Beija-Flor). A elegância e o refino da interpretação de Zizi Possi viriam ao encontro do requinte da melodia e da poética letra dos compositores gresilenses.

A produção, mais intimista, seria assinada pelo compositor maranhense Zeca Baleiro e pelo violonista Swami Jr, responsáveis pela direção musical do EP O Mar Me Leva (2016). Zizi cantaria a liberdade, abrindo as asas sobre nós. Nada estranho para quem já cantou asas uma vez, em “Asa Morena”.


Até a diva Zizi Possi entraria em uma coletânea de carnaval, com uma versão intimista de Liberdade, Liberdade, Abra as Asas Sobre Nós

8. De Bar em Bar, Didi um Poeta (União da Ilha do Governador 1991) (Franco) – Intérprete: João Bosco

João Bosco é samba, mas também é jazz, funk, soul e afoxé. É dono do violão mais percussivo da MPB. Um brasileiríssimo violão percussivo, “africano” à la Baden Powell.
 
O músico mineiro já havia participado da coletânea Escolas de Samba Enredo (Sony, 1993), no CD dedicado ao Império Serrano, executando em violão e voz “Heróis da Liberdade”, uma das joias da coroa imperiana. E esse virtuoso mágico das seis cordas emprestaria sua verve bem humorada e seu dedilhado característico numa versão bem pegada do samba que a Ilha levou para a Sapucaí em 1991, em homenagem ao compositor Didi.

Aqui, em nossa hipotética coletânea, a concepção, direção musical e arranjos caberia ao próprio João Bosco, em companhia de seu filho Francisco Bosco e dos produtores João Mário Linhares e Marcello Gonçalves, responsáveis por Abricó de Macaco (2020), disco que traz ainda “Chora, Chorões”, de Caruso, Djalma Branco, Djalma da Mercês e Nei Jangada, samba com o qual a Estácio de Sá desfilou no Carnaval de 1985, com enredo que celebrava o choro. A obra levou o Estandarte de Ouro de Melhor Samba do Grupo Especial daquele ano e também mereceria estar nesta suposta coletânea.

João Bosco, com seu violão feiticeiro e dedilhado característico fascinaria em uma versão bem pegada da homenagem que a Ilha fez ao poeta Didi, em 1991

9. Sonhar Não Custa Nada, ou Quase Nada (Mocidade Independente de Padre Miguel 1992) (Paulinho Mocidade, Dico da Viola e Moleque Silveira) - Intérprete: Roberta Sá

Quando estava de férias da universidade, em 2002, a professora de canto de Roberta de Sá lhe recomendou que fizesse testes musicais e a jovem estudante potiguar acabou entrando no programa de televisão Fama, da TV Globo. A ideia da atração, em formato reality show, era ser uma academia de artistas. No entanto, moldava seus cantores num estilo americanizado, o que não agradava a Roberta, que foi eliminada na quarta semana.

Alguns meses depois de sua participação no Fama, a cantora preparou e estreou um show, realizado no Mistura Fina, casa noturna carioca. Com a tarimba das apresentações, Roberta Sá produziu sua primeira demo. O trabalho chegou às mãos de Gilberto Braga, que a convidou para gravar “A Vizinha do Lado”, de Dorival Caymmi, como tema da novela “Celebridade”. A partir daí a cantora tomou o rumo do samba, da MPB e da bossa nova.

Sua voz macia e delicada poderia dar um frescor e fazer a diferença neste clássico da Mocidade Independente de 1992. Quem sabe uma versão em marcha-rancho de “Sonhar Não Custa Nada, ou Quase Nada”, esboçada por Emílio Santiago no álbum Aquarela Brasilera 5?

Os trabalhos de Roberta Sá são muito bem produzidos. Para esta faixa, a artista poderia contar com o auxílio luxuoso dos rapazes do Trio Madeira Brasil (Marcello Gonçalves, Zé Paulo Becker e Ronaldo do Bandolim), que gravaram com ela o álbum Quando o Canto é Reza (2010), e mais a produção musical de Alexandre Kassin. Com todo esse time reunido, sonhar, mais do que nunca, não custaria mesmo nada.


