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Coluna do João Marcos

MARTINHO E A ARMADILHA

20 de maio de 2009, nº 29, ano IV

A notícia da hora é a suposta encomenda que a Unidos de Vila Isabel fez a Martinho da Vila. Insatisfeita com as notas de samba-enredo, a direção da escola teria resolvido que a única forma de conseguir notas 10 é recorrendo ao compositor.

Vejam bem: a escola não estaria pretendendo ter um samba de Martinho por ser Martinho um dos maiores compositores de todos os tempos, um revolucionário, autor de uma dezena de sambas antológicos e influência marcante em praticamente todos os compositores dos anos 70, 80 e 90, não só um gênio do gênero, mas um gigante da MPB. À Vila, só interessaria a nota 10.

A questão já tinha sido levantada pelo intérprete da escola, Tinga, logo após a apuração: "Ano que vem a Vila terá de ter um samba do Martinho para ganhar tudo nota 10. Não basta o André Diniz fazer o samba". Como se o nome do compositor fosse a razão das notas ruins, como se André Diniz não tivesse feito grandes sambas e sambas notas 10 no passado, como se alguns dos sambas nota 10 do carnaval não tivessem sido feitos por compositores desconhecidos dos jurados (será que alguém acredita que Tom Tom, Vicente Mattos ou Moisés Santiago sejam nomes que assustem o júri?).

O problema pode ser, no entanto, maior do que parece. Pode ser uma tática - afinal de contas, a Viradouro já fez algo semelhante quando a bateria começou a perder pontos, dizendo que havia perseguição do júri. Conseguiu defenestrar o jurado indesejável e alcançar os quarenta pontos.

Pensem: se houvesse a encomenda, valeria a pena para Martinho? Se o samba for encomendado, a culpa não é da presidência da Vila - é do Martinho, que rasgou sua história de defensor da liberdade. Se tirar nota 10, não é por ter feito uma grande obra, mas por causa de seu nome. Se não tirar, Martinho é ultrapassado e não faz nada que preste desde "Gbala". Se tiver disputa, Martinho talvez ganhe e vão falar que é cartas marcadas.

O cenário criado pela Vila é altamente desfavorável a Martinho, principalmente diante do que vem saindo na imprensa carnavalesca - artigos defendendo que seja feita a disputa, falando em desrespeito à ala de compositores da Vila, como se Martinho tivesse exigido ou, ao menos, concordado com a encomenda. Artigos desafiando o compositor, como em um deles, publicado na Galeria do Samba - "Entre na disputa, faça o melhor samba (...) Ganhe (...)". A própria Vila comprometeu o nome de Martinho perante os jurados - imagine a cabeça de um deles após ler na imprensa afirmações de dirigentes da escola dizendo que só ganhariam nota 10 com um samba do Martinho por causa do peso do nome do compositor... você acha que o cara não vai querer demonstrar a sua "imparcialidade", canetando a composição?

E no final de tudo, se o samba for genial e/ou tirar só nota 10, ainda poderá ser plantado o boato de que Martinho apenas estaria assinando um samba de outra pessoa. Lembrando uma declaração do André Diniz ano passado: "Almocei com o Martinho e falei que tinha umas ideias de samba-enredo, coisas diferentes e não poderia fazer sozinho, pois iriam descer a lenha só com a minha assinatura. Ele falou que é muito legal, disse que eu tomaria muita bordoada sozinho e que se ele entrasse na parceria falariam que é sensacional."

Martinho está diante de uma armadilha, onde sairá perdendo de qualquer maneira.

E o resultado da tática? O meu palpite é que a Vila virá com mais um samba do Diniz. E vai receber apenas notas 10.

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Uma das sugestões de André Diniz, segundo uma entrevista feita pelo site SRZD-Carnavalesco, foi que a Vila utilizasse um samba concorrente de Martinho e Luiz Carlos da Vila, composto para o enredo "Noel Rosa e os Poetas da Vila nas Batalhas do Boulevard", apresentado pela escola em 1982.

O samba apareceu num LP de 1984, chamado "Para Esfriar a Cabeça", de Luiz Carlos da Vila, recebendo o título de "Vila Isabel Anos 30" e é um dueto entre os dois compositores. Resolvi disponibilizá-lo para que os nossos leitores possam conhecer o a obra que poderá embalar a escola em 2010:

http://www.4shared.com/file/106406430/329067bc/06_vila_isabel_anos_30.html

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Aliás, esse negócio de samba-enredo e nota de jurado é uma coisa bem interessante.

Recebi alguns e-mail de leitores durante os últimos meses. Motivo: as minhas avaliações no último artigo não coincidiram com as notas oficiais. Um, de Florianópolis, de um sujeito que se intitulou Gringo Starr, trazia a seguinte mensagem: "Sr. João Marcos, respeitosamente lhe comunico que o sr. errou feio de novo... principalmente com a caçula das Escolas...", referindo-se às duas notas dez do samba da União da Ilha da Magia, a quem dei uma avaliação bem negativa.

