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Do Semba ao Samba, Raiz dessa Gente Bamba
SINOPSE ENREDO 2016

Do Semba ao Samba, Raiz dessa Gente Bamba

Nos idos do século XVI, o Brasil, ainda um país colonial, recebeu em seu seio um grande contingente de negros escravizados oriundos de Angola e do Congo, povo de origem Banto que traziam em seu sangue a bravura, a garra e a força da Mãe África. No decorrer deste período, os principais ciclos econômicos brasileiros foram legados e estiveram nas mãos desses negros, como a cana-de-açúcar, o tabaco, o algodão e o café. Trouxeram em sua essência mais do que a valentia e a coragem, trouxeram os sons e os ritmos da terra mãe.

Em meio ao sofrimento e desalento do cativeiro, legaram a seus descendentes o batuque primitivo que sobrevivera ao cruzar o oceano e nas senzalas ganhou corpo e solidificou-se em meio a dor e ao sofrimento desses homens e mulheres que, arrancados de suas terras encontraram no ritmo da Mãe África uma maneira de amenizar a dor das perdas e da saudade. Nos terreiros dos engenhos e das fazendas nasciam novas manifestações rítmicas que aliadas a diversos tipos de dança que ainda hoje se fazem reconhecidas e reverenciadas em decorrência de suas origens.
Da África distante vieram as raízes do Jongo e do Lundu, este aliás, carrega em seu gene a mesma linhagem do Semba. Semba é uma palavra originária do kimbundo e significa umbigada, um dos estilos musicais de maior apelo popular entre os angolanos. Sua dança constitui-se em um entrechoque dos ventres do homem e da mulher, onde o cavalheiro segura sua dama pela cintura e puxa-a para si em um movimento de ginga, sensualidade e malícia.

Este estilo que fora trazido pelos africanos de origem angolana evolui e sobreviveu ao período da escravidão, chegando posteriormente aos quilombos espalhados por todo o país. Ritmo envolvente e de extrema cadencia, foi proibido ainda nas fazendas, pois o mesmo era marginalizado, demonizado, considerado ameaçador por senhores do engenho e aristocratas do período colonial. Sua magia, aliada a arte da improvisação dava aos angolanos e congoleses o conforto e a lembrança de suas terras que ficaram para trás. Mais um foco da resistência negra, o semba sobreviveu a toda forma de preconceito e seguiu juntamente aos negros fugindo do açoite rumo as matas e na segurança dos quilombos desenvolveu-se e ganhou relevância cultural.

Em meio ao crescimento do movimento, o jogo da capoeira foi um grande aliado do semba, que a essa altura já era samba. Nas rodas de batuque o negro cantava e dançava ao som de tambores e atabaques demonstrando toda sua malemolência. Tal demonstração de talento e virilidade tornou os capoeiristas um braço forte dos senhores de engenhos e nobres, que passaram a utilizar esses negros como leões-de-chácara e responsáveis por sua guarda pessoal e de suas fazendas. Com isso, alguns deixaram as senzalas e ingressaram a Casa Grande, alcançando assim maior prestigio entre seus senhores.

Com o advento da abolição da escravatura, os negros antes marginalizados foram inseridos ao cotidiano das cidades brasileiras com grande ênfase no Rio de Janeiro e na Bahia. Libertos, passaram a notabilizar-se na música com seus batuques e tambores e na dança com seu gingado e todo seu swing. Dessa forma, a juventude aristocrata acaba por se encantar com a prática da capoeira, levando inclusive alguns filhos de grandes homens da época a ingressar no jogo oriundo de Angola. Mais do que isso: apaixonados por nuances da cultura negra, alguns desses jovens chegaram a financiar as primeiras rodas de samba nas ruas de Salvador e da capital Fluminense. Dessa feita, o semba que virou samba começava a se popularizar e a ganhar espaço nas esferas mais altas da sociedade brasileira.

E nos anos que seguiram a abolição, um grande contingente de negros libertos vindos de todos os cantos do país aglutinou-se na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, o que colaborou ainda mais com o processo de miscigenação e propagação da cultura africana.

No início do século XX, o Rio de Janeiro, então capital brasileira, foi submetida a um ousado projeto de reurbanização e implantação da rede de esgotos e saneamento básico aos moldes da grande reforma urbana promovida em Paris, em 1853. Com a demolição de vilas e cortiços, a população mais carente da cidade acabou migrando para as periferias e os morros que circundavam o centro da cidade.

A população negra reconhecidamente menos favorecida acabou por se concentrar no antigo Morro da Conceição, que ao ter sua população consideravelmente elevada com a chegada dos migrantes da Bahia, acabou por estender seu território chegando até a Cidade Nova, onde o grande número de habitantes de origem negra lhe rendeu o apelido de Pequena África.

Totalmente adaptados a esse ambiente e por fim, próximos de sua essência e de suas tradições, o negro sambista dava início a uma nova era: a era da batucada, que reunia nas casas de negros influentes um grupo de amigos que se juntavam para tirar melodias de seus instrumentos e dançar as tradições vindas de sua terra mãe. Muitas vezes as rodas de samba ganhavam as ruas e perduravam até o raiar do dia. O samba do morro e o partido alto levam o ritmo a um novo patamar. Tal fato acabou por despertar a ira da polícia que chegava sentando o cacete nos sambistas e o banzeiro estava formado. O samba voltava a ser reprimido. O som do “surdo” silencia mas não se cala.

Sente-se então a necessidade de expandir ainda mais a beleza e a nobreza do samba. As casas das tias baianas na Gamboa ficaram literalmente pequenas. Discriminado nos salões de festas, o samba vai de vez para as ruas. Ismael Silva, negro e sambista da mais alta patente cria então a primeira Escola de Samba, a “Deixa Falar”, mais que uma agremiação, um novo foco de resistência, um movimento cultural e social.

Voando nas asas da fantasia, o Gavião altaneiro cruza a linha do tempo e viaja rumo a uma época onde o samba era samba de verdade, onde o ritmo ancestral valorizava as lutas do negro africano arrancado do seio de suas pátrias para criar nesse imenso torrão o maior símbolo de um povo que tem em seu DNA a ginga do africano e toda a beleza dessa arte que ainda hoje encanta a todos e faz saltar ao peito o orgulho de ser expoente na propagação dessa tradição que a cada dia ganha novo fôlego e se perpetua na história de sua gente, na raiz de toda essa gente bamba.

Texto e Autor: Sérgio Júnior