Roberta Sá já provou que é do samba mesmo, “Sonhar Não Custa Nada” estaria em excelentes mãos e ótima voz

10. Peguei um Ita no Norte (Acadêmicos do Salgueiro 1993) (Demá Chagas, Arizão, Celso Trindade, Bala, Guaracy e Quinho) - Intérprete: Jorge Ben Jor

Jorge Ben Jor era adepto do carnaval desde os tempos em que era apenas Jorge Duílio Lima Meneses. Carioca nascido em Madureira, mas criado no Rio Comprido, logo em seguida passou a fazer parte de um grupo de amigos que se reunia no Bar Divino, um point dos jovens da zona norte do Rio, na calma e romântica Tijuca do final da década de 1950 até meados de 1960, muito antes do estouro da Jovem Guarda. A união dessa galera era fruto do amor pelo novo ritmo americano, o rock and roll. Entre a turma se destacavam Tim Maia, Erasmo Carlos, Edson Trindade (autor da música “Gostava Tanto de Você”), além de Arlênio Lívio, futuro integrante da banda Renato e Seus Blue Caps, e que apresentou à patota um jovem capixaba de nome Roberto Carlos.

Jorge Ben Jor começou a desfilar na Acadêmicos do Salgueiro nos anos 60. Compôs música-exaltação para a escola (“Lá Vem Salgueiro”) e até se arriscou a disputar samba em algumas ocasiões, como para o carnaval de 1992, quando o enredo foi “O Negro Que Virou Ouro nas Terras do Salgueiro”. O samba não chegou às finais, mas o compositor registrou “Café” (de sua autoria) no seu álbum de carreira Homo Sapiens (1996).

O cantor salgueirense recusou convite para ser tema da sua escola de coração em 2009, que seria chamado de “Salve Simpatia”. Um dos motivos para o enredo sobre os 70 anos de Ben Jor (nascido em 1939) ter sido deixado de lado foi o temperamento difícil do cantor. Nos bastidores do Salgueiro se comentava que ele esconde a idade que tem. Desde o início de sua carreira, Jorge foi apresentado na imprensa como tendo nascido em 1944, mas a assessoria do músico divulga que o ano correto de nascimento do compositor carioca é 1945, o que tornaria a homenagem inviável.

Data de nascimento e comprovação de idade à parte, Jorge Babulina poderia ingressar na nossa simulação de coletânea com o indiscutível “Ita” do incendiário refrão Explode coração na maior felicidade..., numa levada ao estilo mais lenta, como na gravação que o artista fez de “O Dia Que o Sol Declarou seu Amor Pela Terra”, que está no disco Bem-Vinda Amizade (1981), com sua batida de guitarra irresistível, juntamente com a Banda do Zé Pretinho.


Controvérsia sobre a verdadeira idade de Jorge Ben Jor inviabilizou homenagem que seria feita pelo Salgueiro ao artista no carnaval de 2009

11. A Dança da Lua (Estácio de Sá 1993) (Wilsinho Paz e Luciano Primo) - Intérprete: Ney Matogrosso

Esse clássico da Estácio de Sá está pede uma daquelas interpretações e performances transgressoras de Ney Matogrosso. A lenda carajá que fala das cinco fases da lua se encaixaria perfeitamente no repertório do artista. A dramaticidade da letra se adapta com a característica cênica do principal precursor da androginia enquanto estética de arte.

Ney já é familiarizado com o ambiente carnavalesco em suas gravações, pois incluiu a marchinha “Folia no Matagal” (de Eduardo Dusek e Luís Carlos Góis), no álbum autointitulado de 1981, e “Alegria Carnaval”, de Jorge Aragão (do álbum Mato Grosso, do ano seguinte), faixa que misturou disco music com samba-enredo, contando com uma bateria de escola de samba. Aragão também comporia, anos mais tarde, mais uma música ao estilo samba de avenida para o artista, “História do Brasil”, presente no disco Bugre (1986).

A participação no samba da Estácio podia seguir os moldes de uma zona onde o ex-integrante do grupo Secos & Molhados muito bem transita e se localiza: a latinidade. Com um arranjo meio abolerado, ao estilo dos sucessos “Vereda Tropical”, “Coubanakan”, “Dos Cruces”, “Alma Llanera”, e a célebre “Bésame Mucho”, Seria lindo escutar a saga dos Carajás nesse nível de qualidade elevado pelo artista já octogenário e sempre em forma.

A direção musical seria de Moogie Canazio, produtor musical e engenheiro de áudio com quase 40 anos de experiência, com o privilégio de ter colaborado com alguns dos maiores nomes da música brasileira, como Tom Jobim, João Gilberto, Rita Lee, Maria Bethânia, Sandy & Junior, entre outros, além de ter ganho sete Grammys Latinos, dois Grammys Americanos, dois Emmy, três Prêmios Tim e Multishow.

