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Coluna do Marcelo Guireli

CARNAVAL 89 - SAMBA E TRADIÇÃO NO DESFILE DO GRUPO 2

Dia 4 de fevereiro de 1989. Sábado de carnaval e de muita chuva no Rio de Janeiro, o que prejudicou consideravelmente a armação das escolas de samba do Grupo 2, cujo desfile estava previsto para às 21h.

Mas o tempo chuvoso não foi o único problema enfrentado pelas agremiações em 89. Com o carnaval logo no início de fevereiro, a arrecadação das escolas ficou bastante prejudicada e, com a subvenção muito pequena, o desfile acabou sendo menos rico que o de anos anteriores. Isso, porém, não tirou a beleza da festa, pois a criatividade e a garra das pessoas que fazem o nosso carnaval sempre se mostraram capazes de driblar tais desafios.

O desfile começou por volta das 21h30, com a passarela praticamente vazia e com uma chuvinha que insistiu em continuar caindo até alguns momentos além da entrada da primeira escola, a Em Cima da Hora.


Passistas da Em Cima da Hora

EM CIMA DA HORA - Com aproximadamente 1800 componentes, divididos em 27 alas, a escola de Cavalcanti retornou ao segundo grupo apresentando o enredo "Num Passe de Mágica", que tratava da energia positiva que envolve as pessoas no reveillon. A comissão de frente surgiu com mulheres representando Iaôs e o abre-alas destacou o símbolo da escola em meio a calendários. Alas com indumentárias africanas retrataram o jogo de búzios no setor referente às previsões, no qual a escola não deixou de abordar a esperança que nos toma na passagem do ano. As baianas, sempre graciosas, ofertaram flores à Iemanjá, mas foram um pouco prejudicadas em suas evoluções devido a atropelos de diretores e deficiências na harmonia. O samba, de agradável melodia, não estava à altura dos grandes sambas da escola, mas foi cantado com alegria durante todo o desfile, que se encerrou com a passagem de um carro alusivo ao alvorecer do ano novo e de um tripé referente ao reveillon no mundo.


Sambistas da Tupy de Brás de Pina

TUPY DE BRÁS DE PINA - "Rio Boa Praça", tema desenvolvido pelo carnavalesco Jairo de Souza, tinha tudo para ser um dos enredos mais simpáticos do ano, mas com a quebra de dois carros muito importantes - que representavam o bonde e os coretos - o desfile foi bastante prejudicado. Além disso, muitos componentes, devido à chuva e a problemas de transporte, não conseguiram chegar à concentração a tempo de desfilar e o contingente anunciado, que era de aproximadamente 2000 sambistas, foi reduzido para pouco mais de 1200 figurantes. Até mesmo a comissão de frente, que seria formada por mulatas, teve que ser substituída por integrantes da velha-guarda, pois somente nove garotas estavam prontas na hora do desfile começar. Apesar dos percalços, a escola fez uma apresentação mais organizada que a da Em Cima da Hora, pois sua evolução foi mais correta e convincente. David do Pandeiro e seus auxiliares puxaram bem o samba-enredo, que não era nenhuma obra-prima, mas tinha um bom balanço. A alegoria mais bonita que os dirigentes da Brás de Pina conseguiram colocar em desfile foi a que retratava a chegada da Família Real, com a carruagem de Dom João VI. Carrinhos de pipoca em meio a alas vestidas de palhaço ajudaram a compor o cenário da escola que, mesmo com um contingente tão reduzido, por pouco não estourou o tempo máximo permitido pelo regulamento, que era de 75 minutos.


