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Os sambas de São Paulo 2024 por Carlos Fonseca

Os sambas de São Paulo 2024 por Carlos Fonseca

As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile

A GRAVAÇÃO - Pelo terceiro ano consecutivo as escolas de São Paulo fizeram gravações independentes para compor o álbum triplo. Embora eu seja um grande crítico desse expediente, há de se reconhecer que para este ano as agremiações procuraram ter um cuidado maior na produção de suas faixas, deixando um resultado positivo em relação ao trabalho passado. Apenas uma ou outra – contabilizando os três grupos – destoaram dessa qualidade.

Quanto à safra, consegue ser mais fraca que a de 2023. Tom Maior e, surpreendentemente, Camisa Verde e Branco (e vamos explicar o porquê quando chegarmos a ela) se sobressaem como as melhores obras da temporada, com Império de Casa Verde, Tucuruvi e Barroca vindo na sequência. Que a mudança prometida no julgamento possa trazer o que se espera enquanto avaliação e melhore o nível das obras nos próximos anos. Falando sobre os Acessos: no 1, destaque as ótimas obras de Torcida Jovem e MUM. No 2, se sobressaem Morro da Casa Verde e mais um ótimo samba do Peruche, além das homenagens à Portela e Mocidade Independente de Padre Miguel pela Primeira da Cidade Líder e Uirapuru da Mooca (esta com participação de Paulinho Mocidade na faixa). E que sensação estranha notar a ausência da Leandro de Itaquera neste álbum triplo... – NOTA DA GRAVAÇÃO: 9.7

 

Antes de iniciar este faixa a faixa, peço licença aos leitores para dedicar esta análise ao querido e saudoso Bruno Malta, que infelizmente e inesperadamente nos deixou dois meses antes da publicação desse texto. Por trás do grande crítico e conhecedor de carnaval que o público conheceu, existiu o grande amigo, confidente, o cara divertido e incentivador, no carnaval e fora dele. Nem sempre tínhamos a mesma opinião, mas era na discordância que surgia a melhor conversa, a melhor ideia. Ele não era apenas um grande apaixonado pela Mocidade Alegre, desde quando o desfile sobre o coração (2009) o arrebatou, era um grande apaixonado pelo carnaval de São Paulo e sua essência, fazendo questão de demonstrar em seu jeito ponderado e inteligente de fazer análises e posicionamentos, seja escrevendo ou em vídeos. Como todo apaixonado, vivia às turras com a festa e criticava muito por discordar de seus rumos. Mas bastava chegar ao Anhembi que ele se divertia, se entregava, se sentia em casa, como todo aquele apaixonado por escolas de samba. O Anhembi, daqui pra frente, sentirá muito a sua ausência física, mas ao mesmo tempo sentirá sua vibração, principalmente, a cada vez que a Morada do Samba pisar naquela pista. É uma lacuna aberta que dificilmente será preenchida. Pois o Bruno Malta que eu conheci e muita gente acompanhou foi um talento e uma referência no que fazia. É uma grande voz que fará falta ao Carnaval de São Paulo.

 

1 - MOCIDADE ALEGRE - “Em cada verso, sentimento verdadeiro”.

É uma responsabilidade enorme começar essa análise com a Morada do Samba que o Bruno tanto amava, que era a grande paixão de sua vida e que volta a figurar na primeira faixa após nove anos. Certamente, ele desfrutaria muito deste momento. Falando do conteúdo musical: de forma curta e objetiva, a obra narra competentemente as expedições pelo país através das obras do poeta Mário de Andrade. Versos como “onde a poesia fez morada” são rotineiros em obras da escola e poderiam ser evitados, mas há passagens interessantes como “Retalho de um delírio insano / Sagrado e profano, por tantos brasis” na primeira e “Fechei o corpo no catimbó / No frevo, saudade só / Me embriaguei de carnaval” na segunda, além do bom refrão central “Jangadeiro ê… no banzeiro / No balanço navego teu rio-mar”. Igor Sorriso conduz muito bem a obra na gravação oficial – muito bem produzida, diferente do ano anterior. Cantora do Boi Garantido, Márcia Siqueira participa da faixa. - NOTA: 9.8

 

2 - MANCHA VERDE - “Vem semear a nossa eterna aliança”.