Dança da Lua” cairia como uma luva para aquelas performances cheias de latinidade típicas de Ney Matogrosso. Crédito da foto: Marcelo Faustini
 
12. Os Olhos da Noite (Portela 1998) (Noca da Portela, Colombo, J. Rocha, Darcy Maravilha e Celino Dias) - Intérprete: Djavan

Ao estrear em disco, com o LP A Voz, o Violão, a Música de Djavan (1976) Djavan apresentava um tipo de samba sacudido, sincopado e diferente de tudo que se fazia na época, como as canções “Flor de Liz” e “Fato Consumado”. De lá pra cá suas fronteiras se expandiram e o cantor alagoano flertou também com o jazz, o blues, o reggae, a música flamenca e até a eletrônica.

Compositor de vários gêneros, Djavan também gosta de gravar diversos estilos: é um explorador do som, das palavras, das imagens inusitadas, da variedade rítmica, das brincadeiras com andamentos, melodias fora dos padrões e riqueza harmônica.

Todo esse caldeirão poderia ajudar Djavan a transformar o lindo “Os Olhos da Noite”, que a Portela apresentou em seu carnaval de 1998. O cantor poderia adicionar na versão do samba portelense uma grande influência de estilos como jazz, soul, blues e funk norte-americano para a noite seduzir o dia. A direção musical da faixa seria do próprio artista, que tem produzido seus próprios trabalhos mais recentemente.


Variedade rítmica, brincadeiras com andamentos, melodias fora dos padrões e riqueza harmônica seriam um prato cheio para Djavan deitar e rolar com samba portelense. Crédito da foto: Thiago Abreu/Divulgação

13. Orfeu, o Negro do Carnaval (Unidos do Viradouro 1998) (Gilberto Gomes, Mocotó, Gustavo, P.C. Portugal e Dadinho) - Intérprete: Péricles

Péricles estreou na função de intérprete de samba-enredo ao dividir o microfone da Mangueira com Ciganerey, no carnaval de 2018. O ex-integrante do grupo de pagode Exaltasamba, dono de uma das mais belas vozes da música, é habituée das rodas de samba de raiz, mas recentemente também anda flertando com outras variantes, como MPB, black music e até sertanejo.

Em nossa coletânea, o gigante Pericão teria a chance de soltar o vozeirão nesse petardo da vermelho e branco de Niterói, cujo desfile sacudiu a Sapucaí em 1998 e teve cenas captadas por Cacá Diegues para o filme Orfeu, dirigido pelo cineasta em 1999. A concepção da faixa poderia ser no estilo do álbum ao vivo Nos Arcos da Lapa (2013), que teve Izaias Marcelo na produção e arranjos de Prateado e Pezinho.


Péricles estreou na função de intérprete de samba-enredo na Mangueira no carnaval de 2018 e poderia repetir a experiência regravando o samba da Viradouro de 1998. Crédito da foto: Léo Queiroz

14. O Dono da Terra (Unidos da Tijuca 1999) (Vicente das Neves, Carlinhos Melodia, Haroldo Pereira, Rono Maia e Alexandre) – Intérprete: Sandra de Sá

A grande Sandra de Sá é um expoente em diversos gêneros musicais, com enfoque para a música popular brasileira e música negra mundial. Desde cedo frequentava os bailes de gafieira, samba e soul, bem como a quadra da Caprichosos de Pilares, escola onde desfilou por muitos anos.

Falando em carnaval, Sandra é frequentadora de desfiles na Sapucaí. Foi homenageada pela extinta escola de samba Independentes de Cordovil,  no carnaval de 1995. Em 2010, foi uma das homenageadas pela Mangueira, no enredo “Mangueira É Música do Brasil”. No mesmo ano, no Carnaval de São Paulo, estreou como intérprete oficial da Leandro de Itaquera, no Sambódromo do Anhembi. Em 2019, foi uma das compositoras do samba-enredo em homenagem a Elza Soares, apresentado pela Mocidade Independente para o Carnaval de 2020.

Carioca do subúrbio de Pilares, com voz grave e potente, a rainha da black music brazuca não teria problemas em regravar “O Dono da Terra”, samba da Unidos da Tijuca considerado por muitos especialistas como “antológico”. A versão de Sandra de Sá para o samba tijucano seria essencialmente suingada, balançante, dentro da expressão criada por ela mesma, a Música Preta Brasileira, com direção da própria cantora, como fez tão bem no excelente Africanatividade – Cheiro de Brasil (2010).


