PRINCIPAL    EQUIPE    LIVRO DE VISITAS    LINKS    ARQUIVO DE ATUALIZAÇÕES    ARQUIVO DE COLUNAS    CONTATO

Os sambas do Grupo Especial do RJ 2026 por Cláudio Carvalho

Os sambas do Grupo Especial do RJ 2026 por Cláudio Carvalho

As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile'

Beija-Flor

“Bembé do Mercado” é a homenagem da Deusa da Passarela ao único candomblé de rua do mundo — uma celebração que combina espiritualidade, ancestralidade e identidade afro-brasileira. O samba já nasce histórico por outro motivo: é o primeiro da escola após o fim da Era Neguinho da Beija-Flor (1976–2025), encerrando um dos ciclos mais emblemáticos da história do Carnaval carioca.

A boa notícia é que, em termos de qualidade, a obra não fica devendo nada aos grandes hinos que Neguinho eternizou. A novata Jéssica e o experiente Nino, muito seguros, dão conta do recado na faixa.

Trecho de destaque: Cantando, saudamos a nossa fé. As nações do Candomblé. Onde a paz e o respeito ressoam no couro do axé funfun. Não tememos ataque algum. A rua ocupamos por direito.
Nota: 10

Grande Rio

Em seu primeiro ano após a saída da dupla Bora-Haddad, a tricolor de Caxias traz o movimento Manguebeat como enredo. O samba mantém o padrão de qualidade consolidado nos anos 1990 e retomado em 2020. É interessante a crítica (in)direta à nota baixa recebida no quesito bateria este ano, no verso “respeite os tambores do meu ilê”.

Na gravação, a introdução poderia ser menos dolente e mais vibrante, acompanhando o andamento natural do samba. Ainda assim, trata-se de um detalhe técnico que em nada compromete o resultado final.

Trecho de destaque: Freire, ensine um país analfabeto. Que não entendeu o manifesto da consciência social. Chico, Manguebeat tá na rua. Caxias comprou a luta e transforma em carnaval!
Nota: 10

Imperatriz

Depois de nos presentear com um dos melhores — senão o melhor — sambas do último carnaval, a escola de Ramos decepciona. O samba-enredo sobre Ney Matogrosso esbarra em um velho problema: a dificuldade de equilibrar narrativa e repertório. Enredos biográficos sobre artistas da música quase sempre resultam em sambas construídos a partir de colagens de letras e frases conhecidas — a famosa “colcha de retalhos”.

A junção de dois sambas, expediente também usado por Beija-Flor e Salgueiro, acabou prejudicando a fluidez melódica da obra.

Trecho de destaque: Eu juro que é melhor se entregar. Ao jeito felino provocador. Devoro pra ser devorado. Não vejo pecado ao Sul do Equador.
Nota: 9.7

Viradouro

Num ano em que sobraram enredos biográficos, a vermelha e branca de Niterói acertou em cheio ao homenagear seu mestre de bateria. O ineditismo se dá pelo fato de ser alguém ainda em plena atividade e longe de parar. Campeão do carnaval em 1992 pela Estácio e em 2020 e 2024 pela Viradouro, Mestre Ciça carrega consigo um rosário de notas 10 e premiações, além de ter formado vários mestres de bateria da atualidade.

O samba, cuja versão concorrente ficou marcada pela gravação da voz de Dominguinhos do Estácio com uso de inteligência artificial, emociona. Destaque para a melodia, que certamente inspirará diversas bossas e convenções da bateria.

Trecho de destaque: Peça perfeita pra me completar. Feiticeiro das evocações. Atabaque mandou te chamar pra macumba jogar poeira. No alto vai resistir a caixa de Moacyr. Legado do Mestre Caveira.
Nota: 10

Portela

A Majestade do Samba, que homenageia Mestre Custódio, o Príncipe do Bará, talvez não tenha feito a escolha mais feliz em seu concurso de samba-enredo para 2026, segundo a “bolha” do carnaval. Isso não significa que o vencedor seja ruim — longe disso. Trata-se de uma obra correta, com boa estrutura e potencial para crescer na avenida, mas que peca pela previsibilidade e pela repetição de fórmulas já bastante conhecidas no repertório da escola.

Faltou ousadia, tanto na construção poética quanto na melodia, o que deixa a sensação de que o samba cumpre sua função, mas sem emocionar. Um dos intérpretes da versão concorrente, o competente Zé Paulo Sierra, assumiu o microfone principal e manda bem na gravação. A faixa encerra com a voz do eterno Gilsinho entoando seu inesquecivel grito de guerra. Numa indispensável e emocionante homenagem ao mais longevo interprete da história da Portela.

Trecho de destaque: Enquanto houver um pastoreio, a chama não apagará. Não há demanda que o povo preto não possa enfrentar.
Nota: 9.8

Mangueira

Se a Portela escolheu uma entidade do Sul do país para homenagear, a Mangueira foi ao extremo Norte para trazer o curandeiro “doutor da floresta” Mestre Sacaca para a avenida. A escolha do samba também gerou debate, mas, ao ouvir o resultado final, percebe-se que a escola optou por uma obra equilibrada, com belas passagens poéticas, ainda que com altos e baixos na letra.

