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Matamba, o Sonho de uma Rainha (Engenho da Rainha - 2019)
Matamba, o Sonho de uma Rainha (Engenho da Rainha - 2019)

APRESENTAÇÃO

O GRES. Acadêmicos do Engenho da Rainha se originou no bairro homônimo, cujo nome remonta à Fazenda onde Carlota Joaquina costumava descansar de sua agitada vida na corte do Rio de Janeiro.

Sabe-se que a Princesa do Brasil e Rainha Consorte de Portugal tinha o hábito de escrever, fosse em seu diário pessoal ou nas muitas correspondências que enviava para familiares, nobres e aliados no Brasil, na América Espanhola e na Europa.

Muito provável portanto, que nas suas idas e vindas entre a Corte e a Fazenda, Carlota levasse sempre consigo seu diário para registrar fatos, curiosidades e as suas impressões sobre tudo o que presenciava.

Partindo dessa ideia, o livro símbolo da Acadêmicos do Engenho da Rainha tornar-se-á o diário de Carlota Joaquina.

Vamos folheá-lo e a abri-lo na página onde Carlota registrou suas impressões sobre o primeiro carnaval que presenciou no Rio de Janeiro e como isso levou-a a sonhar com uma viagem à África desconhecida.

A todos os súditos, curiosos ou não, convidamos: Vamos sonhar o sonho da Rainha do Engenho!

 

JUSTIFICATIVA

Sudoeste da África, Século XVII. Nzinga Mbande Cakombe, Rainha de Matamba, pôs em prática as mais variadas estratégias para defender seus territórios das ameaças externas. Tornou-se uma das maiores governantes da história da África, tendo sido eternizada na memória popular de portugueses, brasileiros e angolanos como Rainha Njinga ou Ginga. Ao longo dos anos, fez alianças e rompeu-as, fosse com os colonizadores portugueses, com a temida tribo guerreira dos Jagas, ou com os invasores holandeses. O que esperar de uma rainha sobre a qual recaía a suspeita de ter envenenado o próprio irmão para usurpar-lhe o trono? Lutou contra a escravidão do seu povo, mas aprisionou, escravizou e vendeu seus inimigos. Batizou-se católica e ao mesmo tempo adotou costumes pagãos dos jagas. Graças ao seu “gingado”, conseguiu manter a independência de Matamba e reinar até sua morte, com mais de 80 anos de idade. Somente então, os portugueses conseguiram invadir e dominar a região. Matamba, um trono sem rainha…

Sudeste da América do Sul, Século XIX. Carlota Joaquina Teresa Cayetana de Bourbon tornou-se a primeira princesa europeia a cruzar o Oceano Atlântico e pisar as terras do Novo Mundo. Viveu uma relação conflituosa com seu marido, D. João, então Príncipe Regente de Portugal, contra quem tramou por diversas vezes ao longo da vida, na tentativa de usurpar-lhe o trono. Diz-se que em uma dessas conspirações malsucedidas, teria tentado envenenar o próprio marido. Em suas diversas manobras políticas, tentou ser declarada Regente da Espanha enquanto o Rei daquele país, seu irmão, era prisioneiro de Napoleão. Viu nos movimentos pela independência das colônias espanholas no Rio da Prata, uma oportunidade de ser declarada Rainha (ou pelo menos Regente) da região. Após a morte do Rei D. João VI, tornou-se inimiga política do próprio filho Pedro, Imperador do Brasil, na disputa pela sucessão do trono português. Sua biografia deixa claro o quanto desejava um trono para chamar de seu… mas teve que se contentar em ser a Rainha Consorte de Portugal. Carlota, uma rainha sem trono…

Rio de Janeiro, Século XXI. No carnaval carioca, o GRES. Acadêmicos do Engenho da Rainha abrirá o diário de Carlota Joaquina para apresentar em um desfile onírico a fantasia do inconsciente da princesa do Brasil. Em uma noite de carnaval, Carlota viaja em sonho aos territórios portugueses na África, terra que ela jamais conheceria em sua vida. Nesse reino dos sonhos, a princesa se encanta com cores e sabores, cobiça riquezas, teme perigos imaginários, conhece a fé do povo negro e os poderes de Matamba. Ao encontrar-se com o espírito de Njinga, reconhece afinidades entre ambas e pede-lhe perdão (terá sido sincera?). Entendendo como Njinga precisou “aportuguesar-se” para conseguir reinar em Matamba, Carlota “se africaniza” e vê nessa aliança a grande oportunidade de finalmente ter um trono só para si!

 

SINOPSE

Rio de Janeiro, manhã de carnaval, 1809.

Já faz quase 1 ano da minha chegada a esta cidade.

Finalmente eu tive a oportunidade de presenciar a forma como a gente daqui celebra o carnaval.

Como se livres fossem, os negros escravos saem às ruas e comemoram a festa de forma bastante curiosa. Atiram uns aos outros: água, farinha e até mesmo outras coisas repulsivas!

Mas a alegria da festa é tão contagiante!

Ontem ao me deitar, aquelas imagens não saíram da minha mente.

Talvez por isso, esta noite tive um sonho. Um sonho tão real que quase poderia tocá-lo.

Eu desembarcava na costa da África para conhecer as províncias ultramarinas do Reino de Portugal.

Terras que meus olhos jamais avistaram.

Terras que conheço apenas pelas ilustrações dos livros e pelos relatos dos viajantes.