Frequentadora das quadras de escolas de samba desde muito jovem, Sandra de Sá emprestaria sua voz grave e potente para o antológico samba tijucano de 1999

SAMBARIO APRESENTA OS MAIORES SAMBAS-ENREDO DE TODOS OS TEMPOS - VOL. 5 (ANOS 00, 10 E 2020)

Artistas e produtores: Diversos

FAIXAS

1. Sonhos de Natal (Tradição 1987) (João Nogueira e Paulo César Pinheiro) - Intérprete: Diogo Nogueira

A abertura do quinto volume da nossa coletânea Sambario Apresenta Os Maiores Sambas Enredos de Todos os Tempos – abrangendo as três primeiras décadas do século 21 – presta uma homenagem dupla e retroativa. A faixa destacada é da década de 80, dos primeiros anos de existência da escola de samba Tradição, que, como sabemos, surgiu de uma dissidência da Portela. Convidamos o cantor e compositor Diogo Nogueira para cantar em homenagem ao seu pai, João, e também por Diogo ter vencido por quatro anos consecutivos a difícil disputa de samba enredo da Portela, entre 2007 e 2010 (algo que João Nogueira nunca havia conseguido na Ala de Compositores da Portela).

A produção da faixa, que homenageia o eterno patrono Natal da Portela e que ganhou o Estandarte de Ouro de Melhor Samba Enredo do Grupo de Acesso no Carnaval de 1987, levaria a assinatura dos produtores Rafael dos Anjos e Alessandro Cardozo (os mesmos dos projetos Munduê e Samba de Verão, de 2017 e 2021, respectivamente) e sua big band com 12 músicos, com arranjo elegante, sublinhado pela agradável voz de Diogo.

Diogo Nogueira (de casaco azul) cantaria um samba da Tradição, composto na década de 80 por seu pai, João Nogueira, em homenagem a Natal da Portela

2. Gentileza, o profeta saído do fogo (Acadêmicos do Grande Rio 2001) (Cláudio Russo, Zé Luiz, Carlos Santos e Ciro) – Intérprete: Zeca Baleiro

Zeca Baleiro seria o escolhido para gravar o samba sobre o profeta Gentileza – que a Grande Rio homenageou em 2001 – pela variedade dos gêneros artísticos em que o cantor e compositor transita. Zeca começou sua carreira compondo melodias e músicas para peças infantis de teatro, onde se destacou pela qualidade de suas letras. Sua música deriva de muitos ritmos tradicionais brasileiros, como samba, pagode, baião com elementos do rock, pop e música eletrônica com um modo muito particular de tocar violão.

E a figura de Gentileza parece perfeita para ser decantada por um músico cronista, como é o caso de Baleiro. A direção da faixa poderia ficar a cargo de Bruno Barros, da produtora mineira Sonastério, que trabalhou com a banda de reggae paulista Maneva e com o próprio Zeca Baleiro, no EP Zeca Baleiro Ilumina Sonastério, gravado ao vivo no estúdio da produtora em 2022.

A versão do animado samba-enredo se transforma em um número mais denso, quase dramático, com violão e orquestração, e favorecendo a voz grave do cantor, ao clima de “À Flor da Pele”, presente em seu álbum de estreia Por Onde Andará Stephen Fry?, de 1997.

A figura do profeta Gentileza parece perfeita para ser decantada por um músico cronista, como é o caso de Zeca Baleiro

3. Brazil com Z é pra Cabra da Peste, Brasil com S é Nação do Nordeste (Mangueira 2002) (Lequinho e Amendoim) - Intérprete: Alceu Valença

O pernambucano Alceu Valença apresenta em seus trabalhos importantes elementos da cultura do Nordeste profundo. Seja pelo canto dos aboiadores (canto sem palavras cantado pelos vaqueiros), emboladores, violeiros e cantadores de feira. Pelas toadas, baiões, xotes e rojões, cantigas de cego, tocadores de sanfona de oito baixos e os poetas de cordel. No Carnaval, o veterano Valença se torna rei, embalando shows entre Recife e Olinda, mostrando o melhor do cancioneiro do frevo e do maracatu.

Ninguém melhor do que o autor de “Anunciação” para reinventar o samba que deu título à Mangueira no carnaval de 2002. Se a própria verde e rosa homenageou o centenário do frevo no desfile de 2008, quem sabe Alceu não retribuiria, transformando o vou invadir o Nordeste em uma variação desse ritmo acelerado tão pernambucano, tão nordestino e tão brasileiro? Era como se o Galo da Madrugada visitasse o Morro do Buraco Quente.

A produção da faixa ficaria a cargo do próprio Alceu e de Rafael Ramos, coresponsável pela direção dos recentes álbuns acústicos que o artista produziu durante o período da pandemia.


