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Coluna do Marcelo Guireli

CARNAVAL 93 - O SALGUEIRO EXPLODIU DE ALEGRIA

O décimo carnaval realizado no Sambódromo foi o primeiro, desde 1973, sem a participação de Joãosinho Trinta como carnavalesco. Foi também o primeiro ano, desde que as escolas de samba ganharam fama nacional e internacional, em que nenhuma escola desfilou com o céu claro. Os tempos estavam mudando e a organização do evento ganhava, a cada ano, mais atenção.

O regulamento do desfile previa a diminuição do número máximo de alegorias: de quinze para doze. O tempo de apresentação para cada escola não foi alterado: 65 minutos no mínimo e 80 no máximo.

Quatorze escolas, número que a Liga considerava ideal, desfilaram nos dois dias de desfile. Uma novidade marcou o início do espetáculo: um carro alegórico com bandeiras de todas as escolas e com alguns carnavalescos abriu o desfile antes da primeira escola entrar na passarela.


O enredo da Ponte visitou os mistérios do Egito

UNIDOS DA PONTE - Sob uma chuva insistente, a simpática agremiação da Baixada Fluminense abriu o carnaval das grandes escolas com um tema que, no papel, fora bem descrito: "A Face do Disfarce", do carnavalesco Roberto Szaniecki. A idéia era contar a importância das máscaras desde a pré-história até os dias mais recentes e para isso o carnavalesco se valia da presença dos mascarados em rituais, festas e costumes de grandes civilizações. A comissão de frente desfilou com belas fantasias, representando a "Corte do Rei Momo", mas alguns componentes tiveram problemas com seus esplendores de penas de pavão. No abre-alas, denominado "Túnel do Tempo", foi apresentada uma síntese do enredo, com destaque para as belas máscaras do Teatro Grego e da Comédia Del'Arte. As baianas, vestidas nas cores da escola, desfilaram com a representação de Odudua. Elas estavam bonitas, mas tiveram dificuldades para preencher alguns claros provocados por inúmeros problemas que a Ponte enfrentou durante seu desfile. A escola, que anunciou 3700 componentes, desfilou com cerca de 2000 sambistas e, das nove alegorias prometidas, apenas seis conseguiram passar pela Sapucaí, o que infringia o regulamento, que exigia um número mínimo de oito carros alegóricos. Além dessas adversidades, a armação da saia da porta-bandeira sofreu danos com a chuva e a evolução do casal foi muito prejudicada. Os ritmistas de mestre Nena, fantasiados de "Anjos da Criação", mantiveram a cadência de sempre e a bateria acabou sendo, a meu ver, o ponto alto do desfile, mesmo com um samba que deixava muito a desejar. O carro "A Barca dos Deuses", já no setor referente às máscaras do Egito, era bastante grande, mas o cinza escuro das esculturas e a falta de iluminação prejudicaram a exuberância da alegoria. Aliás, os carros da Ponte (talvez pela chuva) apresentaram falhas de acabamento, mas as fantasias, felizmente, estavam corretas, com bons momentos de criação e realização. No entanto, o enredo não foi passado conforme a sinopse, que prometia muitas máscaras, ao contrário do que se viu no desfile.


A criação do homem segundo a Vila Isabel

UNIDOS DE VILA ISABEL - Os 4000 componentes da Vila pisaram no asfalto da Marquês de Sapucaí dispostos a apagar a péssima imagem deixada no carnaval do ano anterior quando, por pouco, a escola não caiu. O enredo "Gbala, Viagem ao Templo da Criação", do carnavalesco Oswaldo Jardim, era inspirado na religiosidade africana e mostrava o processo de criação do homem e sua evolução, apontando as crianças como a esperança para um futuro melhor. Foi com muita emoção que a escola iniciou seu desfile, embalada por um samba de qualidade, de autoria de Martinho da Vila. O samba tinha letra poética e contava o enredo de forma primorosa. Na primeira parte do desfile foi mostrada a entrada do Templo da Criação. No enorme abre-alas surgiu a coroa da Vila girando em meio a figuras do enredo. Os carros, em geral, eram grandes e, apesar de sérios problemas de acabamento em decorrência da chuva considerável que insistia em continuar caindo, conseguiam chamar a atenção pela originalidade. Além do abre-alas, dos tripés iniciais e dos carros de Xangô e de Iemanjá, destaco a criatividade do carro "Criação do Homem", que mostrava figuras vivas sendo moldadas em barro na grande oficina de Oxalá. As fantasias não eram tão atraentes quanto os elementos alegóricos, mas gostei bastante do figurino criado para os ritmistas e para a segunda ala de baianas, que desfilou com fantasias trabalhadas em lilás e prata, representando as "Sacerdotisas de Oxalá". E se as fantasias eram pobres, rica era a empolgação dos componentes, que - mesmo desfilando debaixo de chuva - esbanjaram garra e emoção, sentimento impulsionado pelos poéticos versos criados por Martinho. "A beleza é a missão de todo artista", dizia o samba. Oswaldo Jardim cumpriu seu papel.