Zezé Motta no último carro da Arrastão de Cascadura

ARRASTÃO DE CASCADURA - Passava da meia-noite e a chuva já havia cessado quando os quase 3000 componentes da escola de Cascadura invadiram a passarela para homenagear Zezé Motta. Integrantes da velha-guarda da Portela abriram o desfile na comissão de frente, mas, no início, a apresentação do Arrastão de Cascadura parecia que ia ser uma tragédia, tamanha a pressa dos diretores em empurrar a escola à frente. Para se ter uma idéia da correria, que ocasionou vários claros na pista, vale salientar que a comissão de frente atingiu o Setor 11 com menos de 20 minutos de desfile. Felizmente, diretores mais atentos perceberam o problema e reorganizaram a escola, que então começou a desfilar com mais coesão. O enredo "Zezé, Um Canto de Amor e Raça" foi desenvolvido pelo carnavalesco Joãozinho de Deus, que fez um trabalho apenas razoável, uma vez que na maior parte das alegorias não houve uma simbolização correta do enredo. As fantasias estavam um pouco melhores e mostraram os países onde Zezé fez sucesso, além de momentos importantes de sua carreira no teatro, na música, na televisão e no cinema. Com mais figurantes e um pouco mais rico que as duas escolas anteriores, o Arrastão de Cascadura teve ainda uma outra vantagem, pois apresentou o melhor samba do grupo. O desfile se encerrou com a passagem da ala das baianas e com o carro em homenagem à Zezé, no setor de Oxum, orixá da homenageada.


Alcione, ao lado de Roberto Ribeiro, recebeu a homenagem da Cordovil sambando no chão

INDEPENDENTES DE CORDOVIL - Com o enredo "Marrom Som Brasil", do carnavalesco Paulo César Cardoso, a escola prestou uma homenagem à cantora Alcione. Meninas da Mangueira do Amanhã abriram o desfile na comissão de frente e, ainda no primeiro setor, mais crianças desfilaram em meio a nove painéis com pinturas que retratavam a cantora em diversas fases de sua carreira. O carro do bumba meu boi surgiu a seguir e foi a maior e mais bonita alegoria apresentada pela escola. Os cerca de 2000 componentes foram embalados por um samba de letra fraca, mas de melodia valente, e por uma bateria correta, embora com um número bem reduzido de ritmistas. Apesar de certas irregularidades no desenvolvimento do enredo, a Independentes de Cordovil desfilou com um conjunto um pouco superior ao das três primeiras agremiações, pois sua evolução foi fluente, seu samba funcionou e seu visual foi correto, ainda que bastante simples. A homenageada desfilou em frente ao último carro, que fazia referência à Mangueira e carregava vários destaques tradicionais da escola.


O desfile da Santa Cruz foi marcado pela presença de várias "certinhas", que fariam a felicidade de Stanislaw Ponte Preta

ACADÊMICOS DE SANTA CRUZ - "Stanislaw, Uma História Sem Final", do experiente carnavalesco José Félix, foi o enredo que a escola da Zona Oeste escolheu para disputar o título do segundo grupo, tarefa que não parecia ser das mais difíceis, haja vista a beleza de sua entrada, com um abre-alas muito bem projetado e de acabamento refinado. Os 2500 componentes estavam divididos em 28 alas e suas fantasias tinham perfeita identificação com os elementos do enredo. O trabalho do carnavalesco, tanto em alegorias quanto em fantasias, foi muito bom. Os sete carros alegóricos eram grandes e apelavam para o bom humor, com soluções muito interessantes para a transmissão das idéias. O segundo carro, por exemplo, trazia os personagens de Sérgio Porto feitos em escultura, sentados ao lado de uma enorme máquina de escrever, como se eles próprios inspirassem o jornalista. No carro da Boate Sacha's, todo decorado com espelhos e luzes, os amigos do homenageado desfilaram com alegria e emoção. A letra do samba tinha a irreverência exigida pelo tema e a melodia, mesmo não sendo das melhores, acabou agradando o contingente da escola, que fez uma passagem muito correta. A boa bateria, que não fez uma entrada no recuo das mais felizes, desfilou chapéus com as caricaturas dos personagens de Sérgio Porto. A ala das baianas, tradição das mais bonitas nas escolas de samba, estava numerosa e bem vestida. O desfile, que teve início com as "Certinhas de Lalau" na bonita comissão de frente, foi predominantemente marcado por tons de verde e prata, e se encerrou com a passagem da alegoria: "Paraíso da Loucura", que mostrava o jornalista, lá no céu, observando o Rio de Janeiro. Um belo desfile!