Ninguém melhor do que o “cabra da peste” pernambucano Alceu Valença para invadir a Mangueira em nome do Nordeste

4. Manôa, Manaus, Amazônia, Terra Santa: alimenta o corpo, equilibra a alma e transmite a paz (Beija-Flor 2004) (Cláudio Russo, José Luis, Marquinhos e Jessey) - Intérprete: Moyséis Marques

Moyséis Marques é conhecido pelo seu trabalho de cantor e compositor de sambas, revelado no circuito noturno do bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, a partir do ano 2000. Mineiro de Juiz de Fora criado no bairro carioca da Vila da Penha, em pouco mais de 20 anos de carreira, Moyséis se consolida como integrante de uma geração de cantores e compositores brasileiros contemporâneos.

O compositor mineiro integrou a trilha sonora da novela Caminho das Índias, de Glória Perez, com sua canção “Pretinha Joia Rara”. Transformaria a obra da Beija-Flor em um samba clássico, sem esquecer o caráter épico da composição, e mantendo a importância da interpretação.

A concepção e a produção da faixa seriam dele. Os arranjos e a regência, também. Do mesmo jeito que Moyséis tomou as rédeas de seu projeto gravado em 2015, o EP Made in Brasil.


No samba da Beija-Flor de 2004, Moyséis Marques apostaria em uma versão de estilo clássico, sem esquecer o caráter épico da composição, e mantendo a importância da interpretação

5. Tambor (Salgueiro 2009) (Moisés Santiago, Paulo Shell, Leandro Costa e Tatiana Leite) - Intérpretes: Xande de Pilares e Carlinhos Brown

“Tambor” foi um desfile irreparável do Salgueiro. Depois de um jejum de 16 anos, muitas vezes batendo na trave e outras vezes perdendo para si mesma, a escola entrou imponente e exuberante na avenida. A safra de sambas de 2009 não foi lá essas coisas. Dentre todos os sambas apresentados naquele carnaval, talvez só “Tambor” mesmo tenha tido um efeito menos efêmero e ainda hoje é lembrado pela escola em seus ensaios.

No volume 5 da coletânea do Sambario, esta faixa ficaria a cargo de Xande de Pilares, consagrado sambista e ex-vocalista do Grupo Revelação, integrante da ala de compositores do Salgueiro. O músico baiano Carlinhos Brown – que desfilou no desfile campeão de 2009 – também faria uma participação especial no canto e, claro, amplificaria a percussão na faixa, que teria Dudu Nobre na produção e direção musical, com arranjos e regência do Maestro Rildo Hora, em um clima bem ao estilo clássico do “samba de fundo de quintal”.


“Tambor” marcou a história do Salgueiro, após jejum de 16 anos sem título. Xande de Pilares e Carlinhos Brown (à dir.) estavam na Sapucaí em 2009. Crédito da foto de Brown: Fábio Rossi/Agência O Globo

6. É segredo! (Unidos da Tijuca 2010) (Julio Alves, Marcelo e Totonho) – Intérprete: Ana Carolina

Para interpretar o samba que a Unidos da Tijuca extasiou a Sapucaí no Carnaval de 2010, escolhemos a cantora Ana Carolina. A artista mineira é conhecida pelo registro vocal grave (ou contralto), podendo alcançar notas agudas, portanto, tendo uma grande extensão vocal. Isso a ajuda a interpretar uma ampla variedade de músicas e estilos.

Apesar de seu repertório ser predominantemente romântico, Ana também abre espaço para outras vertentes e diversas vezes já declarou seu amor ao samba, gravando o estilo nos seus álbuns. E também é uma excelente tocadora de pandeiro. Um dos pontos altos de seus shows é a “pandeirada” que a artista promove ao lado dos músicos percussionistas de sua banda e companheiros de palco. A sequência dedicada ao instrumento de percussão é de tirar o fôlego.

De tirar o fôlego seria a gravação da faixa, num estilo de arranjo com profusão de pandeiros, com a voz grave da artista se sobressaindo no ritmo do segredo. A direção musical e os arranjos poderiam ficar sob a assinatura de Pretinho da Serrinha.

Ana Carolina já declarou seu amor ao samba, além de ser uma excelente pandeirista. A gravação do samba da Tijuca poderia ser no estilo “pandeirada”, um dos pontos altos do show da artista

7. A Imperatriz Adverte: Sambar Faz Bem à Saúde (Imperatriz Leopoldinense 2011) (Flavinho, Me leva, Gil Branco, Tião Pinheiro e Drummond) - Intérprete: Rita Benneditto

Desde sua estreia fonográfica, em 1997, a cantora maranhense Rita Benneditto mostrava seu apego à musicalidade reverente às tradições religiosas afro-brasileiras.