A Ilha teve circo para todos os gostos

UNIÃO DA ILHA - Para a sorte de todos, a chuva parou logo que a Ilha começou a desfilar, com seu enredo "Os Maiores Espetáculos da Terra", do carnavalesco Silvio Cunha. A idéia era apresentar na Sapucaí todos os tipos de circo, desde a arena romana até o circo da Fórmula 1. Abrindo o cortejo, surgiu uma simpática comissão de frente vestida de palhaços. O circo romano e o circo medieval foram retratados no início do desfile, através de dois carros e de alas bem fantasiadas. Gostei muito de uma ala de palhaços tradicionais que antecedeu a passagem da bateria de mestre Paulão. Os ritmistas da Ilha desfilaram caracterizados como os "Músicos da Banda" e fizeram paradinhas que empolgaram o público. No carro "Circo dos Horrores" não faltaram citações ao lado trash dos espetáculos circenses e na alegoria que representou os palhaços o destaque ficou por conta de Carequinha. As fantasias desenhadas pelo Silvio se mantiveram sempre num bom nível, quase sempre superiores às alegorias. O desfile só não foi melhor porque a escola tinha um samba muito ruim e porque os dois capítulos finais do enredo, referentes à televisão e à Fórmula 1, eram absolutamente dispensáveis.


O amor à liberdade foi exaltado pela Viradouro

UNIDOS DO VIRADOURO - Com cerca de 4000 componentes, divididos em 54 alas, a Viradouro entrou firme na Sapucaí, com o enredo "Amor, Sublime Amor", dos carnavalescos Max Lopes e Mauro Quintaes. As alas e carros iniciais, numa espécie de introdução ao tema, mostraram o amor do folião à própria escola de Niterói. Na comissão de frente, sete casais de mestres-salas e porta-bandeiras, vestidos com muito bom gosto, apresentaram a escola com bastante elegância. Dois tripés com cavalos alados e alas com a predominância do vermelho e do branco se seguiram no cortejo. Uma pena que a primeira ala das baianas tenha desfilado com saias completamente prejudicadas pela chuva. Por conta disso, a evolução da ala também foi morna e falha. Na seqüência do desfile surgiu o Carro do Amor, todo ornamentado com cavalos, arcanjos e coroas. "Que Futuro É Esse?", título da primeira parte do enredo, fez alusão à falta de amor do homem do futuro. Nesse setor, a Viradouro alertou, através de fantasias de robôs e seres espaciais, que o coração deve estar sempre acima da razão. O amor à natureza foi representado pela relação dos índios com o meio ambiente, através de três alas muito bem vestidas e de um grande carro alegórico. O amor entre Chica da Silva e João Fernandes de Oliveira foi lembrado na dança do minueto, enquanto o romance entre Lampião e Maria Bonita foi motivo de um dos carros. O amor à liberdade foi caracterizado pelos ideais de Zumbi dos Palmares e de Tiradentes, que surgiu em escultura sobre uma enorme bandeira de Minas Gerais. O amor ao carnaval também não foi esquecido, mas nada foi mais bonito no desfile da Viradouro do que a passagem do carro em homenagem a Oxum, a Deusa do Amor. Plasticamente, o desfile foi muito bonito, apesar do problema da primeira ala das baianas e, também, do setor futurista, que, a meu ver, não tinha uma concepção das mais elegantes. O samba era valente e foi bem cantado pelo Quinzinho (interprete oficial) e pelos componentes, mas a escola só conseguiu conquistar o público no final de sua apresentação. Houve uma excessiva preocupação com a cronometragem e por conta disso a Viradouro acabou correndo demais, mas fez um bom desfile.


