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Contos do Vigário - Nasce um Trouxa a cada Minuto (Acadêmicos de Vigário Geral - 2017)

Contos do Vigário - Nasce um Trouxa a cada Minuto (Acadêmicos de Vigário Geral - 2017)

Pois não senhores, desculpe-me se não puder lhes dar toda atenção devida, afinal o plantão desta delegacia essa noite, como na maioria delas, está sendo muito trabalhoso. Sim, todos esses que estão detidos aqui foram indiciados no artigo 171 do Código Penal: Estelionato, que nada mais é, na letra fria da Lei, “o crime que consiste em obter para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento” e daí surgiu o apelido de toda pessoa muito esperta e que não é de muita confiança (“esse cara é um tremendo 171”). Eu diria mais, o nome desse artigo é mais que apropriado para qualificar essas pessoas, afinal estelionato tem origem no latim “Stellio, onis”, nome de um lagarto que mudava de cor conforme a coloração de seu ambiente, ou seja o nosso camaleão, considerado notável na capacidade de iludir.

Ah sim, claro! Os golpes praticados por esses senhores eram muito conhecidos por outro nome, antes de serem tipificados como Estelionato. Vocês com certeza já ouviram falar dos Contos do Vigário, o que os torna autênticos vigaristas.

Desculpem-me se não vou ser muito preciso em responder sua última pergunta “Como surgiu essa expressão Contos do Vigário?”, afinal não há uma exatidão histórica com relação à origem do termo, o que posso lhes garantir é que esse tipo de golpe surgiu na Europa, mais precisamente na Península Ibérica, quando um grupo criou uma história mirabolante de tesouros de piratas nas costas da Espanha e Portugal e arrecadavam dinheiro organizando expedições para resgatar esse tesouro, que seria dividido em duas partes: uma para quem pagasse pela expedição e outra para esse grupo que conhecia o local do (inexistente) tesouro. Com o sucesso desse golpe, outros passaram a ser aplicados, até que criaram a figura de um falso vigário que visitava cidades e até outros países onde abordava pessoas com falsos documentos dizendo que um parente distante havia falecido, deixando sua única filha, herdeira de toda sua fortuna, em um orfanato e que a vítima teria sido escolhida para ser tutora da criança, devendo apenas pagar os valores correspondentes à liberação da documentação. Àquela época a informação demorava muito a circular, e como desconfiar da figura imaculada de um vigário? A vítima pagava o que era solicitado e nunca mais voltava a ver o falso vigário. Tantos foram esses golpes que passaram a ser conhecidos como Contos do Vigário.

Mas enganar, fingir e se disfarçar para conseguir vantagens sobre outros faz parte da natureza humana, não se esqueçam que os troianos perderam uma guerra ao abrir as portas de sua cidade a um presente de grego. Esse golpe fez tanto sucesso que batiza o vírus de computador mais conhecido dos usuários de internet: Cavalo de Tróia, que destrói todos os arquivos ao ter o acesso ao computador franqueado pelo usuário.

Esses tipos de golpes são mundialmente difundidos, mesmo nós brasileiros achando que nossa sociedade tem uma vocação natural para a vigarice, tanto que em inglês são conhecidos como Confidence Games, em francês como Vol à L’Americaine e em espanhol por Timo. A própria literatura mundial é repleta de obras cujos temas são ardis e golpes como Decameron de Boccacio, Tartufo de Molière ou mesmo O Inspetor Geral de Nikolai Gógol, considerada por Nabakov como “a maior peça já escrita em russo”. No Brasil temos os personagens de Grilo e Chicó de “O Auto da Compadecida” de Ariano Suassuna como grandes golpistas.

Se eles são perigosos? Eu diria que a principal arma desses vigaristas é a inteligência. Eles são especialistas em lidar com crenças e convicções, esperanças e medos, conceitos e preconceitos, ou seja, em outras palavras, manobram como poucos o imaginário. Vejam o caso desses indivíduos, vestidos de caipira detidos essa manhã. Eles perceberam muito antes que qualquer autoridade ou cidadão de bem que o grande desenvolvimento dos centros urbanos criou um preconceito com relação aos habitantes de fora desses grandes centros, como se quem morasse nas grandes cidades fosse mais inteligente, mais capaz, mais civilizado, ou seja, superior às pessoas que moram no interior, que não passariam de matutos ingênuos e ignorantes. A própria sociedade forneceu a base do golpe, bastava agora uma boa interpretação de caipira perdido na cidade portando um (falso) bilhete premiado para que se concretizasse o Conto do Bilhete Premiado também conhecido como o Conto do Toco-mocho.