As minhas notas foram reproduzidas nos dois principais blogs de carnaval do sul do país, o Samblog, de Porto Alegre, e o Tamborim, de Florianópolis. Geraram discussão e polêmicas. No Tamborim, a postagem chegou a ter mais de cem comentários, mesmo com a moderação impedindo a publicação de xingamentos e ofensas (que não devem ter sido poucos). No Samblog, os comentários ficaram na casa dos quarenta, a maioria criticando a nota dada ao samba da Bambas da Orgia. No Orkut, diversas comunidades relacionadas aos carnavais de São Paulo repercutiram as avaliações.

Agora, vem a hora da forra: Sr. João Marcos, você errou. Eu errei? Eu não fiz previsão de notas, eu não sou Mãe Dinah, não sou vidente. Quando eu dei uma nota, eu fiz a minha avaliação, uma avaliação artística, que não leva em consideração se o samba é funcional, se vai tirar nota 10. Apenas avalio se é bom ou não.

Se o jurado deu dez para samba ruim, que se lamente. Aliás, lamente-se muito.  Infelizmente, os jurados, mesmo os do carnaval do Rio, são mal preparados. Pior ainda: em alguns carnavais pelo Brasil, o júri é compostos de pessoas ligadas ao carnaval do Rio - diretores de harmonia de escolas do acesso, compositores de segunda linha, jornalistas obscuros. Muitos deles, impregnados com a mesma ideologia que está matando o samba-enredo atual.

O meu objetivo, aqui no SAMBARIO, não é analisar o carnaval nos padrões atuais. Eu quero saber se o samba é bom MESMO. Um samba bom MESMO pode ajudar uma escola nas notas. Agora, um samba ruim pode não atrapalhar, principalmente com o critério dos jurados de não dar nota baixa em samba fraco.

Aliás, querer analisar critério de jurado é algo complicado. Como escrevi em artigo após a apuração do ano passado, sinto que jurado de samba dá nota para conjunto, não para samba. Um desfile ruim faz com que um samba bom seja mal julgado. A Viradouro, p.ex., provavelmente perdeu ponto em samba por causa do enredo que, por mais bem escrito e desenvolvido que tenha sido, soou artificial e forçado demais para os jurados e ofuscou a boa qualidade musical da obra. O samba, em si, passou muito bem.

E aí, os critérios ficam confusos. Recebi e-mail comentando a nota baixa do samba da Vila Isabel, considerado na minha avaliação o pior samba do ano no Especial do Rio. Dentro do contexto de notas, a avaliação foi injusta. Pegaram o samba da Vila para Cristo. Vejam bem: eu, jurado, daria nota mais baixa ainda. Mas se o samba do Salgueiro e da Beija-Flor são nota 40, o da Vila Isabel não deveria ter sido 39,7. É questão de coerência.

Da mesma forma que eu não acertei quando detonei o samba da Vila Isabel, eu não errei quando um samba ruim tirou nota dez. A questão não é essa. Os julgamentos oficiais do quesito samba-enredo não são parâmetro para nada e, para ser sincero, eu acho que as notas são o motivo para tantos sambas ruins na avenida, para esta padronização ridícula, chata, para as letras sem sentido que só afastam o público das escolas de samba. Neste panorama, se o meu julgamento refletisse a opinião dos jurados, aí sim é que eu estaria preocupado. 

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O resultado do carnaval precisa ser lido e interpretado para fazer algum sentido. Peguem o caso da Nenê da Vila Matilde, p.ex. A escola não foi rebaixada pelo samba do Cláudio Russo e cia. Na verdade, o samba, cuja escolha foi tão criticada por mim, só tirou nota dez e passou maravilhosamente na avenida. Só que a sua escolha mostrou como a escola estava se desintegrando, como não havia mais o espírito Nenê. A escolha de um samba "importado" é a prova de que a Nenê não queria ser a Nenê. Nada é mais triste do que isso. E aí, eu faço a pergunta: será que o Russo estava lá na quadra, preocupado, rezando, clamando, sofrendo na pele toda a tristeza da Nenê? Será que ele sentiu aquilo que o componente, que cresceu na quadra, que aprendeu tudo de samba na escola, que, na necessidade, pega uma lixa e vai polir uma alegoria, sente quando vê sua escola do coração cair?

O leitor Gingo Starr, que mandou o e-mail lá em cima, sobre a União da Ilha da Magia, escola de Florianópolis que teve samba "importado" do Fernando de Lima, deve fazer a mesma leitura. O samba só tirou nota dez, mas a escola, com diretor de carnaval do Rio, mestre-sala e porta bandeira do Rio, samba do Rio, e etc, ficou em último lugar no carnaval de lá. Se faz tanta questão assim, parabéns, Gringo, você estava certo.

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No Rio, o Salgueiro foi campeão. Justo? Sim, claro. Agora, uma coisa tem de ser colocada: a escola tirou 40 pontos em samba - a presidente estava certa na escolha?

Vejam bem, o Salgueiro tinha uns seis sambas em sua eliminatórias melhores do que aquele que foi para a avenida. No estilo "para cima", tinha os de Dudu e do Aranha, p.ex. Poderia ter optado por ser "diferente", seu lema, com o samba do Mussa, o famoso "samba 6", que talvez seja o samba concorrente mais conhecido do milênio. Mas escolheu um samba que... funcionou.

