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Coluna do João Marcos

NÃO ME AMOFINE, POR FAVOR

22 de março de 2010, nº 38, ano V

Amofinar significa aborrecer, apoquentar, irritar. No Pará, lá pelos idos de 1930, o Sr. Raimundo Manito resolveu criar uma espécie de bloco carnavalesco e, para batizá-lo, o chamou de Rancho Não Posso Me Amofiná. Na verdade, nunca foi um rancho carnavalesco – seu fundador, que morou no Rio, organizou o desfile como uma escola de samba, com direito a pede passagem e tudo. A bateria, apesar da influência do boi bumbá, trazia um instrumento diferente – um tamborim, confeccionado pelo próprio Manito. Ele, aliás, compôs, também, o primeiro samba, “Eu sou Direitinho”, que dizia: Eu sou Direitinho / Direitinho eu sou / Sei me dar valor /Tu fostes ingrata mulher / Meu coração não te quer / Eu sou, eu sou ... Os primeiros sambas da escola tinham essa marca – a de mostrar que os sambistas eram pessoas corretas – a imagem do sambista era ligada a dos “malandros” que exploravam a mulherada e praticavam golpes. E foi deste começo meio ingênuo que nasceu umas das escolas de samba mais vitoriosas do Brasil – são 27 campeonatos no total, sendo o último em 2008.

Recebi alguns sambas do Rancho Não Posso Me Amofiná e resolvi dividir com os amigos do SAMBARIO, não deixando, evidentemente, de fazer alguns comentários. Não posso precisar de quais anos são os sambas, mas pelo estilo de produção, creio serem do início dos anos 80, quando a escola teve uma grande seqüência de vitórias no carnaval de Belém. Detalhe: a maior parte dos sambas é cantada por Dominguinhos.

Sugiro baixar os sambas aqui e escutá-los antes de continuar a ler a coluna: 

Link: http://www.4shared.com/file/245763953/473e5d4d/rancho.html 

Vamos lá: 

. Canto do Jubileu: Este é o que eu posso chutar com maior precisão – como trata do Jubileu de Ouro da escola, deve ser de 1984. Como não poderia ser, o enredo é o próprio Rancho. Em 2009, a escola também contou sua história e é interessante comparar as duas letras e ver como, até em Belém, modificou-se a forma de se fazer samba-enredo – enquanto a letra de 2009 cita inúmeros enredos, inclusive o “Tuyá”, que será comentado mais abaixo, mostrando o estilo mais detalhista e descritivo dos sambas atuais, a letra de Canto do Jubileu é mais simples, direta. Começa com um refrão bem simples e fácil de cantar: “Quem é do Rancho, tem amor não se amorfina / Já dizia vovó desde os temos de menina”. Depois deixa bem claro a mensagem principal do enredo, que a escola é do bairro de Jurunas, que vai cantar o Jubileu de Ouro. Emenda com um refrão em homenagem ao fundador Manito. Enumerar os enredos? Nada – um “viajo na história dos enredos” já resolve a situação. E depois, o samba vira um belo exaltação à importância da escola e ao amor de seu componente. Simples, singelo e bonito. O tom menor é levado graciosamente por Dominguinhos, com variações melódicas bonitas, como em “O tempo passa”. 

. Dança das Folhas: um samba curto, que tem na força da melodia contagiante e na letra simples a sua marca. O samba em homenagem à Belém, a cidade das mangueiras – cujas folhas dançam pelos ares, dando vida ao enredo – traz de tudo, desde a castanha do Pará e as comidas típicas até o Círio de Nazaré. O grande barato são os dois refrões curtos: “Morena bela, oh, morena vou te amar / Como se gosta da castanha-do-pará” e, o mais bonito, “Vento bateu e a Mangueira balançou / De folhas secas a avenida enfeitou”. O final, um bis com o verso “Te perfumando com o cheiro do Pará” resume o samba e sua beleza. 

. Amanheceu: um samba com uma levada mais lírico, diferente do anterior. O enredo, sobre o amanhecer, é contado na letra de forma simples, sem forçação de barra e de forma poética: “Em cores, as flores se abrindo / O sol vem surgindo / Oh, que beleza”. A “saideira” na mesa do bar e o jornal chegando com as notícias estão presentes, assim como o carnaval ao amanhecer. Destaque para o gostoso refrão “Meu dengo me faz cafuné / Amanheceu, até amanhã se Deus quiser” . 

. Tuyá: O único dos quatro sambas que não é cantado por Dominguinhos. É baseado numa lenda indígena, que é descrita com muita categoria na letra: “O menino sonhou / Com a volta do velho guerreiro / Do coração da natureza / Bradando assim / Hoje é meu último dia / Você vai viver por mim”, que emenda no belo refrão: “Pegue a minha cinza e espalhe pelo ar / Para que o sol e a lua voltem a brilhar”. A partir daí, a reação da natureza é mostrada com forte beleza poética. O samba tem melodia classuda e se dá ao direito de ter um “lá lá laia... ôôô”, que hoje em dia seria massacrado pela crítica. Infelizmente, esta é a época em que os grandes escritórios impõem suas fórmulas de como fazer samba e definem o que deve ser evitado. Os ôôôs são vistos como falta de criatividade e não como um recurso como outro qualquer, que pode ajudar a enriquecer um samba. Duvido é escritório fazer um samba bonito como este, um samba que poderia estar num LP de qualquer cantor da MPB. Como o enredo foi citado na letra do samba dos 75 anos da escola, de 2009, “Tuyá” deve ter embalado um desfile campeão em Belém.   

Abaixo, vídeo do desfile de 2010, vice-campeão do ano: 

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Giro das campeãs: 
Rio de Janeiro: Unidos da Tijuca
Rio de Janeiro Acesso: São Clemente
Niterói: Mocidade Independente de Icaraí
Cabo Frio (RJ): Flor da Passagem
São Paulo: Rosas de Ouro
São Paulo Acesso: Nenê de Vila Matilde
Santos (SP): Padre Paulo
Guaratinguetá (SP): Não teve desfile este ano
Porto Alegre: Imperatriz Dona Leopoldina
Uruguaiana: Cova da Onça
Florianópolis: Embaixada Copa Lord
Joaçaba e Herval D'Oeste: Aliança
Vitória: Boa Vista
Manaus: Vitória Régia
Minas Gerais: Chame-Chame
Brasília: ARUC
Belém: Bole-Bole 

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Mudando o assunto para futebol, quando a gente menos esperava... 

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Agradecimentos ao amigo Ailson Picanço pelos áudios dos sambas.

As informações sobre o Rancho foram pesquisadas no site Portal Cultura. A história do Rancho Não Posso me Amofiná ganha exposição no site da escola (http://www.rancho.org.br) e no Wikipedia.

A foto do Obina foi retirada do site creditado na imagem, que tem uma campanha muito justa – se Julio Baptista e Felipe Mello estão na seleção, por que Obina não? 

Abraços a todos!