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Coluna do Rixxa Jr

O CARNAVAL NA TV BRASILEIRA

 . 1º Capítulo: O Carnaval na TV Brasileira - Os Primórdios
 . 2º Capítulo: O Carnaval na TV Brasileira - A TV Coloriu

30 de dezembro de 2019, nº 39

CAPÍTULO 2 – A TV Coloriu
por Gerson Brisolara

Do preto e branco
O homem coloriu
A TV evoluiu
Pintou uma aquarela nessa tela

“Quem te viu, quem TV” (Adilson Magrinho, Jairo Bráulio, Claudinho e Mário Carabina) – Samba enredo da GRES Leão de Nova Iguaçu 1991 

N

o dia 19 de fevereiro de 1972 os brasileiros puderam, pela primeira vez, acompanhar uma transmissão pública de TV em cores. O marco na história televisiva do país teve como palco a Festa da Uva, em Caxias do Sul, na serra do Rio Grande do Sul. O então presidente Emílio Garrastazu Médici (1905 - 1985) inaugurou o evento, que teve transmissão comandada pelo Canal 10, a TV Difusora de Porto Alegre (atual Band RS), e difundida pela Embratel para todo o Brasil, através do sistema oficial de televisão analógico adotado no país, o sistema PAL-M – híbrido dos sistemas norte-americano NTSC (de resolução de tela) e europeu PAL (de codificação de sinais de cor).

A visita do presidente Médici à Festa da Uva durou uma hora, tempo de exibição do evento. Depois desta transmissão, as emissoras se ajustaram ao novo padrão e, em março do mesmo ano, elas inauguraram suas programações coloridas. Como boa parte das pessoas não tinha o aparelho de televisão em cores, muitos se reuniram na frente das lojas de eletrodomésticos para acompanhar a novidade. Muita gente ficou surpresa que os novos aparelhos não vinham mais com a antena externa, já que os novos televisores tinham o dispositivo interno. Em alguns municípios, os prefeitos chegaram a comprar aparelhos para que a população acompanhasse a transmissão.

Os leitores mais atentos puderam perceber a data: 19 de fevereiro. Em 1972, era o Sábado de “Enterro dos Ossos”. Quem viveu à época deve se lembrar de que a Festa da Uva aconteceu dias após a comemoração do carnaval, ocorrido de 12 a 15 do mesmo mês. E por que foi escolhido um festejo da imigração italiana para ser transmitido em cores em detrimento do “maior espetáculo visual do planeta”, no qual o visual é exuberante, cheio de cores e brilho em profusão? A resposta é pura e simples: adulação ao então vigente regime político no país e uma certa dose de bairrismo.

O professor e jornalista gaúcho Sérgio Reis (1938 – 2018) – que trabalhou na primeira transmissão de TV em cores no Brasil – contava, em suas palestras, que o então Presidente Médici, gaúcho de Bagé, iria cumprir agenda oficial na Festa da Uva em 1972. Como o presidente não era muito afeito ao carnaval e na semana seguinte aos festejos de Momo, viajaria ao Rio Grande do Sul, seu estado natal, os assessores de seu gabinete decidiram dar uma puxadinha no saco presidencial, fazendo com que a primeira transmissão televisiva colorida acontecesse em território gaúcho. Ou seja, por uma questão de poucos dias, o carnaval de 1972 deixou de ser um marco histórico das telecomunicações verde e amarela.


Cartaz da 12ª edição da Festa da Uva, em Caxias do Sul

Segundo o jornalista Walter Clark (1936 - 1997) em sua autobiografia, “O campeão de audiência”, o evento foi realmente escolhido por influência do então Ministro das Comunicações, o engenheiro militar caxiense Higino Corsetti, pois já tinham condições de fazer transmissões a cores mesmo antes do evento em Caxias do Sul.

A transmissão estava programada para acontecer no Carnaval do Rio de Janeiro, mas as emissoras do centro do país não apresentaram, em tempo, as condições técnicas necessárias. A Festa da Uva ocorria na mesma época. A TV Difusora, com sede em Caxias do Sul, era a única que dispunha de modernos equipamentos para transmitir o evento em cores, diretamente da Avenida Sinimbu, no centro da cidade serrana. O fato do Gen. Médici ser gaúcho também foi fator que favoreceu a escolha.


