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Coluna do Rixxa Jr.

SAMBAS-ENREDO: DO VINIL AO DOWNLOAD

O ano era 1978. Mais precisamente o finalzinho daquele ano. Eu lembro que faltavam uma ou duas semanas para a chegada do Natal. Meu pai, adorador de sambas, do repertório da velha guarda e de músicas de carnaval já dispunha de uma meia-dúzia de discos de samba enredo das escolas do Rio de Janeiro. Naquela época, artistas consagrados da MPB gravavam e lançavam, de forma diluída, sambas enredo em seus álbuns de carreira, fosse nos LPs ou nos compactos (duplos ou simples): Jamelão, Jair Rodrigues, Elza Soares, Originais do Samba, Wilson Simonal, Martinho da Vila, entre outros. 

Era o mês de dezembro, e eu e meu pai caminhávamos em uma das tantas ruas do Centro de Porto Alegre quando escutamos um sambão em alto volume vindo de uma conhecida loja de discos. Meu pai entrou na loja (e eu agarrado na mão dele) e perguntou para o vendedor que disco era aquele que estava tocando. O vendedor informou que era o LP dos sambas enredo do Rio de Janeiro para o carnaval do ano seguinte (1979). E que naquele ano, tinha uma novidade: o álbum continha um LP e um compacto duplo. Tudo pelo preço de um LP simples. Meu pai agradeceu e tomamos o rumo de casa, não sem antes, durante o trajeto percorrido de ônibus, comentarmos sobre carnaval e os sambas que acabávamos de escutar. Na noite de Natal, após a família abrir todos os presentes, eis que meu pai tira assim, do nada, uma embalagem quadrada. Eu já sabia que se tratava de um disco. Mas qual? Rasgado o papel da embalagem, vejo exatamente o disco com os sambas enredo de 1979 que vimos semanas antes na loja do centro. Oba! Pulei de alegria em seu colo. Como tudo era festa, antes da família se dirigir para a mesa da sala onde degustaríamos a ceia, meu pai ligou a eletrola (hein, não sabe o que é isso? Joga no Google, meu filho!) e pôs o disco para rodar. Em poucos segundos, agulha no primeiro sulco do vinil, rotação a 33 rpm, escuto “olha a Beija Flor aí, gente!” e a voz cristalina de Neguinho da Beija Flor entoar Hoje sou livre, sou criança Beija Flor / Amante da beleza, sou um ser espacial/ ô ô ô ô ô ô ô/ Brindando a vitória do amor. A partir daí, e nos 15 natais seguintes, era como se fosse um ritual. Natal era sinônimo de escutar os LPs do Grupo Especial do RJ em primeira mão. E eu escutava de cabo a rabo. Até uma pessoa dita normal (que não gosta de carnaval) se enfarar de tanto samba enredo. Só que eu não me cansava de escutar as faixas daqueles discos. E queria sempre mais. 

Naquela época, o primeiro contato que quem era de fora do Rio de Janeiro tinha com o carnaval do ano seguinte era justamente o LP, que era lançado às vésperas do dia 25 de dezembro. Através do encarte da bolacha, é que conhecíamos o samba das escolas e nos era revelado qual o enredo que Mangueira, Portela, Salgueiro, Beija Flor, entre outras, iriam apresentar no mês de fevereiro ou comecinho de março. Também era nesse momento que sabíamos se os puxadores ainda eram os mesmos do ano anterior ou se algum novato estava pintando no pedaço. Em meados dos anos 1990, o LP com sambas enredo é extinto e é substituído pelo CD (1997). O disco dos sambas enredo é lançado mais cedo e passa a ser comercializado bem antes, praticamente um mês antes do Natal. Dois, três anos depois, surge a internet e, na esteira da nova mídia, os sites especializados em carnaval. Passamos a acompanhar online, passo a passo, instantaneamente, em tempo real, toda a movimentação do carnaval: sabemos o antes, o bem antes, o durante, o depois e o bem depois. 

E o acompanhamento vai se aperfeiçoando. A internet nos possibilita monitorar a escolha do tema enredo, a divulgação da sinopse, e a ordem dos desfiles do próximo carnaval. O requinte se reforça com as disputas de sambas enredo. Não apenas acompanhamos, como baixamos, em mp3, os sambas que concorrem para estarem na Marquês da Sapucaí ou Estrada Intendente Magalhães. E agora, chegamos ao requinte de termos acesso às gravações originais e definitivas dos sambas que estarão no CD oficial quase um mês antes do lançamento do CD (mídia que muitos julgam superada e fadada ao desaparecimento). Sim, amigos. Graças aos sites e fóruns especializados, em pouco tempo já temos em nossos computadores pessoais – devido aos downloads piratas – dos sambas poucos dias depois dos mesmos serem gravados, mixados e masterizados. É a tecnologia a serviço do carnaval. 

O folião quer consumir tudo o que diz respeito à grande festa e, de preferência, o quanto antes. Sim, atualmente, os sambas já estão nos nossos computadores no final do mês de outubro/início de novembro. É a era do download. Mas cá para nós: que saudade que eu tenho daquela expectativa de ter que escutar os vinis durante a ceia de Natal acompanhado pela família!

* O título desta coluna foi inspirado no do livro de André Midani, o megaexecutivo do mercado fonográfico brasileiros nas décadas de 1960, 1970 e 1980, e que, literalmente, trabalhou com “Deus e o mundo”. De Chico Buarque a Raul Seixas, de Elis Regina a Jorge Ben Jor, dos Mutantes ao Kid Abelha, tudo passou pelo crivo por este gerente de gravadoras como a Odeon, Philips e Warner.

Rixxa Jr.

rixxajr@yahoo.com.br