É notório o crescimento de Dowglas, agora em voo solo, ano após ano. O jovem intérprete transforma uma faixa mediana em um dos destaques do álbum.

Trecho de destaque: Árvore-mulher, mangueira quase centenária. Uma nação incorporada. Herdeira quilombola, descendente palikur. Regateando o Amazonas no transe do caxixi. Corre água, jorra a vida do Oiapoque ao Jari.
Nota: 9.8

Salgueiro

Na esteira das homenagens, a vermelha e branca presta suas loas à eterna professora Rosa Magalhães, sua cria. Assim como aconteceu com o samba da Imperatriz, os versos acabam por listar carnavais e títulos célebres, fazendo dos desfiles o papel que, no primeiro caso, cabe às músicas do homenageado.

Ainda assim, a força do samba se impõe nos dois excelentes refrões — vibrantes, bem resolvidos e de fácil comunicação com o público. Não chega a ser o “novo Ita”, mas tem tudo para fechar o carnaval com chave de ouro.

Trecho de destaque: Mestra, você me fez amar a festa, e eu virei carnavalesco. Sonhei ser Rosa, te faço enredo. Mestra, você me fez amar a festa. Tantos alunos por aqui. Segue o legado na Sapucaí!
Nota: 9.9

Vila Isabel

Podemos dizer sem medo de errar que “Macumbembê, Samborembá” é o samba do ano. A escola de Noel, Seu China, Martinho e André Diniz — que brilha mais uma vez — traz um samba e um enredo necessários sobre o mestre Heitor dos Prazeres.

Depois de um ano no qual decepcionou nesses quesitos, a Vila virou o jogo com louvores. E nunca é demais lembrar: com samba bom, ela costuma dar trabalho...

Trecho de destaque: De todos os tons, a Vila negra é. De todos os sons, a negra Vila é. De China e Ferreira. Mocambo, macacos e o pau da bandeira. Da nossa favela branca e azul do céu. No branco da tela o azul do pincel. Vem ser aquarela. Pintar a Unidos de Vila Isabel.
Nota: 10

Unidos da Tijuca

Em busca de novos ares — como anuncia o belo refrão principal do samba — a escola do Borel traz Carolina Maria de Jesus. A letra forte se encaixa bem em uma melodia contundente, embora a obra, em alguns momentos, assuma um tom demasiado melancólico, do qual só consegue se desvencilhar no final.

Mesmo diante dessa oscilação, o resultado é de alto nível. A escola do Borel entrega um samba de conteúdo, sensível e coerente com sua proposta.

Trecho de destaque: Por tantas Marias que viram seus filhos crucificados. Nas linhas da vida, verbo na ferida, deixei meu legado. Meu país nasceu com nome de mulher. Sou a liberdade, mãe do Canindé.
Nota: 9.9

Tuiuti

Em seu nono carnaval consecutivo no desfile principal, a escola de São Cristóvão traz o enredo “Lonã Ifá Lukumi”, inspirado no livro praticamente homônimo do grande Nei Lopes sobre a vertente religiosa afro-cubana.

Entre os compositores do bom samba está Luiz Antônio Simas, que dividiu com Nei a autoria de um de seus livros. A obra tem passagens belíssimas e de apelo emocional, mas também momentos menos inspirados, que tornam o conjunto irregular.

Trecho de destaque: Ifá, retira dessa flor os seus espinhos. Revela meu odu e seus caminhos com os ikins de Orunmilá. Me dê seu irê para a vida. Olodumarê, criador. Espalhou axé e amor no ilê dos orixás.
Nota: 9.8

Mocidade

Em busca de dias melhores desde o carnaval que marcou o retorno dos desfiles após a pandemia de Covid-19, a verde e branca de Padre Miguel embarca na onda das homenagens. O samba-enredo sobre Rita Lee reflete bem a dualidade já mencionada nos comentários sobre Salgueiro e Imperatriz: é correto, agradável e tecnicamente bem construído, mas traz um excesso de citações e referências diretas ao repertório da homenageada — a já conhecida “colcha de retalhos”, que, embora simpática, acaba fragmentando o enredo.

O samba tem uma melodia mais “redonda” que a da coirmã verde e branca, mas falta um momento que se sobressaia, como os refrões do hino da vermelha e branca.

Trecho de destaque: A tropicalista do verbo sem freio. Pra farda, uma língua e o dedo do meio. Cabelo de fogo e a lente encarnada. Mutante da pele marcada. Transo rock e samba pra sentir prazer. Agora só falta você.
Nota: 9.8

Acadêmicos de Niterói

O bom samba da escola de Niterói, estreante no Grupo Especial, peca justamente naquilo que alardeia: a popularidade. De um enredo sobre Lula, esperava-se um samba que caísse na boca do povo. Isso até acontece nos primeiros versos, mas, aos poucos, a obra ganha um tom mais acadêmico e panfletário, talvez por conta dos caminhos seguidos pela sinopse.

O belo começo é retomado no final, até a explosão do refrão — esse, sim, popular. Samba grande, estilo “lençol”, como há muito não se via.

Trecho de destaque: Quanto custa a fome, quanto importa a vida. Nosso sobrenome é Brasil da Silva. Vale uma nação, vale um grande enredo. Em Niterói o amor venceu o medo.
Nota: 9.8