Carro da Randon foi um dos destaques do corso da Festa da Uva, trazendo figurinos alusivos ao Rio de Janeiro e aos estados onde a empresa mantinha filiais. Foto: Hildo Boff / acervo pessoal de Ricardo Boff.

O surgimento da TV colorida fez com que as emissoras dessem mais espaço ao desfile de carnaval. Num primeiro momento aumentaram a duração dos flashes direto das ruas e salões. Depois passaram a transmitir os desfiles na íntegra.

Também na década de 70 começou a ser formatado o estilo das transmissões e de narração dos desfiles de carnaval. O formato consagrado deriva das transmissões esportivas: há um narrador com função semelhante à do narrador de futebol, aquele que narra todas as ações. Há também o comentarista (um ou mais), geralmente indivíduo com trajetória reconhecida no campo do carnaval ou acadêmico, estudioso externo ao campo que, primeiro, fez dele seu objeto de estudo e, depois, tomando esse estudo como legitimador, passa a interferir no valor simbólico das produções sequentes ao momento inicial em que estudou o campo. Por fim, também é importante a atuação dos repórteres de pista, que descrevem os acontecimentos corriqueiros, os imprevistos, no que a informação sobre a quebra de um carro alegórico ou sobre a aproximação do limite do tempo de desfile se assemelha à informação sobre uma lesão de um jogador de futebol.

Muitas vezes, os profissionais escolhidos para atuar nas transmissões de carnaval atuam cotidianamente na esfera esportiva. Exemplos latentes disso são as escolhas da Rede Globo para a apresentação do carnaval carioca, que já contou com Léo Batista (anos 70 e 80), Fernando Vanucci (anos 80 e 90), Cléber Machado (anos 2000), Luís Roberto e Glenda Kozlowski (anos 2010) e, mais recentemente, Alex Escobar. Na TV Manchete, o âncora absoluto e símbolo das transmissões televisivas de carnaval da emissora foi Paulo Stein, conhecido pela atuação no jornalismo esportivo no rádio e televisão e que esteve presente durante todo o período que a TV da Família Bloch acompanhou o carnaval, entre 1984 e 1998. Em 1992, o também narrador esportivo José Carlos Araújo (na época na Rádio Globo) dividiu a narração dos desfiles com Stein. Na última vez que a TV Bandeirantes transmitiu ao vivo os desfiles das escolas de samba dos grupos Especial e de Acesso do Rio de Janeiro, o comandante foi Luciano do Vale (1947 - 2014), locutor esportivo, radialista, apresentador de televisão e empresário, que narrou várias Copas do Mundo e Jogos Olímpicos.

Mudanças no palco 

A década de 1970 foi o período no qual o Desfile das Escolas de Samba, teve seu lugar de apresentação modificado. Após se exibirem, em suas origens, na histórica Praça Onze e passarem por palcos como a tradicional Avenida Rio Branco, as escolas de samba do Rio de Janeiro viveram tempos áureos na Candelária e na Avenida Presidente Vargas, de 1963 a 1973.

O espaço da Avenida Presidente Vargas, entre a Candelária e o Campo de Santana, marca uma época de ouro dos desfiles, que foram um dos pontos altos das comemorações do IV Centenário do Rio de Janeiro, em 1965, ganharam espaço na tela da TV e passaram a ter a sua trilha sonora gravada e comercializada.

Em 1972, reconhecendo a grandeza e importância do espetáculo, o jornal O GLOBO instituiu o Estandarte de Ouro, premiando os sambistas que se destacaram. Os desfiles da época também se destacaram pela consolidação da temática afro-brasileira nos enredos, por sambas memoráveis que ganharam projeção nacional e pelo maior apuro visual de fantasias e alegorias, convivendo em harmonia com o brilho de passistas e destaques.

Quando tudo indicava que as agremiações haviam encontrado o palco ideal para seus desfiles, a construção do metrô carioca, que transformou a Presidente Vargas num vasto canteiro de obras, impossibilitou a realização do concurso de 1974 na avenida, exigindo a mudança para um novo palco.

A Avenida Presidente Antônio Carlos, no Centro, foi escolhida como nova passarela dos desfiles. O local abrigou os concursos de 1974 e 1975, com o público acomodado em arquibancadas mais altas e os cortejos ocorrendo da Praça Quinze em direção à Avenida Beira-Mar. Produzindo alegorias de dimensões bem maiores que a média das concorrentes, o carnavalesco do Salgueiro, Joãosinho Trinta, foi quem melhor soube explorar a nova posição dos espectadores, contribuindo para levar a escola ao bicampeonato.


