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Coluna do João Marcos

MANUAL DO COMPOSITOR DE SAMBA-ENREDO

30 de outubro de 2013, nº 55, ano VIII

AULA 1 - ENTÃO VOCÊ QUER SER UM COMPOSITOR DE SAMBA ENREDO

Perguntaram a um escritor qual era o conselho que ele dava para um novato. A resposta: não seja escritor.

Para o compositor de samba-enredo, dou o mesmo conselho. Ser compositor de samba-enredo é um caminho terrível e, se puder, não entre nisso. É furada.

Imagine que você queira trabalhar com refrigerantes e tem mil ideias; lembre-se que a Coca-Cola e a Pepsi já estão no mercado. Então, você tem dois caminhos - tentar ser um empregado de uma das duas ou fazer sua pequena fábrica e esperar um milagre.

O mercado já está definido. O consumidor de Coca-Cola não vai tomar o guaraná do bairro, mesmo se for mais gostoso e fizer bem pra saúde. Você vai ter de encontrar outros consumidores, o que é extremamente difícil.

O mercado é cruel e, pra entrar nele, dá trabalho. E precisa ter qualificação. Mas qualificação NÃO SIGNIFICA SABER COMPOR, lembre-se disso.

Se você tem aquela urgência de querer botar suas ideias no papel e compor um samba, tente outros caminhos, o carnaval virtual, por exemplo - você vai gastar, porém, bem menos.

Mas se você quer MESMO ser compositor de samba-enredo no carnaval real e gosta de sofrer, vai insistir na parada, não adianta. O negócio é conhecer o mercado. Então, vamos nessa.

AULA 2 - O QUE É UMA DISPUTA DE SAMBA-ENREDO

O compositor novato erra inicialmente por não saber o conceito básico de disputa de samba-enredo. Não é um concurso para saber qual é o melhor samba. Disputa de samba é concurso para a escolha do samba mais adequado para aquele que está escolhendo naquele momento.

O meu conceito de disputa elimina alguns enganos - o primeiro, de que o principal é a qualidade. Não é. Imagine, por exemplo, que você esteja organizando um festival de música, suponhamos o Rock In Rio, e tenha que escolher uma atração. De um lado, tem o Iron Maiden; do outro, a Orquestra de Lyon tocando a Missa em Si Menor, de Bach, considerada por muitos a maior composição musical da história. A equipe do Medina já fez a escolha para você.

Dentro do samba, mesmo na fase mais romântica do carnaval, algumas disputas históricas já mostrarem bem a situação. Em 75, o Império Serrano tinha "Estrela de Madureira" como um dos concorrentes. Venceu "Baleiro Bala", um samba de menor qualidade, mas que se adequava melhor ao carnaval dos anos 70. Ou seja, qualidade, por maior que seja, não define vitória.

Outro aspecto importante numa disputa é a pessoa que escolhe. Tendo em tese uma disputa justa, é a subjetividade dela que irá decidir. Ou seja, o seu samba pode ser lindo de morrer, mas se não for do estilo que o 'escolhedor' quer, ele não vai querer o seu. E uma coisa que você tem de aprender é que, em disputa de samba, mesmo as pessoas bem intencionadas, tem mau gosto. Ou então não sabem nada e seguem a opinião de uma maioria, que pode ter sido também induzida ou seduzida por cerveja. Mas isso aí é outro tópico. Ou pode ser diretor de harmonia, que só quer o samba fácil de cantar, independente do que seja.

Além disso, o brasileiro é chegado numa 'panela', ou seja, beneficiar os amigos. Se você não conhece nenhuma das pessoas que escolhe o samba, a possibilidade de vitória é ridícula. Pense bem - tem um compositor que está na escola 15 anos, se ferrando, dando cerveja pra galera, é amigo de todo mundo, já foi injustiçado algumas vezes. E tem você, principiante, que não conhece ninguém ali, que chegou na escola e já está querendo ser o compositor do samba que vai para a avenida. Fala sério - você está de sacanagem, né?

Por fim, e o mais importante - disputas de samba, em sua maioria, são injustas e os resultados mentirosos. E rola mutreta adoidado. Levando isso em consideração, entenda - o samba tem pouca relevância na disputa. O samba não vai ajudar. Se ele for muito ruim, pode atrapalhar, e isso complica um pouco (apesar de não significar que vai perder). Mas se ele não atrapalhar, já está de bom tamanho. Quanto menor a escola, mais o samba fica irrelevante. Um samba terrível num carnaval em que as outras escola também tem sambas ruins não significa nada.

Na escola pequena, o extra-samba ganha um peso dramático Vamos supor - você tem um samba maravilhoso numa disputa de escola de samba do grupo Z. Ai vem um diretor de uma escola do especial do Rio com um samba horroroso, deprimente mesmo. Ele chega para quem escolhe - conhece todo mundo - e oferece um chassi velho e umas fantasias de ala de carnavais anteriores. Quem vai ganhar o samba, você? Rs.