Muita calma senhores antes de achar que esses vigaristas sejam a escória da sociedade por abusarem da boa-fé das pessoas. Eu como Chefe de Polícia não posso emitir parecer de juízo, apenas relatar os fatos, mas vou dar-lhes minha opinião como cidadão. Sim, muitos desses vigaristas fazem vítimas inocentes, como aqueles que abriam consultórios médicos e davam consultas e exames sem nunca terem frequentado uma aula de medicina, suas vítimas caiam  inocentemente no Conto do Falso Médico ou aqueles que se vestiam de falsos fiscais da receita e de falsos policiais para através do medo extorquir dinheiro de comerciantes, inventando falsas irregularidades e a ignorância e medo levavam os comerciantes a caírem no Conto do Falso Policial ou do Falso Fiscal. Há um caso de eximia criatividade de 1969, quando foi noticiado que o Homem acabara de pisar na Lua, um homem foi preso após vender a dois fazendeiros terrenos em pleno solo lunar. Mas a grande maioria dos golpes só têm êxito por que as vítimas querem obter vantagens indevidas sobre as oportunidades que lhes são apresentadas, como conseguir um bilhete premiado das mãos de um inocente e perdido caipira, ou adquirir uma máquina capaz de fabricar dinheiro, golpe conhecido como Conto da Guitarra ou Conto da Máquina de fazer Dinheiro, ganhar dinheiro sem sair de casa, como oferecia o Conto da Corrente da Fortuna ou Conto da Pirâmide. Sem contar os casos das pessoas que adquirem produtos de ambulantes (como celulares, pendrives, etc.) por valores muito abaixo do real valor da mercadoria, tipificando o golpe do Conto do Produto Falso que muitos chamam de Garantia Soy Jo. Há aqueles que são pegos pelo vício em jogos, como no golpe do Conto das Tampinhas, onde o vigarista é um ótimo ilusionista e convence a vítima a adivinhar onde está uma bolinha escondida entre três tampinhas. Nesses casos em que a relação entre enganadores e enganados atingia o ponto de total ausência de moralidade de ambas as partes, foi criada uma tese de interpretação jurídica conhecida como: torpeza bilateral, onde a vítima é considerada tão culpada quanto o próprio vigarista.

Mas independentemente do tipo de golpe, o Conto do Vigário é uma verdadeira peça teatral a céu aberto, onde o vigarista (sem nunca ter frequentado uma aula de interpretação) interpreta seu personagem de maneira magistral e conduz a vítima a interpretar muito bem o papel dela que é a de sagaz aproveitador (arrancando o bilhete premiado das mãos do interiorano, adquirindo o aparelho que faz dinheiro, recebendo o privilégio que lhe é dado de mão beijada) para poder atingir o Grand Finale, que é convencer a vítima que ela está fazendo um verdadeiro negócio da China. O maior erro do vigarista é não saber a hora de sair de cena e alongar demais sua interpretação.

Vocês que são jovens ou possuem filhos jovens que gostam de sair à noite, muito cuidado com um golpe que pode ser prejudicial à saúde, um golpe que se sustenta na distração da vítima com o copo da bebida que ela está ingerindo, geralmente em boates e festas, chama-se Conto do Boa Noite Cinderela, que consiste em um coquetel de drogas que age no sistema nervoso central da vítima, fazendo a pessoa perder a consciência e ao acordar ter seus pertences e senhas de banco furtados.

Pois bem senhores, estamos terminando a ronda do meu plantão dessa noite. Vocês são do G.R.E.S. Acadêmicos de Vigário Geral, correto? Então levem a seguinte mensagem a toda a comunidade e a toda Intendente Magalhães: Não existe jeito fácil de ganhar dinheiro. Sempre que desconfiarem de qualquer situação fora do habitual, chamem um policial ou qualquer outro agente de segurança. Esses criminosos seguem à risca a frase do mestre da ilusão P.T. Barnum que dizia “Nasce um trouxa a cada minuto”. Não se esqueçam, não há limites para os poderes imaginários daqueles que sabem levar vantagem sobre os que querem levar vantagem.

Autores:

Alexandre Costa Pereira

Lino Sales

Marcus Vinicius do Val

Bibliografia:

– Os Contos E Os Vigários (autor: José Augusto Dias Junior);

– Contos do Vigário: Vacine-se Contra Eles (autores: Jorge Rodrigues da Silva e Wagner Tomas Barba).