Montagem das arquibancadas da Avenida Presidente Antônio Carlos para o carnaval de 1974. Foto: Luiz Paulo – Acervo O Globo.

 Em 1976, em meio ao avanço das obras do metrô e algumas críticas de sambistas à nova avenida – como as reclamações sobre o local de concentração, que era invadido pelo público e dificultava a organização e saída das escolas -, a prefeitura decidiu levar o espetáculo de volta à Avenida Presidente Vargas. O trecho escolhido foi o início da avenida, com concentração na área do Mangue - que dá nome ao canal e à antiga zona de prostituição que existia no local - e dispersão na altura da antiga Praça Onze. A decisão, no entanto, proporcionou situações inusitadas, como a concentração das escolas no alto do Viaduto dos Marinheiros.

O desfile de 1977 foi mantido no mesmo local, mas para corrigir os problemas do ano anterior, houve a inversão do seu sentido, com concentração na Praça Onze e dispersão no Mangue.


De volta à Praça Onze: Operários trabalham para o desfile das escolas de samba de 1976, na Avenida Presidente Vargas:  ao fundo, o relógio da Central do Brasil. Foto: José Vidal (Agência O Globo)

 Em 1978, os desfiles foram transferidos para a Rua Marquês de Sapucaí, uma via da Cidade Nova, transversal à Presidente Vargas e próxima à região da antiga Praça Onze. A medida provocou uma série de desapropriações e demolições no local. Quanto ao cortejo, ficou decidido que se daria no sentido Catumbi-Presidente Vargas, para facilitar o escoamento dos sambistas em direção à Central do Brasil.

Já o carnaval de 1979 teve a Sapucaí novamente como palco, mas devido a protestos dos moradores do bairro do Catumbi, incomodados com a agitada concentração, e à dificuldade das escolas em se armarem nas ruas estreitas do local, a prefeitura decidiu inverter o sentido do desfile para o carnaval de 1980. Mas, se por um lado, a nova concentração na Presidente Vargas agradou, a dispersão no Catumbi permanece como um desafio à segurança e mobilidade dos desfilantes.


Montagem das arquibancadas da Marquês de Sapucaí, no primeiro ano do local  como palco dos desfiles, em 1978: nova avenida provocou desapropriações de imóveis. Foto: Manoel Soares (Agência O Globo)

Formato da transmissão 

A primeira transmissão colorida de Carnaval pela TV Globo aconteceu em 1973. As várias escolas de samba desfilavam todas no mesmo dia (naquele ano foram dez no Grupo Especial), em um evento interminável, que começava por volta das 18h do domingo e terminava somente na manhã de segunda, sem interrupções. A maratona era tão longa que os narradores se revezavam.

A grade de programação da emissora no Carnaval nos anos 1970 era bem diferente da atual, que se consolidou nos anos 1990. Mas, apesar de longa, a transmissão dos desfiles já apresentava formato parecido com o que temos hoje.

José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que durante quatro décadas foi o mega todo-poderoso executivo da Rede Globo, foi o homem que “inventou” a televisão brasileira tal conhecemos hoje e que ainda ditou um padrão de excelência que colocou a produção televisiva nacional como uma das melhores do mundo. No entanto, o ex-vice-presidente de operações da Rede Globo, cargo que ocupou até a virada do século, admitia que sabia muito pouco de carnaval e nem tinha a dimensão da importância de uma escola de samba. Aproximou-se da folia no final da década de 60, quando conheceu o cenógrafo e carnavalesco Arlindo Rodrigues – que era funcionário da TV Globo. Em fins de 1973, Boni e o diretor de TV Régis Cardoso (que anos mais tarde viria a ser presidente do Salgueiro) queriam que Arlindo fizesse os figurinos e os cenários da novela Os Ossos do Barão. O carnavalesco se desculpou, mas alegou estar atarefado com a produção do enredo “A festa do Divino”, da Mocidade Independente de Padre Miguel para o carnaval de 1974. Boni ficou uma arara e, alegando que a Globo era prioridade, ameaçou demitir Arlindo, propondo que o carnavalesco optasse entre trabalhar para o carnaval ou seguir trabalhando na emissora. O cenógrafo levou os dois executivos globais ao barracão da Mocidade e lhes deu uma aula sobre o tema da escola e o uso criativo dos materiais, da criação das alas, a ordem dos desfiles, além de mostrar desenhos, figurinos, prospectos e toda a parafernália carnavalesca. A partir daí, o carnaval arrebatou mais um folião: Boni não só desfilou na escola com a camiseta de “Diretoria”, como passaria a participar dos ensaios e discussões sobre o enredo, integrando o “núcleo duro” da Mocidade. A partir desse momento, a Globo que até então se concentrava mais nos bailes de carnaval, passou a se dedicar de forma mais contundente à transmissão do desfile das escolas de samba. Graças a Arlindo Rodrigues.