O desfile compacto da Mocidade Independente

MOCIDADE INDEPENDENTE - Vinda de um bicampeonato e de um vice, a Mocidade iniciou seu desfile pouco depois da meia-noite e meia, cercada de expectativas. O enredo "Marraio Feridô Sou Rei", do carnavalesco Renato Lage, abordava a história dos jogos, desde a Grécia Antiga até os modernos games eletrônicos. Abrindo o desfile, surgiu uma comissão de frente fantasiada de "Dream Team", numa ousadia de gosto duvidoso que, infelizmente, funcionou negativamente para a escola. As primeiras alas e carros fizeram referência aos jogos olímpicos, com destaque para uma linda ala com componentes fantasiados de "Guerreiros do Olimpo" e para o iluminado abre-alas, intitulado de "Restauração Olímpica". Os jogos medievais surgiram na seqüência do desfile, retratados por um carro de grande porte e por uma ala com componentes carregando estandartes. As baianas, como "Damas Medievais", evoluíram lindamente, mas só eram reconhecidas pelas suas saias rodadas. Alexandre e Babi, com bonitas fantasias referentes ao jogo de xadrez, defenderam com elegância o pavilhão da escola, que teve na atuação da bateria, maravilhosamente fantasiada de "Coringa", seu ponto mais forte. O samba, que não era bom, foi bem cantado, mas não conseguiu empolgar o público como nos três anos anteriores. Em termos de harmonia, o desfile foi quase perfeito, não fosse a ligeira pressa observada após a entrada da bateria no boxe. Além da beleza das fantasias (de muito bom gosto, embora um tanto quanto repetitivas), a Mocidade levou para a Sapucaí um bom conjunto alegórico, com destaque para o carro denominado "Diversões Eletrônicas", no qual uma escultura enorme de um garoto jogando vídeo game encantou o público. Interessante observar que a alegoria tinha os sons dos games, que chegavam até a incomodar um pouco, devido à altura. Apesar do sucesso da alegoria, o carro que mais gostei foi o último, que representou a eterna luta entre o bem e o mal. Menos eletrizante que nos anos anteriores, a Mocidade passou com sua marca de escola de vanguarda e conseguiu agradar. Terminou seu desfile com chances de brigar pelo título.


Carlos Reis esbanjou luxo e elegância no desfile da Portela

PORTELA - Nove anos distante de um campeonato, a escola foi buscar no carnavalesco campeão de 92, Mário Monteiro, a solução para seus problemas. Ele bolou um tema inusitado, intitulado "Cerimônia de Casamento", com o qual a Portela abordaria a história dessa instituição, desde o cerimonial (em diversas culturas) até o surgimento da família e das várias etapas da vida conjugal. A tradicional águia apareceu pousada sobre uma cascata de luzes, tendo ao lado uma águia fêmea e um filhote. As primeiras alas, trajadas com fantasias de péssimo gosto, fizeram alusão a Adão e Eva e abriram passagem para o carro "Jardim do Éden", que apresentou Carlos Reis, vestindo uma linda fantasia, como principal destaque. As fantasias referentes ao casamento entre os povos também não estavam elegantes. Pelo contrário, elas pecavam pelas formas e pelo mau uso das cores e dos materiais. Felizmente, o nível dos figurinos começou a melhorar (um pouco) quando o enredo passou a abordar o casamento tradicional. Gostei bastante do carro "Cerimônia de Casamento", com sua escadaria espelhada e passadeira azul. Aliás, Wanda Batista e Pedrinho Martins, que desfilavam na escola havia décadas, se apresentaram no alto dessa escadaria, como "Noivos Tradicionais". O carro "Bolo Dançante", uma das surpresas prometidas pelo carnavalesco, estava bem acabado, mas passou pela Sapucaí sem chamar atenção. Uma das alegorias que eu mais gostei foi a intitulada: "O Doce Inferno dos Amantes", já no setor referente às crises conjugais. O casamento gay e as amizades coloridas também fizeram parte do bem-humorado tema da Portela, mas nada foi mais bonito que a passagem do último carro, que era uma imensa Arca de Noé, inspirada na obra de Hieronymus Bosch, representando o casamento dos animais. Linda alegoria, mas, infelizmente, apesar de alguns bons momentos de criação, a escola de Madureira não foi feliz. Apesar de ter um bom samba e uma bateria cadenciada, a escola não conseguiu empolgar. Não houve boa aceitação à simplicidade e ao mau gosto de várias fantasias. Foi um desfile irregular.


