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Jorge Renato Ramos

 . 1ª Coluna: Memórias de 1987 - Salgueiro e Mocidade
 . 2ª Coluna: Me Ajudem a Tirar a Escola do Buraco

16 de julho de 2016, nº 3, ano I

QUEM ESTAVA NA QUADRA TEVE QUE CORTAR O CABELO


Mocidade 1976, "Mãe Menininha do Gantois", de autoria de Arlindo Rodrigues - Para o carnaval de 1976, a Mocidade Independente de Padre Miguel, mais uma vez sob as orientação de Arlindo Rodrigues, resolveu render uma homenagem à Mãe Menininha do Gantois, Maria Escolástica da Conceição Nazaré, famosa ialorixá baiana, diretora do Gantois e da Sociedade São Jorge Ebe Oxóssi do Gantois, fundada em 1894. Ela aparece na imagem acima, durante o desfile da verde-e-branco da Vila Vintém.

A escola acabou tendo alguns contratempos, antes e durante o desfile e alguns certamente não sabem o porquê, outros preferem apelar para o lado místico para justificar suas suposições. Chiquinho Pastel, diretor de carnaval da escola na época, hoje Chiquinho do Babado, contou, em entrevista à jornalista Bárbara Pereira, em seu livro “Estrela que me faz sonhar, Mocidade”, o que se passou naquele tempo. Definido o enredo, uma equipe da Mocidade foi até à Bahia para pedir autorização à famosa mãe de santo para que sua vida fosse contada na avenida. Chiquinho conta que ela falou: “Olha, eu não quero misturar porque o candomblé é uma coisa séria. Carnaval é outra história, mas o pedido é grande e vou atender, mas tem algumas coisas que eu gostaria que vocês cumprissem e quero alertar que, se não cumprir, pode dar sérios problemas”.

Eis os pedidos: os integrantes da bateria deveriam estar vestidos como ogans dos terreiros. Suas cabeças deveriam ser raspadas e os cabelos entregues à própria Mãe Menininha. Fora isso, um pó, oferecido por ela, deveria ser colocado dentro de um arco, que deveria passar pela avenida antes do desfile. Por fim, deveriam fazer um ebó, um trabalho, conforme as orientações da ialorixá. Nada, necas de pitibiriba foi cumprido. As cabeças até foram raspadas, meio contra a vontade dos ritmistas. Foi marcada uma reunião na quadra, regada à muita cerveja e churrasco. Quando os componentes da bateria foram ver, havia um monte de barbeiros na quadra, para raspar as suas cabeças. Houve uma certa resistência, até porque não era moda, naquele tempo, homem andar careca se careca não fosse. “Quem estava na quadra, naquele dia, teve que cortar o cabelo”, lembra um ritmista. “Ele ficou horrível!”, gargalha a sua esposa ao lado. Abaixo, a bateria do Mestre André com todos os componentes de cabeças raspadas (foto de Eurico Dantas para O Globo).


O certo é que a promessa não foi cumprida. O incumbido de levar os cabelos até Salvador, Jorginho Bracinho, sofreu um acidente no caminho e o resto ficou esquecido em um canto da quadra. Conta ainda que, além desses pedidos, Mãe Menininha solicitou que criassem um cavalo como alegoria, sendo esse o único pedido realizado e bem realizado por sinal. Chiquinho conta que, de tão perfeito, parecia que estava vivo.

O samba-enredo, um dos melhores da história da escola, mais uma vez era de autoria de seu poeta maior, Toco, que teve Djalma Cril como parceiro. O Jornal do Brasil deu uma nota sobre a final de samba-enredo, ocorrida na antiga quadra da Coronel, na entrada da Vintém e de frente à estação ferroviária do bairro: “A quadra da Mocidade Independente de Padre Miguel foi pequena para conter o grande público que desejava assistir à finalíssima do concurso de samba-enredo que apontaria a música para o tema 'Mãe Menininha do Gantois', de Arlindo Rodrigues. Na noite de sábado, três mil pessoas se comprimiram, cantando e sambando, no terreiro da Rua Coronel Tamarindo, esperando o resultado do júri, que apontou o samba da dupla Toco e Cril como o escolhido para o desfile de 76. Duas torcidas participaram ativamente da defesa dos sambas concorrentes. O resultado, embora justo, não agradou torcedores, principalmente entre os que não entraram na quadra, provocando rápidos incidentes, com trocas de sopapos. Serafim Adriano, compositor derrotado, mostrava-se desolado, pois levava como certa a vitória”. Era mais um degrau que a Mocidade subia, rumo a seu primeiro campeonato, que, sob a orientação de Arlindo Rodrigues, estava cada vez mais perto.