José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, era o mandachuva da programação da Globo nos anos 1970 quando se encantou pelo carnaval de avenida.

Em 1975, a Globo batizou o evento de Carnaval Colorido. Na sexta de carnaval, no dia 7 de fevereiro, o Jornal Nacional mostrou como seria a folia em todas as partes do Brasil e exibiu flashes do baile do Clube Tamoio. No dia seguinte (8), sábado de Carnaval, foi exibido ao vivo, às 23h, o concurso de fantasias do Hotel Nacional do Rio de Janeiro.

A programação global no domingo (9) se deu da seguinte forma: o Programa Silvio Santos começou às 11h30, praticamente com uma edição especial sobre a data, com direito ao animador cantando suas tradicionais marchinhas. A atração foi interrompida às 15h e às 17h para boletins ao vivo, denominados Plantão do Carnaval. O Fantástico daquele dia começou às 17h50 e teve apenas 10 minutos, com um resumo das notícias do dia.


Sílvio Santos na Globo: na programação carnavalesca de 1975, o animador apresentou uma edição especial sobre a data, cantando suas tradicionais marchinhas.

A transmissão do desfile começou às 18h. Antes de cada escola, era apresentado um pequeno documentário com a história da agremiação e seus destaques para aquele ano. Esse formato durou até bem pouco tempo atrás. A narração foi dividida entre Luís Carlos Miele, Haroldo Costa, Carlos Campbell, Berto Filho e Luiz Lobo, que se revezavam devido ao grande número de horas do evento.

Os comentaristas foram o musicólogo e historiador Mozart de Araújo (1904 - 1988), que analisava baterias e melodias; o jornalista e escritor Sérgio Cabral, falando de harmonias e evoluções; o cenógrafo Mauro Monteiro (? – 2012), sobre fantasias, alegorias e adereços; Macedo Miranda, Filho (1950 – 2008), avaliando mestres-salas, porta-bandeiras e comissões de frente; e o narrador Luiz Lobo, que também avaliava enredos e letras de samba.

Naquele ano desfilaram (pela ordem): Unidos de Lucas, União da Ilha do Governador, Unidos de Vila Isabel, Unidos de São Carlos, Mocidade Independente de Padre Miguel, Portela, Mangueira, Em Cima da Hora, Império Serrano, Salgueiro, Imperatriz Leopoldinense e Beija-Flor. Os resultados foram divulgados uma semana depois. O Salgueiro venceu com o enredo “As minas do Rei Salomão”, do carnavalesco João Clemente Jorge Trinta, ou simplesmente, Joãosinho Trinta (1933 – 2011).

Durante 15 horas e 5 minutos, a TV Globo (que no Rio de Janeiro opera no canal 4) mostrou realmente o melhor do Carnaval, com uma transmissão moderna, ritmada, a léguas de distância do blá-blá-blá geral de antes, com direito a cenas do desfile em slow-motion (câmera lenta) e do replay.

Completando a programação, a emissora também exibiu os concursos de fantasia do Hotel Glória e do Teatro Municipal do Rio, na segunda (10), e do Clube Sírio Libanês, na terça (11). A transmissão dos concursos de fantasias, que depois se transformou em uma tradição do Carnaval da Manchete, nos anos 1980 e 1990, há alguns anos não encontra mais espaço na grade das emissoras, infelizmente.