Já no primeiro disco, quando ainda assinava Rita Ribeiro, ela readaptou, com destaque, “Jurema”, ponto de uma cabocla reverenciada na umbanda. Ali já havia o embrião do projeto Tecnomacumba, que viria a tomar corpo em 2006 quando Rita montou um show exclusivamente com músicas com temática religiosa afro-brasileira, destacando a musicalidade advinda do candomblé, da umbanda e da quimbanda e do tambor de mina, incluindo citações a pontos tradicionais, próprios dos terreiros.

O resultado garante uma riqueza ainda maior ao simples fato de transpor para a música eletrônica as batidas dos atabaques, dando um resultado mais real aos ouvintes. No quinto volume dos melhores sambas enredos de todos os tempos, Rita Benneditto coloca toda essa influência da batida techno com o ritmo das religiões afro-brasileiras a serviço do samba que a Imperatriz desfilou em 2011, obra que conquistou o Estandarte de Ouro do júri do jornal O Globo.

Para a produção da faixa, a cantora recorre ao violoncelista italiano Federico Puppi e do percussionista baiano Marco Lobo, que formam o duo Yamí, batizado com vocábulo da língua tupi-guarani que significa noite. “Yamí” é também o nome da música composta por Rita Benneditto com inspiração no som da dupla, gravada pela cantora com o duo em 2019.

Rita Benneditto coloca toda a força de sua voz e influência da batida techno com o ritmo das religiões afro a serviço de um samba de carnaval. Crédito da foto: Rogério Von Kruger
 
8. ...E o povo na rua cantando... É feito uma reza, um ritual... (Portela 2012) (Wanderley Monteiro, Luiz Carlos Máximo, Toninho Nascimento e Naldo) - Intérpretes: Marisa Monte, Paulinho da Viola e Velha Guarda da Portela

Uma legítima portelense para cantar um dos mais belos e importantes sambas da história da Portela. A obra, aliás, foi eleita a melhor da segunda década do século 21 pelos leitores dos jornais O Globo e Extra, em enquete realizada em fevereiro de 2020. “E o Povo na Rua Cantando é Feito Uma Reza, Um Ritual” foi premiado com o Estandarte de Ouro de Melhor Samba do Grupo Especial do carnaval de 2012. O samba, de autoria de Luiz Carlos Máximo, Naldo, Toninho Nascimento e Wanderley Monteiro, chamava atenção por romper com os padrões pasteurizados que dominavam o gênero, à época.

A cantora e compositora Marisa Monte, com a autoridade de desfilar na Portela e de ter produzido o indispensável Tudo Azul, álbum gravado em 1999 pela Velha Guarda da Portela, transformaria essa gravação no mais belo requinte. Apesar da tremenda vontade, só não incluiríamos nos créditos a participação de Paulinho da Viola e da VGP para não dispararmos a emoção. Mas, vai que na hora da gravação da faixa, Paulinho e os integrantes da velha guarda estejam espiando pelo aquário do estúdio e...tchãrannn!

A direção musical da faixa, por óbvio, é da própria Marisa Monte.


Ter Marisa Monte cantando o samba eleito como melhor da última década na coletânea do Sambario, e ainda com a participação de Paulinho da Viola e da VG da Portela seria para qualquer produtor uma emoção difícil de segurar. Crédito da foto: Léo Aversa

9. A Vila canta o Brasil celeiro do mundo - Água no feijão que chegou mais um... (Vila Isabel 2013) (Martinho da Vila, Arlindo Cruz, André Diniz, Leonel e Tunico da Vila) - Intérprete: Ferrugem

No carnaval de 2013, pela primeira vez, a Vila Isabel foi campeã com um samba-enredo composto por Martinho da Vila. Com três décimos de diferença para a campeã, a Beija-Flor ficou com o vice-campeonato. O desfile teve como destaque o samba cuja parceria era formada, além de Martinho, por Arlindo Cruz, André Diniz, Leonel e Tunico da Vila (um dos filhos de Martinho). Ao final do desfile, o público saudou a escola com gritos de “campeã”. A obra foi premiada com o Estandarte de Ouro de Melhor Samba do Grupo Especial em 2013 promovido pelo jornal O Globo.

O samba, apesar de ainda estar na nossa memória recente, já recebeu diversas regravações. Desta vez, escolhemos a voz de Ferrugem, considerado um dos maiores nomes da nova geração do samba e do pagode. O músico carioca vem consolidando uma trajetória crescente na cena artística brasileira com sucessos, participações especiais e músicas inéditas. A faixa teria a produção e arranjos do craque Jorge Cardoso.


