Após o sucesso obtido em 2016 e pelo segundo ano consecutivo a Lieses lançou o CD e o DVD com os sambas-enredo do Carnaval de Vitória. O formato da gravação teve inspiração do Rio de Janeiro, com a captação ao vivo dos áudios de bateria e instrumentos de base feita na quadra da Mocidade Unida da Glória e o coro na quadra do Novo Império. Treze agremiações (seis do Grupo Especial e sete do Grupo A) integram o combo. A Chega Mais, pertencente ao Grupo A, ficou de fora das gravações oficiais.

Assim como os discos do grupo especial do Rio, as baterias tiveram um destaque maior na gravação. A maioria das faixas inicia com uma bossa, onde os batuqueiros demonstram todo o seu malabarismo rítmico para depois passar para o alusivo e o samba propriamente dito. O coral formado pelos integrantes da escola pontua as duas passagens do samba. É possível ouvir com clareza o trabalho dos instrumentos de cordas.

Duas notas destoantes: a primeira é que o andamento dos sambas é rápido em demasia. Tomara que na avenida as baterias se preocupem em levar uma cadência autêntica de samba enredo. Outro destaque negativo vai para a dificuldade de aquisição do produto para quem é de fora do estado do Espírito Santo. Por tratar-se de um carnaval que – juntamente com Uruguaiana – pleiteia ser o “terceiro melhor do Brasil”, a comercialização externa deixa a desejar. Não há uma venda online por exemplo. NOTA: 9,8

MUG – “A tua carta é a carta da vitória”. A atual bicampeã do carnaval capixaba abre o CD um enredo sobre as cartas, de autoria de Cid Carvalho. O samba foi novamente encomendado pela dupla Dudu Nobre e Diego Nicolau (sendo que este já participa do carnaval de Vitória há mais tempo), que já estabeleceu um “estilo” de samba-enredo para a escola do Leão da Glória. Um samba animado, vibrante, descritivo, porém, sem esquecer-se do lirismo, como nos versos “Lembra nos meus tempos de menino / Tantos pedidos a Papai Noel / Mandei mensagem de amor / Um coração desenhei bem no cantinho do papel”. O intérprete Thiago Brito (homônimo do cantor da Estácio de Sá) tem ótimo desempenho. Um samba digno de uma campeã. NOTA 10

JUCUTUQUARA – “A gente só colhe o que planta, vamos parar pra pensar”. A Jucutuquara manda um recado de cunho ambiental, mandando a real na preservação da natureza. A escola aposta numa obra igualmente animada para um tema importante, porém, recorrente em desfiles de escolas de samba. O inteligente verso “um índio viajou numa estrela / e chegou com a missão de anunciar / que a ordem é cuidar desse planeta” é uma referência à canção “Um índio”, de Caetano Veloso. O intérprete Kléber Simpatia é bom de gogó e empresta mais qualidade ao samba. NOTA 9,8

BOA VISTA – “Hoje em nossa tenda a voz do samba ecoou”. A escola de Cariacica será a última a entrar na passarela do samba e levará a vida cigana para a avenida. O samba tem a assinatura de Diogo Nogueira e sua “tchurma” de sempre (Cyraninho, Rafael dos Santos e Leandro Fregonesi), além dos compositores da Boa Vista. O samba, apesar de bem funcional, é bem construído: o refrão principal está em tonalidade maior e mudando para menor a partir da cabeça do samba até nova mudança para maior após o refrão do meio e a partir dos versos  “É a magia está no meu olhar...”, quando a melodia se torna muito bonita e lírica. E finalmente consegui descobrir a pronúncia de “optcha”, palavra do idioma cigano romani, que significa a saudação “salve”: OPACHÁ. O intérprete, Émerson Xumbrega (que também é o presidente da escola), tem um timbre que lembra Royce do Cavaco. NOTA 9,9.

PIEDADE – “É meu o rosto maquiado nesta tela”. A Unidos de Piedade traz, neste ano, as diversidades das caras pintadas, desde as maquiagens até a máscara da riqueza teatral. O samba é bem descritivo e tem boas sacadas, como no refrão principal, no qual faz referência à banda de rock pesado Kiss e o batom lançado na novela Tititi. O enredo é semelhante com o tema apresentado em 2013 pela escola gaúcha Imperadores do Samba e traz muitas possiblidades para um carnaval criativo, colorido e até com possibilidades de patrocínio. NOTA 9,8

PEGA NO SAMBA – “Bendito é o fruto da alegria”. O samba do Pega no Samba é, ao mesmo tempo, gostoso de escutar, mas em uma primeira audição, é um pouco difícil de cantar, muito em função da melodia sinuosa e das rimas improváveis. A obra, que fala sobre o vinho, traz, no refrão do meio, as rimas internas terreiro/tempero, e paladar/não há. Mesmo assim, a safra é boa para apreciar. NOTA 9,7.