Nos anos 70, os desfiles (principalmente a partir da segunda metade da década), passaram a ser exibidos na íntegra. Enquanto a escola estivesse na avenida, não havia nenhum tipo de interrupção para anúncios comerciais. Os reclames aconteciam em breaks, nos intervalos das apresentações entre uma escola e outra. Os desfiles adentravam a madrugada. Naquela época, cada escola tinha um tempo máximo de 90 minutos de apresentação. Não obstante, o encerramento da transmissão se dava sempre próximo (ou mesmo após) o meio-dia do dia seguinte.

E foi nessa época que o Grupo Especial (chamado de Grupo 1, ou Primeiro Grupo) começou a inchar. Se em 1973, a elite do carnaval carioca abrigava dez escolas, a categoria especial recebeu 14 agremiações participantes em 1976 – fruto principalmente de dois anos consecutivos sem rebaixamento. Se para quem acompanhava na telinha, no conforto da sala o cortejo de 10, 12 ou 14 agremiações era um bálsamo para os olhos, para quem desfilava, assistia das arquibancadas pouco confortáveis, julgava ou trabalhava na organização, essa festa interminável poderia significar um tormento terrível.  

A TV se consolidava como um meio de comunicação parceiro do carnaval, e os artistas e artesãos da folia perceberam isso e tentaram tirar proveito, tanto plasticamente quanto na concepção dos desfiles. A semidesconhecida Beija-Flor de Nilópolis impressionou a todos em 1976, com o enredo “Sonhar com rei dá leão”, contando a história do jogo do bicho, rompeu com uma tradição de enredos que faziam propaganda do regime militar, e contava com o gênio criativo de Joãosinho Trinta, além do apoio financeiro do bicheiro Aniz Abraão David. Com sua concepção teatral, J30 foi um dos artistas que mais souberam adaptar a criação carnavalesca às sucessivas mudanças de palco da “ópera popular” e à consolidação da TV divulgando as imagens do carnaval via satélite. Outros artistas criadores, como Arlindo Rodrigues, Fernando Pinto e Maria Augusta, também souberam tirar proveito da presença da tevê para impor a marca de seu trabalho: Arlindo levava enredos históricos com um apuro nas alegorias e sofisticação nas fantasias; Fernando Pinto imprimiu a estética tropicalista no carnaval, e Maria Augusta levou os temas cotidianos para a avenida, os chamados “enredos abstratos”.

Em 1978, Hilton Gomes (1924 - 1999) e Léo Batista iniciaram uma dobradinha na narração, através de revezamento, que marcou a história dos carnavais da Globo. Gomes foi um dos principais apresentadores da emissora, tendo estado na bancada da primeira edição do Jornal Nacional, junto com Cid Moreira. Dono de um bonito vozeirão grave, mas de estilo mais formal, foi apresentador oficial do Festival Internacional da Canção, além de ter narrado jogos de futebol e várias entrevistas como enviado internacional. Já Léo Batista tinha um estilo completamente oposto ao de Hilton Gomes: narrador e noticiarista esportivo, se destacava pelo estilo descontraído. Nos anos 70 era apresentador dos programas Globo Esporte, Gols da Rodada do Fantástico, Esporte Espetacular e ainda informava os resultados semanais da Loteria Esportiva, acompanhado pela Zebrinha, uma personagem criada pelo desenhista Borjalo.


Concursos de fantasia eram atração nas transmissões de carnaval nos anos 70. Na foto, o “hors-concours” Clóvis Bornay na passarela do Municipal. Foto: Acervo/Estadão.

 As transmissões também eram um retrato da deficiência de tecnologia no carnaval. Não havia sonorização ao longo da avenida. As escolas desfilavam apenas ao som do carro de puxadores e da bateria em acústico. O início dos desfies mostravam sempre as primeiras alas cantando o samba a capella, sem escutar a voz do puxador, a bateria nem os instrumentos de corda. À medida que a escola ia evoluindo e adentrando a passarela é que passava a se ouvir gradativamente o canto do intérprete, a batida dos ritmistas e os instrumentos de corda. Era um tempo que todos os componentes precisavam realmente cantar, senão havia o risco de “atravessar”. A expressão “atravessar o samba” é quando uma parte da escola está cantando um trecho do samba enquanto outra parte canta outro trecho diferente em função do atraso do som devido a distância. Ou quando, por qualquer falha (técnica ou humana), a bateria provoca um desentrosamento entre ritmo e canto. O problema do som precário ao longo da avenida só foi solucionado após a inauguração do sambódromo em 1984. 