Festa no arraia” receberia a voz de Ferrugem, considerado um dos fenômenos da nova geração do samba e do pagode

10. É brinquedo, é brincadeira: a Ilha vai levantar poeira! (União da Ilha 2014) (Paulinho Poeta, Régis, Gabriel Fraga, Carlinhos Fuzil, Canindé e Flávio Pires) – Intérprete: Simone

E ela estaria de volta ao samba! Simone não é nenhuma estranha no ninho no ritmo. A última vez que a cantora baiana flertou com sambas foi em seu penúltimo disco, É Melhor Ser (2013). Nos anos 80, foi uma das responsáveis a recolocar o gênero samba-enredo nas paradas de sucesso e nos programas de auditório, quando regravou “O Amanhã” (em 1983). No ano seguinte, a artista fez um dueto com seu afilhado musical Neguinho da Beija-Flor, ao gravar o samba-exaltação da escola de Nilópolis, “Deusa da Passarela”. A partir daí, graças à ótima repercussão, Simone sempre passou a incluir um samba enredo no repertório de seus discos e shows. No carnaval de 1989 foi convidada para ser puxadora no carro de som da escola de samba Tradição.

Para esta retomada, escolhemos o samba que a União da Ilha encantou a Sapucaí no carnaval de 2014. A nova versão poderia ser numa levada estilo “Dr. Getúlio” (Edu Lobo e Chico Buarque), samba presente no álbum Desejos, de 1984, no qual também há “Por um Dia de Graça”, de Luiz Carlos da Vila, em dueto com Neguinho. O veterano Alceu Maia seria o encarregado da produção e da direção musical.


De volta ao samba: Simone retoma o gênero com a regravação do samba que a União da Ilha encantou a Sapucaí em 2014

11. Salve Jorge! O guerreiro na fé (Estácio de Sá 2016) (Edson Marinho, Adilson Alves, Jorge Xavier, André Felix, JB e Salviano) - Intérprete: Seu Jorge

As incursões de Seu Jorge pelo samba puro são bem ocasionais. Apesar de ter frequentado muitas rodas de samba, a zona mais confortável ao artista nascido em Belfort Roxo, Baixada Fluminense parece se situar no soul e no R&B com sotaque brazuca, além da velha e boa MPB, é claro. Assumidamente devoto de São Jorge, o ex-vocalista da banda Farofa Carioca poderia gravar para a nossa hipotética coletânea o belíssimo samba que a Estácio apresentou no carnaval de 2016 (para muitos, um desfile injustamente avaliado). A levada da gravação poderia ser num estilo samba-rock ou violão e voz para marcar bem a beleza da poesia e da harmonia da obra. O parceiro Pretinho da Serrinha assinaria a direção musical e a produção.

Seu Jorge, um devoto de São Jorge emocionaria no samba da Estácio de Sá do carnaval de 2016

12. A Virgem dos Lábios de Mel - Iracema (Beija-Flor 2017) (Claudemir, Maurição, Ronaldo Barcellos, Bruno Ribas, Fábio Alemão, Wilson Tatá, Alan Vinicius, Betinho Santos) – Intérprete: Leandro Lehart & Art Popular

Estandarte de Ouro de Melhor Samba Enredo do Carnaval de 2017, promovido pelo jornal O Globo, a composição cujo refrão vou cantar juremê, juremê, juremê / vou contar juremá, juremá / uma história de amor, meu amor / é o carnaval da Beija-Flor caiu nas graças do povo logo assim que foi escolhida pela escola de Nilópolis. O desfile foi um pouco frustrante para quem esperava uma Beija-Flor rica e exuberante – rendeu apenas um honroso 6º lugar.

O samba, animado, vibrante e cheio de nuances melódicas e interessantes cairia bem no vigor e na alegria de Leandro Lehart e seus companheiros do grupo Art Popular. Produtor e multi-instrumentista, Lehart facilmente uniria na faixa o samba de fundo de quintal com as batidas da música pop negra que sempre o acompanham em sua trajetória musical.

As críticas positivas ao seu elogiadíssimo DVD Ensaio de Escola de Samba (2011), coletânea em que registrou supersambas do carnaval de São Paulo, o credenciariam para comandar essa gravação da obra da Beija-Flor. A produção da faixa seria do próprio Leandro Lehart, com o auxílio luxuoso do produtor Wilson Prateado.