O carnaval do futuro na Imperatriz

IMPERATRIZ LEOPOLODINENSE - Com o enredo "Marquês que é Marquês do Sassarico é Freguês", de autoria da carnavalesca Rosa Magalhães, a Imperatriz comemorou os duzentos anos de nascimento de Cândido José de Araújo Viana (o Marquês de Sapucaí) e recontou a história do carnaval, desde os tempos do Marquês até os atuais super desfiles das escolas de samba. A comissão de frente, vestida com fantasias referentes à nobreza, fez uma apresentação de impacto. Toda a primeira parte do enredo foi dedicada a mostrar o carnaval do tempo do Marquês, com destaque para as fantasias alusivas ao carnaval de Veneza e para a ala das damas. Os arlequins da bateria de mestre Beto deram boa cadência ao samba interpretado por Preto Jóia e Rixxa, conduzindo a escola a uma boa exibição em termos de evolução e harmonia. Jerônimo e Neide formaram o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, substituindo Chiquinho e Maria Helena com a mesma competência. O enredo passeou pelos bailes de máscaras, pelos carnavais de rua e pelo luxo das grandes sociedades, mas a parte que eu mais gostei foi a dedicada a homenagear os carnavalescos que fizeram história nos desfiles das escolas de samba. Na homenagem a Arlindo Rodrigues, a Imperatriz mostrou a alegoria mais bonita do desfile, denominada "O Que é Que a Bahia Tem". A ala das baianas desfilou nesse setor, com fantasias muito elegantes, trabalhadas em prata e branco. Para o meu gosto, foi a melhor ala de baianas do ano. A homenagem a Fernando Pinto se deu com um carro referente ao enredo "Tupinicópolis", com direito a uma nova versão do "Tatu Guerreiro", alegoria marcante do carnaval feito por Fernando. O enredo "Ratos e Urubus Larguem Minha Fantasia" foi lembrado na homenagem a Joãosinho Trinta e Viriato Ferreira. Aliás, Viriato trabalhou com a Rosa na confecção do carnaval de 93, mas morreu no final de 92. O desfile terminou com uma visão do carnaval do futuro e com a passagem do carro "Balança Sapucaí", cuja concepção não foi das mais felizes. No geral, a Imperatriz fez um belo desfile e, ao lado da Mocidade, foi a melhor da primeira noite.


A Grande Rio desfilou com grandes carros alegóricos

ACADÊMICOS DO GRANDE RIO - Abrindo o desfile de segunda-feira e banhada por uma chuva que teimou em cair durante sua passagem pela Sapucaí, a Grande Rio levou para o Sambódromo o enredo "No Mundo da Lua", do carnavalesco Alexandre Louzada. O carro abre-alas representou uma nave espacial, com estilizações da coroa, símbolo da escola. O primeiro setor abordou a relação dos povos antigos (chineses, egípcios e indianos) com a lua, através de alas muito bonitas e de uma enorme alegoria. Aliás, os carros da escola talvez tenham sido os maiores do ano. Uma pena que tenham sido um pouco prejudicados pela chuva, que danificou o acabamento de alguns deles. O samba era, ao lado do samba da Vila, o melhor do ano e foi muitíssimo bem interpretado por Nêgo e seus auxiliares. Houve uma boa interação entre público e componentes, principalmente no momento do refrão. Gostei muito da distribuição de cores nas alas e dos carros alusivos às marés, à lua de mel e à conquista da lua. Outro carro que simbolizava o romance ao luar também me agradou muito. A escola terminou sua apresentação com uma ala de baianas vestida de "Fada Madrinha", representando o "Eclipse Total", tema também do último carro. Foi um bonito desfile!