        Júri Oficioso, ou... “Júri da Globo” 

 Em 1976, a TV Globo fez com que seus comentaristas atribuíssem – de forma não oficial – notas aos quesitos, fazendo uma apuração paralela. Estava instituído o Júri Oficioso, ou simplesmente, o “Júri da Globo”, como ficou conhecido. Os especialistas foram os mesmos do Carnaval Colorido do ano anterior.

Para a transmissão de 1978, a Globo convidou mais dois grandes nomes ligado à música para fortalecer o júri oficioso: o produtor e pesquisador Ricardo Cravo Albim para falar sobre evolução e harmonia, e o maestro e compositor Guio de Moraes – que substituiu Mozart de Araújo – para analisar samba e bateria.

O expediente de utilizar o “Júri da Globo” na transmissão se manteve até o carnaval de 1988. Após isso, a emissora continuou com os comentaristas, mas sem atribuir notas.


As notas oficiosas do Júri da Globo para o Império Serrano ao final de seu desfile em 1978.


Parcial do total de pontos atribuídos às escolas pelo Júri da Globo no carnaval de 1978. Àquela altura, ainda faltavam passar a Beija-Flor e a Mangueira.


Imagem da vinheta da cobertura da TV Globo durante o carnaval de 1979, uma década antes do Carnaval Globeleza

         Rede Tupi – “Cobertura total”

 A Rede Tupi de Televisão também tinha uma tradição de programação carnavalesca. Nos anos 70 – já nos seus estertores – a emissora exibia programas especiais sobre marchinhas carnavalescas, promovia festivais de músicas de carnaval e também exibia desfiles.

Na cobertura do carnaval de 1979 as vinhetas da Tupi eram produzidas com direito a marchinhas carnavalescas, uma delas gravada por Moacyr Franco. Era o básico que se podia fazer naquela época – a transmissão de bailes carnavalescos e os desfiles das escolas de samba com uma inovação: a Tupi ousou em transmitir simultaneamente os desfiles do carnaval de São Paulo e do Rio de Janeiro mobilizando oito equipes de reportagem, sendo quatro para cada cidade. A transmissão teve o comando do teatrólogo Plínio Marcos (1935 - 1999) e teve a direção de jornalismo de Heitor Augusto (1932 - 2013) e direção artística de Antonino Seabra (1933 - 2010).

A última transmissão televisiva da folia pela Rede Tupi aconteceu em 1980. Com o slogan “Cobertura Total”, a emissora transmitiu os desfiles das dez escolas do Grupo Especial na passarela da Rua Marquês de Sapucaí no dia 17 de fevereiro (domingo). Foram elas – pela ordem de desfile: Império Serrano; Unidos de São Carlos; Unidos de Vila Isabel; Acadêmicos do Salgueiro; Beija-Flor; Mocidade Independente de Padre Miguel; Estação Primeira de Mangueira; Portela; União da Ilha do Governador e Imperatriz Leopoldinense.

A estação televisiva inovou ao transmitir também o desfile das Campeãs, naquele ano realizado no dia 23 de fevereiro.


Imagem da vinheta da transmissão do carnaval de 1980, o último da TV Tupi, no ano em que a emissora foi extinta.

A narração do primeiro carnaval dos anos 80 foi com o locutor esportivo José Cunha (1940), mineiro que fez história nos anos 70 e 80, narrando os jogos do campeonato carioca de futebol pela TVE-RJ. Dono de uma voz rouca e forte, Cunha foi criador de diversos e divertidos jargões esportivos, como por exemplo, em vez de gritar “gol”, Cunha gritava “tá láááá...”. O narrador dizia que não gritava gol, “porque o telespectador não é cego, pô!” E dê-lhe frases como “Taí o Zanatta”, “Taí o Cláudio Adão”, “tá aí o abafa”, “Tá láááá (na hora da feitura do gol de uma das duas equipes)...  Din-na-mi-te! Vasco da Gama TRÊS. Flamengo UM”. Assim mesmo, com essa entonação no placar. Essa irreverência José Cunha levava também ao narrar um desfile de carnaval: - “É, minha gente. Tá aí a Portela!”.