A escola terminaria a apuração em terceiro lugar. Mãe Menininha do Gantois faleceu em 13 de agosto de 1986, aos 92 anos.


A despedida a Arlindo Rodrigues, o "Arlequim do carnaval carioca": "Arlindo Rodrigues, o “Arlequim do carnaval carioca”, como alguns de seus amigos o chamavam, faleceu no início do mês de outubro de 1987, de embolia pulmonar. Seu corpo foi velado na capela 2, do cemitério São João Batista, por onde passaram diversos amigos, ou fãs do seu trabalho, dentre artistas, sambistas e jornalistas, que ele conquistou ao longo de quase trinta anos de carnavais na avenida, que primavam pelo gosto refinado, pelo excelente acabamento das alegorias. Arlindo era considerado um dos melhores, e mais disputados cenógrafos do Brasil.

O Jornal do Brasil publicou, em sua edição de 10.10.1987, os relatos de grandes figuras que foram dar o último adeus ao carnavalesco. Um dos primeiros a chegar para se despedir do artista foi Geraldo Cavalcanti, então responsável pelo carnaval da Portela, seu amigo há mais de vinte anos: “O carnaval não perdeu só a poesia, perdeu principalmente uma pessoa bela e elegante. Ele era o 'Arlequim do carnaval'", disse o carnavalesco. Leina Krespi, atriz, amiga de Arlindo havia quinze anos, deu um belo e emocionado depoimento sobre o artista que acabara de partir: “Ele foi mestre na Terra e vai ser discípulo do Grande Mestre no céu. Com sua morte, calaram-se as mãos mais importantes deste país. Ele começou varrendo o palco do Municipal e tinha uma cultura de berço. Era uma pessoa muito vibrante, amava viver. Em tudo o que ele fez, era perfeccionista”, afirmou. Fábio Sabag, ator de várias novelas da Rede Globo, contou: “Ele não era estrela, mas sim um fino e elegante artista e uma pessoa muito gentil”. Arlindo foi responsável pela cenografia de diversos programas de sucesso da emissora carioca.

Um dos momentos de maior comoção durante a despedida ao carnavalesco ocorreu quando Joãosinho Trinta chegou à capela, tendo que ser amparado por Geraldo Cavalcanti. Bastante emocionado, chorando muito, mal conseguiu dizer umas poucas, mas sinceras e comoventes palavras: “Não perdi um amigo, pelo contrário, eu o encontrei mais, porque seu trabalho vai ser mais lembrado”. Fernando Pamplona, cuja história no carnaval carioca se confunde com a de Arlindo - começaram juntos no Salgueiro em 1960 -, também foi se despedir do amigo, assim como Haroldo Costa, Ricardo Cravo Albin, o empresário Oscar Ornstein, o ator José Augusto Branco e a jornalista Marilena Cury. Durante toda a noite, permaneceram ao lado de Arlindo Rodrigues sua irmã, Alcina, e seu sobrinho Marco Aurélio, além do patrono do Salgueiro, Miro Garcia, e a presidente da escola, Elizabeth Nunes.

Às 9h45min, o monsenhor Olívio encomendou o corpo de Arlindo, que desceu à sepultura de número 8814, do jazigo de sua família, coberto com as bandeiras da Imperatriz Leopoldinense e do Salgueiro, com um silêncio absoluto, que foi cortado apenas pelo som do surdo tocado por Mestre Louro, maestro da bateria salgueirense.

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Jorge Renato Ramos
renatojrrs@gmail.com