A infância colorida no subúrbio cantado pela Caprichosos

CAPRICHOSOS - Ainda sem conseguir bons resultados na década de 90, a Caprichosos foi buscar seu velho carnavalesco dos anos 80 para tentar voltar a brigar por boas colocações. Luiz Fernando Reis bolou o enredo "Não Existe Pecado do Lado de Cá do Túnel Rebouças", que era, na verdade, uma exaltação ao subúrbio carioca. Uma das polêmicas pré-carnaval foi com relação ao abre-alas da escola, que fazia referência à zona sul, mostrando uma prostituta e um turista sendo assaltado. Isso desagradou a Liga e a Riotur, que não viam na alegoria uma boa propaganda para o Rio e seu carnaval, mas, polêmica à parte, o carro tinha tudo para passar despercebido, já que seu esplendor não era dos mais favoráveis. Aliás, a Caprichosos fez um desfile muito ruim em termos de alegoria, pois quase todos os carros tinham sérios problemas de acabamento e apresentavam formas pouco elegantes, além de péssimas fantasias de destaques e composições. As fantasias das alas estavam melhores, mas também não agradaram muito. Na primeira parte do enredo, que exaltou os costumes suburbanos, gostei da ala referente à Feira de São Cristóvão, mas, plasticamente, o melhor da Caprichosos estava no setor alusivo à infância no subúrbio. Nesse setor, destaco a passagem do Carro do Mafuá, que causou um bom efeito com seu multicolorido. A última parte do enredo mostrou as diversões suburbanas e o desfile se encerrou com o Carro dos Farofeiros (de péssima concepção!) e a ala dos banhistas. O tema foi bem escrito, mas na avenida houve um desenvolvimento muito grosseiro e até preconceituoso, pois me parece que no subúrbio há coisas muito melhores do que as que foram apresentadas. Não gostei da apresentação da Caprichosos, mas o publico até que se animou com a marchinha pavorosa da escola.


O Ita do Salgueiro navegou por um mar branco e prata

ACADÊMICOS DO SALGUEIRO - Dezoito anos distante de seu último campeonato, o Salgueiro entrou na Sapucaí com uma energia diferente. O público abraçou a escola logo de início e passou a entoar com entusiasmo os versos do samba "Peguei um Ita no Norte", enredo do carnavalesco Mário Borriello. Inspirado na música de Dorival Caymmi, mas sem estar preso a uma reconstituição histórica dos anos 30 e 40, o tema fazia menção à viagem de um migrante que partia do porto de Belém do Pará rumo ao Rio de Janeiro. A idéia do carnavalesco era mostrar um pouco da cultura dos diversos estados da costa brasileira e o fascínio desse migrante no contato com esses diversos Brasis. Na primeira parte do desfile foram mostrados aspectos da cultura paraense, com destaque para a festa do Círio de Nazaré, presente no abre-alas. O Carro do ITA (simbolizando a partida do migrante) foi o segundo a desfilar, seguido por alas referentes ao mar. O primeiro estado a ser visitado pelo enredo foi o Maranhão. Adorei a ala do Bumba Meu Boi e, mais ainda, o carro de São Luiz do Maranhão, que, além de portar bonitos destaques, era decorado com azulejos que realçavam a arquitetura do local. Sem grandes surpresas estéticas, o Salgueiro continuou mostrando a viagem do migrante até sua chegada ao Rio de Janeiro. Gostei de quase todas as fantasias, que estavam bem planejadas em termos de forma e combinação cromática (o vermelho e o branco - misturados ao prata e ao ouro - predominaram). Uma das alas mais bonitas foi a que representou o Galo de Barcellos, na parte do enredo referente ao Rio Grande do Norte. Aliás, o Carro de Natal teve que ocupar grandes claros deixados na entrada da bateria no boxe. O problema começou no momento da exibição do casal de mestre-sala e porta-bandeira (Vanderli e Taninha), pois a ala anterior a eles evoluiu com muita rapidez. Para agravar a situação, a excelente apresentação do casal foi prejudicada por um tombo de Taninha em frente à cabine dos julgadores. Passados os incidentes, o Salgueiro voltou a se encontrar e o público insistiu em aplaudir e acompanhar a escola com uma euforia que eu jamais vi em qualquer outro desfile. No carro "Riquezas da Cultura Pernambucana" o destaque ficou por conta do maracatu. Gostei da alegoria, mas, no geral, as fantasias foram sempre superiores aos carros, que, por vezes, não chamavam muita atenção. A ala das baianas, como era de se esperar, surgiu toda vestida de branco em frente ao Carro da Bahia. Uma pena que a essa altura o Salgueiro estivesse desfilando com relativa pressa para dar vazão aos seus 5500 componentes. Foi um exagero que por pouco não custou à escola a perda de pontos preciosos na disputa pelo título. Felizmente os últimos componentes chegaram na Apoteose dentro do tempo e o Salgueiro se credenciou com grande dose de favoritismo à disputa do campeonato. Parecia impossível que alguma escola superasse aquele momento de emoção e, sobretudo, de alegria.