Além de José Cunha, o radialista e ator Osmar Frazão se revezavam na ancoragem da transmissão. Nas reportagens e eventuais comentários, um rapaz chamado Jorge Perlingeiro, jovem comunicativo, enlouquecido por samba e carnaval e que apresentava um quadro em um programa de TV (como veremos mais à frente no capítulo), e que usava como bordão a expressão “só se for agora”.


Momento raro: Abílio Martins (à esq.) como apoio de David Corrêa (à dir.) na condução do samba “Hoje tem marmelada”, no carro de som da Portela, no desfile das campeãs de 1980.

O carnaval de 1980 aconteceu de 16 a 19 de fevereiro e o desfile das campeãs foi realizado no sábado seguinte, dia conhecido como “enterro dos ossos”. Dias antes, os funcionários da TV Tupi estavam em greve – do dia 11 até 16 de fevereiro. Os profissionais encerraram a greve exatamente no sábado de carnaval.

O desfile das campeãs contou com a participação de seis escolas: as três que ao final da apuração empataram com o mesmo número de pontos e foram declaradas vice-campeãs (Mocidade Independente de Padre Miguel, Unidos de Vila Isabel e União da Ilha do Governador) e as três que empataram em primeiro lugar e foram promulgadas campeãs (Beija-Flor, Imperatriz Leopoldinense e Portela). Pela ordem, se apresentaram três tiveram seus desfiles televisionados União da Ilha, Vila Isabel, Mocidade, Portela, Imperatriz (que desfilou sem alegorias) e Beija-Flor. Os gresilenses ficaram tão emocionados com o primeiro título da Rainha de Ramos que depenaram as alegorias e adereços dos carros alegóricos para levar como lembrança do campeonato. Mal eles teriam ideia de que na década seguinte, vencer o carnaval se tornaria algo rotineiro.


“Ô raia o sol, ô dindim / Suspende a lua, dindim...” As câmeras da TV Tupi flagraram um empolgadíssimo Jamelão (vestido de azul e branco) desfilando na Portela e cantando a plenos pulmões o samba de David Corrêa, Norival Reis e Jorge Macedo no desfile das campeãs em 1980.


O repórter Jorge Perlingeiro (com o microfone) entrevista dois presidentes campeões da Sapucaí em 1980: Luizinho Drummond, da Imperatriz (à esquerda), e Nelson Abrahão David, da Beija-Flor (ao centro).

Por esta época, ainda havia na TV Tupi dois programas dedicados ao samba: o Rio Dá Samba, apresentado pelo músico e compositor João Roberto Kelly (retratado na Coluna do Rixxa #21) e que logo em seguida migrou para a TV Bandeirantes.

O segundo programa dedicado ao samba, na verdade, começou como um quadro do Programa Aérton Perlingeiro, um “show” de auditório exibido nas tardes de sábado pelo apresentador e radialista Aérton Perlingeiro (1921 - 1992). O programa era dividido em seções, sendo que uma delas, voltada ao samba, era apresentada por seu filho, Jorge Perlingeiro. Este quadro posteriormente deu origem ao programa Samba de Primeira.

Em 18 de julho daquele ano, a concessão da emissora foi cassada por problemas financeiros e administrativos e a Tupi fechou as portas.              

A década seguinte inicia com quatro emissoras de alcance nacional interessadas em transmitir os desfiles de escolas de samba e ainda dedicavam generosas parcelas da programação aos eventos de carnaval. E também viu o nascimento daquela que é considerada a maior e a melhor televisão que cobriu a folia neste país e fez os brasileiros sonharem carnaval durante 14 anos. Mas isso é assunto para o próximo capítulo...

REFERÊNCIAS:

CLARK, Walter; PRIOLLI, Gabriel. O campeão de audiência. Uma autobiografia. São Paulo: Summus Editorial. 1991. 400 páginas.

LEITE, Willian Tadeu Melcher Jankovski. O narrar da escola de samba e o narrar da televisão: perspectivas para o uso da transmissão televisiva de carnaval como fonte histórica. Artigo científico apresentado no 10º Alcar – Encontro Nacional de História da Mídia. Porto Alegre. Ufrgs. 2015.

CABRAL, Sérgio. As escolas de samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996. 79.

OLIVEIRA SOBRINHO, José Bonifácio de. O livro do Boni. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2011.

Gerson Brisolara (Rixxa Jr.)
rixxajr@yahoo.com.br