Salve São Paulo da Assunção de Loanda!

Meus pés de princesa pisavam pela primeira vez o maior porto português em África, de onde saíam os navios carregados de escravos para o Brasil.

Lá fui recebida por um grupo de guerreiros.

Suas peles brilhavam com a cor do ébano e despertaram meus desejos mais secretos, que não ouso aqui confessar.

Levaram-me do cais à cidade, onde tambores ressoavam em meu louvor.

A gente de lá saudava-me como sua senhora e ofereciam-me flores e frutas exóticas, de cores extravagantes e sabores inigualáveis.

Após celebrarem a minha chegada, os nativos convidaram-me a conhecer os rincões da África.

Temi adentrar à mata. Mas, apesar do meu receio, juntei-me ao cortejo rumo ao interior do território africano.

Ao longo da viagem, os negros apontavam:

– Ouro!

– Prata!

– Diamantes!

Pude perceber que aquela terra possuía infinitas riquezas.

Andamos por muitas horas até que senti um vento forte.

Trovões ecoaram.

Relâmpagos rasgaram os céus, iluminando a noite.

Os negros exclamaram: “Pembelê, Matamba!”.

Estávamos a entrar nos domínios da Senhora do fogo e das tempestades, que abria nossos caminhos com a luz dos seus raios.

Vi borboletas a revoar ao nosso redor.

E eu já não temia mais percorrer aquelas matas.

Sentia-me protegida de todos os perigos que eu havia imaginado: frutas venenosas, plantas carnívoras, feras monstruosas ou até mesmo tribos de canibais…

Nada disso me impediria de seguir a desbravar aquele reino fantástico!

Eis que desponta, perdido no meio da mata, um suntuoso palácio.

Dentro dele, os temidos guerreiros jagas protegiam o meu desejo mais cobiçado: o trono de Njinga estava ali, bem diante de meus olhos.

O espírito da lendária rainha negra pairava sobre ele a ostentar um olhar de reprovação.

Aproximei-me, pus-me de joelhos e pedi-lhe perdão.

Perdão por todos os crimes e pecados cometidos pelos invasores no solo sagrado de Matamba.

E aquele espírito de luz entendeu que, assim como ela, eu também tive relações de aliança e traição com a Coroa Portuguesa.

Assim como eu, aquela rainha negra jamais foi chamada de fraca, nem mesmo pelos seus maiores inimigos.

Despertamos amores e ódio, mas nunca a indiferença!

Duas mulheres ao mesmo tempo tão diferentes e tão parecidas.

Njinga derramou uma lágrima e em seguida sorriu.

Estendeu os braços e me conduziu até seu trono.

Uma grande oportunidade se abria para mim naquela aliança inesperada.

Nunca poderia imaginar que no continente negro eu encontraria o lugar ideal para ser aclamada como rainha.

Então, não tive dúvidas, aquele trono tinha que ser meu!

Sentei-me, e com as bênçãos da luz de Nzambi, tornei-me uma rainha africana!

Pouco depois acordei e me dei conta que ainda sou a Princesa do Brasil.

Foi apenas um sonho…

Mas, se fecho os olhos, ainda posso ouvir meus súditos gritando:

Mucuiu Nzambi, Carlota Jakina!

A chama de Matamba é a luz que te ilumina!

Mucuiu Nzambi, Rainha de Matamba!

Mucuiu Nzambi!

 

GLOSSÁRIO

Jaga – Tribo de guerreiros da África, cujo líder casou-se com Njinga, tornando-se seu aliado na luta contra os portugueses.

Jakina – Segundo o Dicionário Kimbundu – Português, foi a forma como os falantes do kimbundu adaptaram o nome Joaquina do português para sua língua natal.

Matamba – Divindade da mitologia bantu ligada ao fogo e aos fenômenos que vem do céu, como raios, trovões, tempestades, etc. Matamba também é o nome do antigo reino africano cujo território hoje pertence à Angola, e que resistiu por muitos anos à invasão portuguesa sob a liderança da Rainha Njinga.

Mucuiu Nzambi – Expressão em kimbundu que pode ser traduzida como “Deus lhe proteja” ou “Deus lhe salve”.

Nzambi – O Deus supremo na mitologia bantu.

Pembelê – Saudação que pode ser traduzida como “Eu te saúdo”.

 

BIBLIOGRAFIA

AGUALUSA, José Eduardo. A Rainha Ginga. Rio de Janeiro: Editora Foz, 2015.

ASSIS JUNIOR, A. de. Dicionário Kimbundu – Português. Linguístico, Histórico, Botânico e Corográfico. Luanda: Argente, Santos e Cia. LTDA.

AZEVEDO, Francisca L. N. Forte, teimosa e voluntariosa. Revista da História da Biblioteca Nacional, Ano 8, n. 96, p. 16 a 21, 2013.

BRACKS, Mariana. Ginga, a incapturável. Revista da História da Biblioteca Nacional, Ano 7, n. 85, p. 46 a 49, 2012.

CABRAL, Flavio José Gomes. Inimigos Íntimos. Revista da História da Biblioteca Nacional, Ano 8, n. 96, p. 30 a 34, 2013.

CASSOTTI, Marsilio. Memórias de Carlota Joaquina: A amante do poder. São Paulo: Planeta, 2017.

FERREIRA, Fábio. Sonhos de uma rainha frustrada. Revista da História da Biblioteca Nacional, Ano 8, n. 96, p. 26 a 29, 2013.