O desfile colorido da Unidos da Tijuca

UNIDOS DA TIJUCA - Contar a história da dança no Brasil, desde antes do descobrimento até o final do século XX, foi o desafio da Unidos da Tijuca, com seu enredo "Dança Brasil", de autoria do carnavalesco Shangai. Belos índios, cheios de penas de pavão, abriram o desfile na comissão de frente. O abre-alas, denominado "O Pavão e a Floresta", apresentou grandes esculturas, mas não conseguiu causar impacto, pois a combinação de cores e as formas não eram das mais elegantes. Na primeira parte foram mostradas as danças indígenas. O carro "Templo de Jaci e Guaraci" foi todo montado com bambus, que faziam um bom contraste com as plumas azuis dos destaques de composição. Atrás do Carro dos Navegantes surgiram duas das melhores alas da escola, referentes à dança colonial e à dança no Império. Hermínia Paiva foi a destaque central do Carro do Teatro Municipal, que fazia alusão às danças clássicas e aos bailes de fantasias. A ala das baianas, com muitos problemas em suas saias, desfilou no setor africano. Aliás, tantas foram as contribuições da África para a nossa dança que eu esperava que esse setor fosse dos mais densos do desfile, o que acabou não acontecendo. O desfile terminou com a passagem do carro "Quem Dança seus Males Espanta", que fazia referência às danças de academia. Não gostei do desenvolvimento do enredo. Aliás, tive impressão que vários carros e muitas fantasias poderiam se prestar a qualquer tema. Faltou imaginação e coerência, além de um samba um pouco melhor.


A Estácio de Sá fez um desfile luxuoso

ESTÁCIO DE SÁ - Tudo parecia bem no início do desfile da campeã de 92, mas um problema no carro de som fez com que Dominguinhos parasse de cantar o samba, mesmo sabendo que o tempo já estava sendo contado. Conforme mandava o regulamento, o presidente da Liga, Capitão Guimarães, esbravejou: "a escola tem que continuar seu desfile!". E assim seguiu a Estácio, sob os protestos de Dominguinhos e com o relógio marcando nove minutos de desfile, em busca do bicampeonato. O enredo "A Dança da Lua", do carnavalesco Chico Spinoza, era baseado numa interessante lenda dos índios Karajás, que tinha a luz da lua, em suas quatro fases, como fio condutor da trama. O abre-alas (A Criação - Um Pensamento Bom) tinha efeitos de luzes interessantes, uma grande serpente e leões. Os 4800 componentes desfilaram divididos em enormes 36 alas. As fantasias tinham bom acabamento e algumas eram bastante criativas, mas houve um planejamento de cores um tanto quanto equivocado. A escola esteve pesada durante todo o tempo de sua apresentação. Além disso, o samba, que para o meu gosto não era dos melhores, não funcionou, talvez pelo andamento muito apressado da bateria. As alegorias também tinham ótimo acabamento, mas algumas delas se perderam nas excessivas cores das alas que as antecediam. Gostei do carro "Reino das Pedras Verdes (Lua Crescente)" e do Carro da Mitologia Lunar, mas o momento mais bonito do desfile foi guardado para o final, com a passagem do carro "Carnaval Renovação", que trazia um dragão de 21 metros, todo montado em alumínio, envolto por luzes especiais. Apesar de alguns bons momentos, a Estácio nem de longe repetiu o sucesso do ano anterior. Houve claros na pista, principalmente antes da bateria entrar no boxe. Prejudicada pela perda dos nove minutos no início do desfile, a escola acabou correndo durante todo o tempo de sua apresentação. Na minha opinião, a lua da Grande Rio foi bem mais simpática e leve do que a sombria lua da Estácio.


