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Olhar Externo

23 de fevereiro de 2012, nº 7, ano II

SEM RAZÃO

Eu tentei. Juro que tentei. Foram horas em frente ao computador elaborando um texto conciso, com palavras dosadas para a maior parte do público a fim de que entendessem os meandros positivos e negativos do desfile de uma escola de samba em especial na segunda-feira de carnaval. Mas não dá. Então, quem fala a vocês através desse espaço é sim, um MANGUEIRENSE.

Não, não é erro, nem menos soberba. É excesso de orgulho. O termo “mangueirenses” em  caixa alta no parágrafo de cima é ínfimo perto do tamanho da alma dos mangueirenses nessa terça-feira de carnaval (dia em que estou escrevendo, possivelmente não será o dia da matéria).  É impossível conter tamanha emoção.

Não (de novo), não adianta quaisquer pessoas que existam na face da terra dizer dos erros da Mangueira. Todos eles são implodidos pelo que move um sambista. Paixão. Estação Primeira foi a paixão no estado mais fascinante que pode existir. Muitos estranharam, mas é normal. Fazia tempos que a paixão não habitava o concretume da Sapucaí. Na minha memória, mais de uma década. E quem poderia duvidar que a Mangueira poderia vir como veio não sabe o que é carnaval, nem do que se tratava seu enredo e mais. Não entende nada de magia, nem de loucura.

Não, eu não estou falando besteira e nem digo que a verde-e-rosa foi perfeita no regulamento. Mas quem está falando em regulamento? Incisos, parágrafos, artigos, são mínimos perto de uma catarse. Implodem, evaporam-se, esmigalham-se perto da real significação de uma escola de samba. Esse ano se você queria ver uma Mangueira bem-acabada e coerente no seu visual, até encontrou, mas, para delírio dos sambistas de fato e de direito, este foi engolido sumariamente pelo conceito de escola, aquela que ensina. E ensina o que é o samba. União, comunhão, fundamento, emoção. Todos os ingredientes milimetricamente misturados em um delicioso tempero verde e rosa, com pitadas do preto, vermelho e branco de outra paixão carioca: O Cacique de Ramos. E quando duas paixões tão arrebatadoras se unem em um só coração (como o meu) os sentidos não são mais confiáveis. É melhor acreditar na alma. E essa não poderia estar em um local tão aconchegante que não a Sapucaí.

Não, inovar num desfiles de escola de samba, definitivamente não é descaracterizá-lo. Muito pelo contrário. Foi usando o que há de mais tradicional que existe no mundo do samba que a Mangueira inovou, com a propriedade de quem, se não fundou, tornou o ritmo uma referência nacional e ofereceu à musica popular brasileira suas melhores estrelas de sua vistosa constelação. Algumas delas também cintilam no Cacique, o que torna a união mais umbilical ainda.

Não, o desfile não é estático e nem um espetáculo pra se ver apenas. É pra se sentir. Dado o período em que nos acostumamos a tão somente vislumbrarmos as escolas passando pela avenida, com sentimentos contidos nos fez perder a referência de como sentir uma passagem de uma agremiação. Mangueira nos fez relembrar essa sensação. 72 mil pessoas sentiram. Quem viu, mesmo de longe, com certeza sentiu que algo diferente estava pairando no ar.

É a vez do sim. Vi a Mangueira passando, e o povo a cantar. O nó na garganta que o samba decantou foi sentido a cada segundo da passagem da escola de samba da tradição, que faz samba cantando o samba. Que não nega a raça, não nega a raiz, não nega a essência.

Chorei, e não vou ligar pra qualquer comentário daqueles que não conseguem enxergar quando alguém faz história diante dos seus olhos. Quando voltamos a ver o que realmente interessa a uma escola voltar a ser protagonista de um cortejo. O ritmo que nasceu em fundo de quintal reverenciado por uma passarela inteira. A imortalidade que inundou nossos corações e se agigantou a ponto de ultrapassar o limite da pista e invadir frisas, cadeiras, camarotes e arquibancadas. Obrigado Mangueira, você mais uma vez fez meu sonho acontecer. Seu povo não perder e nunca perderá o prazer de cantar. É certeza que se há vida além dessa nave azul a voz verde-rosa ecoou. E não há duvidas de que o mundo lhe respeita por onde você chegou e está. Mangueira se pôs acima do bem e do mal. Acima da racionalidade. Mangueira deixa de ser nome, vira verbo. Adjetivo. O subjetivo mais objetivo que se pode ter noticia. É a apoteose em sua plenitude.