E aí você tem de conhecer seus adversários. Esqueça os compositores românticos - eles estão ali para perder dinheiro. O problema são os escritórios e o samba da 'comunidade'.

AULA 3 - QUAIS SÃO AS PARCERIAS CONCORRENTES?

Depois da pequena introdução sobre as disputas, é importante saber contra quem você vai disputar. Apenas para fins conceituais, dividiremos os concorrentes entre compositores românticos, parcerias 'da comunidade', e escritórios; mas as parcerias podem se enquadrar em mais de uma categoria, então fique ligado.

Compositor romântico é aquele que coloca o samba por amor ao samba, à escola ou simplesmente por querer. Todos sabem que ele não vai ganhar - não tem bom cantor, não tem boa gravação, não tem estrutura... e, geralmente, também não tem samba bom. Infelizmente, sejamos realistas, é raríssimo surgir nas disputas alguém com qualidade que não seja posteriormente "engolido pelo sistema". O bom compositor a) ou entra no escritório, ou b) desiste, ou c) monta um escritório pequeno. O resto, vai disputando quinze, vinte anos, sempre sendo cortado na primeira semana. São os "bois de corte".

Os escritórios, por sua vez, são formados por alguns compositores que venceram seus primeiros sambas no Rio nos anos 90 ou início dos anos 2000 (dentre os principais donos de escritório, que eu me recorde, o que venceu samba primeiro foi em 1989). Depois do sucesso inicial, montaram uma estrutura que permite que entrem em diversas disputas, usando os chamados 'pombos' (outras pessoas para assinar o samba), dando suporte para que estes possam disputar para ganhar.

São chamados assim porque o principal dono de escritório fazia samba no escritório de sua casa. Posteriormente, 'escritório' acabou se tornando sinônimo de empresa, o que demonstra mais ou menos como funciona a coisa.

Os donos dos escritórios são compositores inegavelmente talentosos. O grande problema é que dificilmente você consegue manter o nível produzindo em série - cada escritório do Rio disputa em praticamente todas as escolas do especial e do acesso, algumas indo para o especial de São Paulo e outras cidades. Não há inspiração que faça o sujeito compor 80 sambas em dois meses, cada um com qualidade e sentimentos próprios.

Além disso, tendo em vista serem pessoas pragmáticas, 'homens de negócio', montaram um jeito de compor que transformou o samba nos anos 90 em algo mais hermético, mais rígido. Este estilo, onde o enredo fica mais explicitado e a melodia tem caminhos mais previsíveis, tornou-se o paradigma a partir de então, derrubando praticamente todos os compositores do passado, que não conseguiram se adequar à nova onda.

E aí vem o grande efeito colateral do esquema - os sambas se tornaram iguais, padronizados. E perderam relevância. Nos últimos anos, alguns escritórios tem caprichado mais em 'suas casas' - faz o samba padrão pras outras e, na 'escola-mãe', ousa, tenta algo diferente, até porque o grande escritório sempre tem dominação em suas escolas de origem. Mas é comum, no mesmo ano, o compositor elogiado, que o pessoal aponta como o autor do samba do ano, também fazer o samba da escola do mesmo grupo que é mais criticado e receberá as piores notas.

Pela grande experiência em ganhar sambas, eles sabem o que é necessário para uma disputa. Falaremos da formação das parcerias em outra aula. Eles sabem usar o estrategismo - p.ex, se surge uma parceria com samba bom, que chega, digamos, numa quarta de final de disputa e gera burburinhos na escola, algum escritório tentará unir forças para o ano seguinte, diminuindo a concorrência.

Os novos compositores de qualidade (digo "compositores" de forma geral, não apenas aqueles que fazem samba) são convidados por estes escritórios. Só que o escritório aplica suas regras nestes compositores, fazendo com que, mesmo que eles se metam a fazer algo no samba, a obra tenha a cara de samba de escritório.

Existem escritórios de diversos tipos e tamanhos, mas os que dominam as principais escolas do Rio têm as características apontadas acima. E são responsáveis por 90 a 95% dos sambas do especial e do acesso.

Já os sambas 'da comunidade' reúnem as parcerias com apelo por se tratarem de compositores que conseguem mobilizar as pessoas do local da escola. Muitas vezes - nem sempre frise-se -, recebem ajuda do poder paralelo: sabe aquele samba fraquinho, sem graça, de escola de favela com problemas com o tráfico, que o pessoal da internet não entende pq ganhou? É mais ou menos isso. Outras vezes, são pessoas da escola, ex-diretores, pessoal da bateria, etc - neste caso, é muito comum eles serem procurados pelos escritórios. O samba do escritório se torna o samba da comunidade, numa combinação explosiva em qualquer disputa.

Então, o jovem compositor terá de escolher o seu papel. Provavelmente, se for esperto, começará como compositor romântico e mapeará como funciona a dinâmica da disputa na escola. Com o tempo, vão se abrir novas possibilidades. É importante saber quais os papeis dos compositores numa parceria realmente profissional para decidir o que irá fazer. Este será o tema da próxima aula.