NOVO IMPÉRIO – “Um caboclo que faz todo um ritual”. A Novo Império vai abrir o desfile no Sambão do Povo plantando cura e sambando com as ervas medicinais. O samba tem a “participação” do compositor Samir Trindade, hipervencedor nas escolas do Rio de Janeiro. E junto com seus parceiros construíram uma boa obra, com belas variações melódicas (como a que aparece nos versos “Eu vou me banhar / Nas cachoeiras, rios e cascatas / Me purificar, com peregum e aroeira”) e uma letra que descreve muito bem o enredo. O refrão é daqueles de fazer o componente cantar a plenos pulmões. Destaque também para a bateria comandada pelo Mestre Glê. NOTA 9,8.

BARREIROS – “Meu São Cristóvão, hoje canta Uganda”. Um surpreendente samba bem animado, descritivo e bem construído que a Barreiros (que encerra o desfile do Grupo A, na sexta-feira) escolheu para exaltar Uganda. Apesar de trazer expressões manjadas como “Bato no peito” e “Oh Mãe África”, a obra traz uma letra descritiva mesclada com poesia que faz uma viagem às heranças culturais e riquezas naturais do país africano. Destaque para o achado dos compositores na estrofe “Vitória, das suas águas a bailar”, que se refere às conquistas históricas do povo ugandense e ao nome da capital capixaba, que é entoado com força e vibração. A melodia do samba é sinuosa, alterando entre a tonalidade maior e menor sem soar forçada nem pretensiosa. Um estilo de composição que bem merecia estar no grupo especial. NOTA 9,9.

ANDARAÍ – “Tenho a alma do sambista verdadeiro”. A atual vice-campeã do Grupo de Acesso do Carnaval Capixaba, fala, em 2017, das cores e seu desenvolvimento ao longo da história da humanidade. Os compositores do samba da Andaraí são os mesmos da Unidos de Barreiros e guarda pequenas semelhanças em alguns detalhes, mas nada que chega a comprometer. Vale o registro que os dois refrões da obra têm estruturas bem parecidas e a maioria dos versos terminam rimando em “ar”. Na gravação, o andamento da bateria está acelerado, mas a melodia é bem gostosa. NOTA 9,6.

SÃO TORQUATO – “Vou buscar a sabedoria na força da fé”. Um tema complexo como a sabedoria rendeu um samba funcional, mas bem honesto, que descreve bem o enredo e deve se transformar numa bela trilha sonora para o tema que a escola de Vila Velha se propõe. O refrão principal é daqueles típicos refrões-exaltação, com uma suave menção ao enredo, mais servindo como mote de motivação para o componente. A letra se limita a insinuar o enredo e a melodia é bem tradicional. NOTA 9,6.

CHEGOU O QUE FALTAVA – “Essa fonte não seca jamais”. A azul, rosa e branco vai discutir na passarela do samba os mitos e as lendas da criação humana através das águas. O refrão de cabeça é muito bom e a letra é descritiva. A melodia ganha força nos belos versos “Vou me banhar em lagos, cachoeiras e cascatas / O rio deslizando entre as matas / Deságua um oceano de fascinação”. NOTA 9,5

IMPERATRIZ DO FORTE – “Hoje tem Imperatriz? Tem sim senhor”. O circo é o tema escolhido pela Imperatriz do Forte para o carnaval 2017. O samba, dos compositores cariocas Diego Nicolau e Thiago Brito, tem uma melodia suave e que deverá facilitar o canto dos componentes. A letra discorre todo o ambiente circense comparando-o com um desfile de carnaval. NOTA 9,8.

TRADIÇÃO SERRANA – “Fazer de um príncipe um sapo é de assombrar”. A bruxa estará à solta durante o desfile da Tradição Serrana. O samba é muito divertido e bem-humorado, que recorre às tradicionais histórias de bruxarias. O samba é de fácil assimilação e a letra – descritiva – fará com que o enredo seja bem compreensível a quem estiver assistindo. NOTA 9,8.

ROSAS DE OURO – “O ponto xis do mapa é aqui”. Os piratas invadem a avenida com a Rosas de Ouro. O tema abrange todo o tipo de pirataria existente, seja ela nos mares ou nos atos ilícitos. O samba é uma reedição do carnaval de 2011. Na gravação, a introdução traz os acordes da marchinha “Pirata da perna de pau”. NOTA 9,7.

CHEGA MAIS – “Se eu for falar da Portela não vou terminar”. A Portela, uma das mais tradicionais escolas de samba do carnaval carioca, será a homenageada pela Chega Mais no Sambão do Povo em 2017. A escola, no entanto, ficou de fora da gravação do DVD e do CD do carnaval capixaba. Há uma gravação feita ao vivo na quadra da Chega Mais no dia da apresentação do samba, cujo áudio está disponível no Youtube. NOTA 9,4.

 . 31ª Coluna: Folia no Horário Nobre - Junção de Carnaval e Novela dá Samba!