A Beija-Flor de Maria Augusta

BEIJA-FLOR DE NILÓPOLIS - Foi muito estranho ver a Beija-Flor entrar na Marquês de Sapucaí sem Joãosinho Trinta, que depois de dezessete carnavais no comando da agremiação, se afastou do carnaval. A carnavalesca Maria Augusta Rodrigues foi convidada para substituí-lo e bolou um enredo bem ao estilo com o qual marcou época na União da Ilha: "Uni-Duni-Tê, a Beija-Flor Escolheu, É Você!". Os 4500 componentes da escola convidaram o público a voltar a ser criança, para que o mundo encontrasse seu equilíbrio. Os integrantes da comissão de frente surgiram fantasiados como "Mensageiros do Cosmos", mas não fizeram uma apresentação das mais satisfatórias. No abre-alas, denominado: "Uni - O Gerador da Vida", um pião girava em meio às luzes e fazia um bonito efeito. As baianas desfilaram no primeiro setor (Uni - Universo) e simbolizaram flores. Sobrevoando a ala, um beija-flor com balões azuis deixava claro que Maria Augusta queria fixar o símbolo da escola. No segundo setor (Duni), destacaram-se o carro "Sol e Lua" e a alegoria "Terra e Céu". A bateria de mestre Odilon estava multicolorida, mas o ritmo não me agradou. Aliás, o samba, que eu já não considerava dos melhores antes do desfile, foi cantado de forma a favorecer o sono dos expectadores. No último setor (Tê - O Equilíbrio), a carnavalesca optou por uma suave combinação do azul claro com o rosa e conseguiu um bom resultado. A escola, ao contrário da Estácio, desfilou muito bem planejada em termos de cores, mas não conseguiu causar impacto, pois as alegorias, apesar de leves e bonitas, não tinham a grandiosidade habitual da Beija-Flor. No final no desfile algumas alas apressaram o passo e claros se formaram na altura do Setor 11. A escola terminou sua apresentação deixando a certeza de que, mesmo com a correção do trabalho da carnavalesca, aquela não era a estética ideal para o sucesso da agremiação. O desfile não empolgou.


A Mangueira contou a história do fruto que lhe deu o nome

ESTAÇÃO PRIMEIRA DE MANGUEIRA - Passava um pouco das quatro horas quando a Mangueira entrou na Sapucaí com seu enredo "Dessa Fruta Eu Como Até o Caroço", do carnavalesco Ilvamar Magalhães. A origem da manga foi mostrada na comissão de frente e nas belíssimas alas que abriram o desfile. No bonito Carro da Índia o destaque ficou por conta de Laerte Rafael, com sua deslumbrante fantasia intitulada: "Essência Indiana do Esplendor Asiático". O setor africano, ao contrário do que manda a tradição da escola, veio multicolorido, mas, apesar disso, apresentou fantasias de bom efeito. Quando o enredo chegou ao Brasil, foram mostrados os diversos tipos de manga, sempre com fantasias bem cuidadas e de boa criatividade. Na última parte, a Mangueira apresentou o quadro: "Manga Que Dá Samba", numa referência à própria escola. As baianas tradicionais desfilaram nesse setor, vestidas de "Manga Rosa". Fantasias típicas de carnaval, como as dos tradicionais pierrôs e arlequins, fecharam a boa apresentação da escola. Até mesmo o samba, que não era muito bom, conseguiu empolgar e levar a Mangueira à disputa de uma boa posição. Gostei do desfile.