Detalhes de um dos carros alegóricos mais bonitos do Paraíso do Tuiuti

PARAÍSO DO TUIUTI - A sexta escola da noite entrou na pista pouco depois das 3h30, com o enredo "Folclore, Tradição Popular", do bom e velho carnavalesco Júlio Matos. Os 2300 componentes estavam vestidos nas cores da agremiação (azul e amarelo) e conseguiram compor um bom conjunto, apesar da extrema simplicidade dos trajes. A velha-guarda abriu o desfile na comissão de frente, sendo seguida por um bonito "pede-passagem". Das dez alegorias apresentadas, os destaques ficaram por conta dos carros: "O Eldorado Amazônico" e o "Zé Pereira". Várias esculturas, feitas pelo próprio Júlio em outros carnavais, foram recicladas e reaproveitadas com inteligência em vários momentos do desfile, e o enredo, bastante amplo, foi desenvolvido com correção. O bom samba e a excelente cadência da bateria levaram a escola a uma apresentação envolvente, na qual a animação dos componentes foi um dos pontos positivos.  O setor referente ao Candomblé encerrou o bom desfile do Paraíso do Tuiuti, somente inferior, àquela altura, à apresentação da Santa Cruz.


A Lins Imperial buscou inspiração no clássico "Hoje Tem Marmelada" para homenagear Viriato Ferreira

LINS IMPERIAL - Com o enredo "Gênios da Ilusão" a escola verde e rosa se propôs a homenagear os carnavalescos campeões dos últimos quinze carnavais: Joãozinho Trinta, Arlindo Rodrigues, Viriato Ferreira, Rosa Magalhães, Lícia Lacerda, Max Lopes, Edmundo Braga, Paulino Espírito Santo, Fernando Pinto, Júlio Matos e Milton Siqueira. Injustiçada no ano anterior (quando fora apontada como uma das favoritas, mas acabou amargando um sétimo lugar), a escola entrou na pista chamando a atenção pelo bom gosto de suas alegorias e fantasias, mas a quebra de três carros alegóricos, ainda na concentração, acabou prejudicando bastante o desenvolvimento do enredo, que até o meio do desfile vinha sendo apresentado de forma clara e muito bonita. Apesar desse grave problema, os cerca de 2500 componentes saíram da Sapucaí já com o dia claro cientes de que haviam feito uma bela exibição, embalada por uma das melhores baterias do grupo.


Passistas do Engenho da Rainha

ACADÊMICOS DO ENGENHO DA RAINHA - Apresentando pouco mais de 1500 componentes, divididos em 30 alas, a escola levou para a Sapucaí o enredo "Canta Brasil", que pretendia mostrar a presença de vários estilos musicais na formação de nossa cultura, além de prestar homenagem a cantores, cantoras e programas musicais. O desfile começou na Grécia, mostrou os índios do descobrimento, a música erudita e passeou pelos ritmos populares, tais como o frevo e as marchinhas de carnaval, mas tudo foi organizado de forma muito confusa e superficial. O samba, apesar do título do enredo, não era dos melhores e o canto da escola foi bastante acanhado. Nem mesmo a correção da bateria conseguiu levantar os componentes, que passaram com certo desânimo. Felizmente, no entanto, houve algumas exceções a essa regra, principalmente na passagem da ala das baianas (muito empolgadas!), já no final do desfile. O vermelho e o branco (que substituíram pela primeira vez o verde e o rosa tradicionais) predominaram em toda a apresentação da simpática escola do Engenho da Rainha, que, apesar de alguns momentos de beleza em seus carros e fantasias, ficou devendo uma apresentação melhor para 1990.