E pra finalizar: Se quer inaugurar uma passarela em grande estilo... convide a Estação Primeira. A Velha Manga tem 100% de aproveitamento no quesito emoção.

Robotizar o Carnaval: até quando?
por Jorge Natan


O Carnaval passa, chega a quarta-feira de Cinzas e, se sua escola não foi campeã, imediatamente você começa a pensar o que precisa mudar para o próximo ano. Há alguns anos em que pensamos até a Páscoa e nada vem à nossa cabeça. Mas tem vezes, também, em que os desfiles se encerram e as reflexões já se iniciam.

A festa desse ano, nesse sentido, foi uma grande exceção. As apresentações na Sapucaí ainda nem tinham acabado, a campeã ainda não havia passado e todos já falavam em revolução. Quando esse tipo de discussão surge, assim, espontâneamente no clímax da folia, é evidente que algo precisa mudar.

E, desta vez, foi a tradicionalíssima Mangueira quem fez as cabeças dos sambistas darem um grande nó em 2012. Depois da paradona da bateria, que contou com roda de pagode e casal de mestre-sala e porta-bandeira passando no meio dos ritmistas, o clima era de catarse coletiva. Ouvir uma escola cantar por mais de dois minutos em várias oportunidades no desfile, sem acompanhamento e só "no gogó" foi impactante.

Ao final do desfile, os comentaristas já diziam que tudo foi muito confuso, que a escola seria punida e, apesar de tudo isso, havia feito algo inédito e arrebatador. Foi aí que despertou em mim a tal reflexão do primeiro parágrafo. Como a única coisa arrebatadora dos dois dias de desfile era tida como algo a se punir?

Então, logo busquei a resposta. Todos nós do mundo do samba que pedimos mais alegria e espontaneidade, também exigimos mais profissionalismo dos jurados. Profissionalismo para quem exerce tal função no Carnaval deve ser entendido como: absorver as indicações de como se julgar, dadas pela Liga, ater-se a seu quesito e dar nota compatível, sem contaminar-se com qualquer reação externa. Ou até mesmo interna, de sua emoção.

Veio a apuração e trouxe a notícia que a maioria não-leiga do Carnaval já esperava: Mangueira bem longe do título. Todos nós que queríamos um julgamento sério não poderíamos reclamar de tal avaliação, utilizando a razão para pensar no resultado. Os jurados foram extremamente profissionais. 

O resultado em sua maioria justo (para não entrar em outras polêmicas, senão a desse texto) é louvável. Os jurados fizeram seu trabalho com a precisão que se pedia. Mais que isso: se exigia. E todos seguiram insatisfeitos! O desfile mais marcante de 2012 foi considerado abaixo do mediando no resultado oficial. O coração falava mais alto e perguntava-se porque o desfile histórico nem voltaria nas campeãs.

É essa a reflexão que fica dos primeiros desfiles do novo Sambódromo. A imagem que ficou na cabeça quando todos fomos dormir na manhã de terça-feira simplesmente foi descartada por um jurado-robô, cuja missão é canetar os erros que aparecem à sua frente. A mudança que o Carnaval precisa passar tem que vir de dentro da Liga, das escolas ou de dentro de nós mesmos?

Quando exigimos uma nota totalmente isenta de emoções estamos matando o samba, origem de tudo? Quando pedimos um resultado justo em termos de técnica, estamos descartando os grandes desfiles de pé no chão? É melhor ter uma Tijuca campeã com merecimento técnico ou consagrar uma Mangueira pobre, mas infinitamente mais emocionante e alegre que qualquer outra agremiação?

A festa mais democrática de todas, perdeu sua democracia. A gigante Estação Primeira tentou jogar com as armas que tinha. Arriscou ser muito punida no julgamento oficial para brilhar. Brilhou, roubou a cena e acabou relegada ao meio da classificação. Puniu-se a ousadia e a emoção. É isso que queremos?

É preciso que as escolas possam jogar com poucas armas não só para ganhar o público, mas também para ganhar a boa vontade das canetas dos jurados. É preciso revolucionar. Essa é enorme a lição que a Verde e Rosa deixa. É preciso juntar coração do povo à cabeça de jurado. É preciso acabar com o robô que mora em cada um que avalia o Carnaval e voltar a consagrar o samba em sua essência. Ou então vai nos restar esperar o dia em que os robôs terão mais samba no pé do que os mestres-salas.