Os últimos componentes da Mangueira chegaram a dispersão com o dia começando a clarear. Enquanto isso, na concentração, o público que costumeiramente acompanhava o final dos desfiles no chamado bloco do arrastão era impedido de entrar na Sapucaí, numa ação policial que me pareceu absolutamente desnecessária. Num carnaval em que várias escolas foram atrapalhadas pela chuva, essa ação da polícia fez valer a tese da saudosa escritora e cronista carnavalesca Eneida de Morais, que dizia que os piores inimigos do carnaval carioca eram a chuva e a polícia.

O Salgueiro ganhou o Estandarte de Ouro de melhor escola e parecia mesmo que nenhuma outra agremiação teria chances de brigar pelo campeonato, mas Mangueira, Mocidade e Imperatriz eram as três que poderiam atrapalhar a festa vermelha e branca.

Antes da apuração foram sorteados os julgadores (havia cinco para cada quesito, mas somente as notas de três valeriam) e para a sorte do Salgueiro a julgadora Marli Leal, que julgava o quesito mestre-sala e porta-bandeira na cabine onde Taninha havia caído, não foi sorteada. Até os deuses pareciam conspirar para o final do jejum de títulos da escola da Tijuca.

A apuração começou com a leitura das notas do quesito Bateria. Mocidade, Salgueiro, Beija-Flor e Mangueira obtiveram notas máximas de todos os julgadores e pularam na frente. No quesito Samba-Enredo, os dois melhores sambas do ano (Vila e Grande Rio) receberam notas máximas dos três julgadores. Além deles, foram agraciados com a nota dez os hinos da Imperatriz e do Salgueiro. No quesito Harmonia, a Vila Isabel, a Caprichosos e a Beija-Flor foram as únicas a conseguirem os trinta pontos, restabelecendo novo empate entre Salgueiro e Beija-Flor na primeira posição. Salgueiro (mesmo tendo cometido erros), Beija-Flor e Mangueira conquistaram notas máximas de todos os julgadores de Evolução e a Viradouro, que correu demais, teve no quesito o seu pior desempenho. No quesito Enredo, cinco agremiações conseguiram pontuação máxima: Vila Isabel, Mocidade, Imperatriz, Salgueiro e Beija-Flor. A essa altura, a Beija-Flor ia surpreendendo a todos dividindo a liderança com o Salgueiro, tendo a Imperatriz (uma das favoritas) sempre à sua cola. Mas o quesito Conjunto começou a mudar o panorama, pois a Beija-Flor perdera meio ponto, enquanto a Mocidade, a Imperatriz e o Salgueiro receberam três notas dez. Para a minha surpresa, somente o Salgueiro recebeu três notas máximas no quesito Alegorias. Aliás, foi um carnaval muito fraco em termos de criação, mas, certamente, as alegorias do Salgueiro não eram as melhores do ano. Em Fantasias, quatro escolas obtiveram a pontuação máxima: Mocidade, Imperatriz, Salgueiro e Estácio de Sá. Na leitura das notas do penúltimo quesito, ganharam notas máximas de todos os jurados as comissões de frente da Viradouro, da Imperatriz, da Estácio e do Salgueiro, que teve sua vitória consolidada no quesito Mestre-Sala e Porta-Bandeira. Era o fim de um jejum de dezoito anos sem títulos. Com justiça, o Salgueiro sagrou-se campeão absoluto do Carnaval 93.

Eis o resultado geral:

1º - Salgueiro - 300,5 pontos
2º - Imperatriz - 298
3º - Beija-Flor - 296,5
4º - Mocidade - 295,5
5º - Mangueira - 292,5
6º - Estácio de Sá - 289,5
7º - Viradouro - 289
8º - Vila Isabel - 287
9º - Grande Rio - 286
10º - Portela - 280,5
11º - União da Ilha - 279
12º - Unidos da Tijuca - 278
13º - Caprichosos - 275,5
14º - Unidos da Ponte - 245,5


As duas últimas colocadas acabaram sendo beneficiadas e não foram rebaixadas. No Desfile das Campeãs, além das cinco primeiras colocadas do Grupo Especial, desfilaram (debaixo de chuva) o Império Serrano e a Tradição, que conquistaram as primeiras posições no Grupo de Acesso e o direito de voltar a desfilar entre as grandes escolas em 94.

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Marcelo Guireli

marguireli@uol.com.br