A escolha do samba poderia ter feito a diferença, sim. Poderia ter feito o Salgueiro perder o título? Não creio. Acredito mais que a diferença, principalmente se a escolha fosse o samba de Alberto Mussa, teria sido um desfile que poderia ser uma verdadeira revolução, uma mudança de parâmetros. O Salgueiro poderia ter feito um desfile antológico, como tantas vezes fez, como fez com Chica da Silva, com Bahia de Todos os Sambas, como Peguei um Ita no Norte...

Mas resolveu apenas fazer um desfile campeão. Como era apenas este o objetivo, mais um parabéns.

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E o que o desfile do Salgueiro irá deixar para os próximos carnavais? Bom, a primeira mudança é no título dos enredos. Depois de "Tambor", vem aí... "Vela", enredo da Flor da Mina do Andaraí. Outros títulos formados de apenas uma palavra devem aparecer por aí, num fenômeno parecido como o do ano passado, quando inúmeras escolas fizeram enredo sobre o Rio de Janeiro após o desfile de 2008 do Salgueiro. E aí se vê a diferença de quem faz e de quem copia - quem repete a fórmula dos outros está sempre um passo atrás. Em tudo.

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Giro das campeãs:

Rio de Janeiro: Acadêmicos do Salgueiro
Rio de Janeiro Acesso : União da Ilha do Governador
Cabo Frio (RJ): Império de Cabo Frio
São Paulo: Mocidade Alegre
São Paulo Acesso: Águia de Ouro
Santos (SP): Mocidade Amazonense
Guaratinguetá (SP): Embaixada do Morro
Porto Alegre: Imperadores do Samba
Uruguaiana: Ilha do Marduque
Florianópolis: Consulado do Samba
Joaçaba e Herval D'Oeste: Aliança
Vitória: Unidos de Jucutuquara
Manaus: A Grande Família
Minas Gerais: Acadêmicos de Venda Nova
Brasília: ARUC
 
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Email: Afinal de contas o samba da Unidos da Tijuca de 1958 é mesmo aquele, "Negro na Senzala" ? Por que vi em alguns lugares que seria um tal de "Patriarca da Independencia".. ai fiquei na dúvida. Grata, Isolda Élen.

O CD está errado. O samba é de 1961 e se chama "Casa Grande e Senzala".

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Sobre o samba da Vila Nova de Santos, esclarecimentos do Marcos Mendes: "Boa noite João Marcos, meu quase chará. Meu nome é Marcos Aurelio, te escrevo aqui de São Vicente, baixada santista, cidade vizinha à nossa querida SANTOS. Sou, desde que descubri um doente e navegador assíduo do site que é maravilhoso, parabéns à todos. Porém te envio este e-mail pois lendo seue comentários eis que vejo os nomes VILA NOVA, E SANTOS. O samba foi composto por CESAR RODRIGUES( do grupo Tempero aqui de Santos) e Ernesto Abelha. O título do enredo: Odé Ikutiê a Vila com Saudades Hoje é Você, e o tema do enredo é Pai Vivaldo."

Recebi, também, um e-mail do César Rodrigues, compositor do samba, agradecendo os comentários. E nós, do SAMBARIO, agradecemos a bela obra.

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Outros emails:

O Maycon Luiz da Silva e o Rixxa Jr. pediram o CD de sambas históricos de Florianópolis. Em breve, repostarei.

O José Carlos pediu informações sobre Toca-Discos, tendo em vista o meu artigo "Descartando o Samba", quando falei sobre um da marca Stanton. Espero que tenha feito boas compras.

Os compositores Juninho (Coloninha) e Flávio Segal (Acadêmicos da Rocinha), pediram maiores explicações sobre as críticas aos sambas. Espero que tenham entendido o sentido das colocações.

O Felipe Eduardo da Costa mandou a seguinte mensagem: "Deve ser dificil perde 4 finais na Sao Clemente pro autor do samba da Uniao da Ilha da Magia, nao??" Amigo, não sou o Eugênio Leal.

O Thiago Borges pediu comentários sobre os sambas de Joaçaba. Fica para 2010.

Um alô especial para Dânae Mazzini, repórter da "Samba em Revista", publicação do Centro Cultural Cartola; para o amigo e excelente intérprete Evandro Malandro, melhor intérprete do carnaval de Nova Friburgo; para o amigo e jurado Marcelo Sampaio, um dos poucos lúcidos que analisam as nossas escolas, e que colocou de volta no ar o site do Carnaval de Campos (www.carnavaldecampos.com.br); ao compositor Thiago Lencina, da Império da Zona Norte; ao Wagner Segura, violonista da Copa Lord e um dos que mais combatem a invasão dos escritórios do Rio no samba de Floripa; ao compositor Marcus Oliveira Costa, da União da Ilha da Magia, que terá uma árdua batalha para mostrar o seu valor.

Abraços a todos.

João Marcos
joaomarcos876@yahoo.com.br