O samba de 2017 da Beija-Flor, cheio de nuances melódicas, cairia bem na vibração e na alegria de Leandro Lehart & Art Popular

13. Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão? (Paraíso do Tuiuti 2018) (Cláudio Russo, Moacyr Luz, Jurandir, Zezé e Aníbal)  – Intérprete: Luciana Mello

No carnaval de 2018, a Paraíso do Tuiuti comemorou os 130 anos da Lei Áurea com o enredo “Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão?”, frase que se encontra em outro clássico do gênero, “Sublime Pergaminho” (1968), da extinta Aprendizes de Lucas. No ano anterior, a Tuiuti teve sua história marcada por uma tragédia em pleno desfile na Sapucaí. O último carro alegórico da escola entrou na área de armação completamente desgovernado, chocou-se contra as grades e atropelou 20 pessoas, matando a radialista Liza Carioca. Um ano depois da tragédia, a superação veio com a conquista de um inédito vice-campeonato do Carnaval do Rio de Janeiro.

As reformas trabalhista e da previdência foram criticadas em alas que lembravam o trabalho precário em fazendas e confecções. Foi um carnaval com forte conotação política. O samba-enredo que embalou a apresentação da comunidade do Tuiuti até hoje é lembrado e considerado uma das obras legendárias do início do século 21.

Para regravar um samba que caiu muito bem em uma voz feminina, como a de Grazzu Brasil (na Sapucaí a cantora foi acompanhada no carro de som pelos intérpretes Nino do Milênio e Celsinho Mody), escolhemos outra voz feminina e igualmente encorpada e poderosa: Luciana Mello. A filha de Jair Rodrigues e irmã de Jair Oliveira tem sucessos que transitam entre o pop, R&B, samba e MPB, que denotam a sua versatilidade artística. Para a gravação do samba da Paraíso do Tuiuti, a faixa receberia a direção musical de Walmir Borges (parceiro dos últimos trabalhos musicais da cantora e autor do sucesso “Joia Rara”) e a produção do mano Jairzinho.


A regravação do samba da Paraíso do Tuiuti de 2018 merece uma voz feminina encorpada e potente como a de Luciana Mello

14. História pra Ninar Gente Grande (Mangueira 2019) (Deivid Domênico, Tomaz Miranda, Mama, Marcio Bola, Ronie Oliveira, Danilo Firmino, Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo) – Intérprete: Fabiana Cozza

O samba-enredo que deu a vitória à Estação Primeira de Mangueira no carnaval de 2019, no Grupo Especial do Rio de Janeiro, trazia uma série de referências históricas que nem todos os brasileiros aprenderam na escola. Para que o Brasil conquistasse a independência e abolisse a escravidão, muitas mulheres, negros e índios precisaram lutar e morrer. São alguns desses heróis e heroínas que a verde e rosa iluminou, em vez dos príncipes, princesas e generais que ainda hoje dão nome às nossas ruas, avenidas, pontes e estradas. Depois do carnaval, o refrão Brasil, chegou a vez / de ouvir as Marias, Mahins / Marielles, malês foi cantado em manifestações pelo primeiro aniversário do assassinato de Marielle Franco, em 14 de março. O samba foi agraciado com o Estandarte de Ouro de Melhor Samba do Grupo Especial, promovido pelo jornal O Globo.

Para regravar a última faixa da utópica e atualizada coletânea do Sambario com os melhores sambas de todos os tempos, chamamos a cantora paulistana Fabiana Cozza. Considerada uma das maiores de sua geração, chegando a ser comparada a Elis Regina, Elizeth Cardoso e Clara Nunes, a artista chama atenção pelo seu rigor técnico, recursos de dramaturgia e potência no palco, que lhe renderam troféus nas edições do Prêmio da Música Brasileira e em outras premiações, como o Prêmio Tim e o Prêmio Rival Petrobras. Desde cedo, o samba esteve intimamente ligado à vida da artista. Ainda com um ano de idade, foi levada para ser batizada na quadra da Escola Camisa Verde e Branco, criando grande familiaridade e afeição pelo ambiente carnavalesco.

“História pra Ninar Gente Grande” na voz de Fabiana encerraria nossa coletânea com honras e alto estilo, ainda mais se tivesse a caprichada produção de Paulão Sete Cordas (com quem a cantora trabalhou no disco o álbum Fabiana Cozza, de 2011), atualmente diretor musical de Zeca Pagodinho.

Considerada uma das maiores cantoras de sua geração, chegando a ser comparada a Elis Regina, Elizeth Cardoso e Clara Nunes, Fabiana Cozza chama atenção pelos recursos de dramaturgia e potência no palco, que lhe renderam uma série de premiações

Gerson Brisolara (Rixxa Jr.)
rixxajr@yahoo.com.br