A habilidade com os pandeiros dos passistas do Império da Tijuca

IMPÉRIO DA TIJUCA - Com pouco mais de 1000 figurantes, a tradicional escola do morro da Formiga entrou na Sapucaí pouco antes das 7h30 para apresentar o enredo "Rio, Samba e Carnaval", que nada mais era que uma bem intencionada homenagem à cidade. Depois de quatro anos consecutivos desfilando no grupo principal e de um bom desfile no ano anterior, o tradicional Império da Tijuca decepcionou e acabou realizando um desfile muito fraco. O carnavalesco José Eugênio não conseguiu superar os problemas financeiros, e o tema, que possibilitava vários enfoques, não foi apresentado de forma convincente. Nem mesmo a velha-guarda, que formou a comissão de frente, conseguiu fazer uma boa exibição. Os carros e figurinos eram inexpressivos, além de acrescentar muito pouco ao conjunto. Cantando um dos piores sambas do ano, a escola fez uma apresentação desastrosa, pecando, inclusive, na utilização do tempo, que previa o mínimo de 60 minutos para cada agremiação e o máximo, conforme salientado anteriormente, de 75 minutos.


Detalhes do abre-alas da Unidos de Lucas

UNIDOS DE LUCAS - Última escola a entrar na passarela, a Unidos de Lucas prestou uma bonita homenagem às irmãs Linda e Dircinha Batista, através do enredo "Estrelas Solitárias", dos carnavalescos Luiz Orlando e Clóvis Siqueira. Com cerca de 2000 sambistas em 17 alas e 12 alegorias, entre carros e painéis, a escola conseguiu transmitir com clareza vida e obra das cantoras. A comissão de frente, composta por integrantes da velha-guarda, foi uma das melhores do todo o desfile, e o galo de ouro, símbolo da agremiação, destacou-se no abre-alas, que contou ainda com as ilustres presenças de Elizeth Cardoso, Hermínio Belo de Carvalho e Neguinho da Beija-Flor. O samba tinha uma bonita melodia e permitiu aos componentes um canto emocionado e convincente, mas, infelizmente, a escola se apresentou com alguns claros entre as alas, o que sempre prejudica o conjunto. Um carro sintetizando todo o enredo, com as fotos das homenageadas, fechou o desfile da Unidos de Lucas, que, assim como o Império da Tijuca, não soube utilizar muito bem o tempo, pois teve que diminuir o andamento de seus componentes a fim de cumprir o tempo mínimo de 60 minutos. Apesar dos problemas, a escola, mesmo sem ter um visual dos mais equilibrados, se apresentou com dignidade, com consideráveis chances de brigar por uma boa colocação.

O desfile terminou por volta das 9h30, dividindo opiniões com relação às favoritas. Para o meu gosto, a Santa Cruz, sem nenhuma dúvida, foi a melhor, sendo seguida por Lins Imperial e Paraíso do Tuiuti. A apuração, realizada no Maracanazinho, revelou o seguinte resultado:

1º - Acadêmicos de Santa Cruz - 215 pontos;
2º - Lins Imperial - 209;
3º - Unidos de Lucas - 207;
4º - Acadêmicos do Engenho da Rainha - 189;
5º - Independentes de Cordovil - 186;
6º - Paraíso do Tuiuti - 186;
7º - Império da Tijuca - 185;
8º - Arrastão de Cascadura - 185;
9º - Em Cima da Hora - 182;
10º - Tupy de Brás de Pina - 170

A Santa Cruz participou do Desfile das Campeãs no sábado, mas não pôde contar com o abre-alas, pois, segundo um dos diretores da agremiação, a alegoria havia sido avariada, logo após o desfile oficial, por alguns dos integrantes da própria escola, que, felizes com a beleza do carro, resolveram levar alguns de seus elementos decorativos para casa.

Após o carnaval, a Lins Imperial entrou com uma ação na Justiça e acabou conquistando o direito de participar do grupo principal em 1990, mas para as quatro últimas colocadas (Império da Tijuca, Arrastão de Cascadura, Em Cima da Hora e Tupy de Brás de Pina) não houve salvação. As quatro agremiações foram rebaixadas para o Grupo 3.


Agradecimento especial ao colega e colunista Mestre Sambinha, que forneceu importante material de pesquisa.

Marcelo Guireli

marguireli@uol.com.br