Samba bem irregular. Ele até começa forte com “Ocô, sua flauta anunciou / A colheita verdejou na terra / Regou a missão de Olorum / Junto à forja do senhor da guerra” e tem passagens interessantes como “Brasil, onde mora o verde / Brasil, teu celeiro partilha”, mas o restante da obra não passa de colagens e colcha de retalhos, com refrães regulares – aliás, “Mancha Verde de esperança” é complicado... Fredy Vianna faz (mais uma) correta interpretação – aliás, é um tema que está bem habituado, já que cantou a agricultura em 2006 pela Tucuruvi. - NOTA: 9.7

 

3 - IMPÉRIO DE CASA VERDE - “Nós somos a flecha”.

A homenagem à Fafá de Belém tenta repetir a linha poética bem sucedida do samba de 2023 – até a gravação é praticamente idêntica. E, mesmo que não supere a obra anterior, o resultado é novamente muito positivo. É um samba que mistura um pouco de dolência em trechos como “Que avança na mata ao som de maracás / Encanto mestiço no ar”, com a empolgação de versos como “Melodia dos romeiros, do vento e da chuva / É Maria dos Jurunas, todo mundo quer ouvir”, no refrão central, e a valentia presente no refrão principal “Cabocla serena iluminada / É Casa Verde vem ouvir a batucada, amor”. Seu melhor momento, no entanto, é o fechamento da segunda estrofe “O hino entoou para raiar a liberdade / Se ajoelhou aos pés da santidade / Enamorou Portugal / O sorriso que espalha o bem / E o talento de Fafá de Belém / Vão brilhar no meu carnaval”. A título de curiosidade: tanto em São Paulo quanto no Rio, Tinga canta a terceira faixa do álbum do grupo principal, algo inédito. - NOTA: 9.9

 

4 - ACADÊMICOS DO TATUAPÉ - “A Joia mais linda do criador”.

Seguindo a linha de “enredos CEP”, que a escola domina tão bem na última década, a bicampeã nos traz um samba agradável sobre a baiana Mata de São João. Gosto muito da construção da letra, que foge dos padrões tradicionais ao apostar em estribilhos (“Kaô, ô ô ô ô, Kabecilê meu pai Xangô”; “Oh! Linda Mata de São João”). A letra em si, claro, não foge daquele velho checklist de enredos que homenageiam cidades, ainda que proporcione momentos interessantes (muito ajudados pela boa melodia) no refrão central “Êê baiana, baiana boa / Remexe mainha, tempere o vatapá / Tem quindim e acarajé, tabuleiro de Iaiá” e no começo da segunda “Senhora dos Navegantes / Meu barco já vai pro mar / Eu vou pro mar, Iemanjá me chamou / E lá no mar, e lá no mar pescador”. Mais uma vez, Celsinho Mody (que dispensa elogios) divide a faixa com Leci Brandão e Keilla Regina. - NOTA: 9.8

 

5 - DRAGÕES DA REAL - “Canto guerreiro, alma africana”.

Parece que pegaram vários recortes de enredo afro, juntaram aqui, ali... e terminou nisso. Não é um estilo de composição (a obra é fruto de uma junção) que a escola está acostumada, dá pra entender, mas o resultado não ficou legal. Além do mais, ainda tem problemas claros de melodia e parece que o tom ficou baixo até pro ótimo padrão do René. A ala musical e harmônica precisam trabalhar bastante para a obra pegar no desfile. E até agora estou tentando entender a introdução da faixa... - NOTA: 9.5

 

6 - TOM MAIOR - “É Aysú quando vejo seu sorriso”.

Se o samba de 2023 já era muito bom, o de agora consegue ser melhor ainda. Os refrães são belíssimos, mas a cabeça da letra “Lá pelas matas Jurema / São caminhos de Rudá, divino senhor / É flecha certeira no peito / Anahy, um sentimento que Monã me entregou” é encantadora e entrega um balanço melódico bom demais. Aliás, a melodia num todo é bem trabalhada, aliada a letra que conta bem o enredo. E Gilsinho abrilhanta ainda mais a obra com uma correta interpretação. - NOTA: 10

 

7 - INDEPENDENTE TRICOLOR - A vitória e o legado, é resistência de mulher”.

Ao contrário da co-irmã tricolor Dragões, conseguiu explorar bem um tema afro. A obra, que narra a saga das guerreiras agojie, faz uma descrição corretinha e competente do tema, sem tirar nem pôr, e tem passagens interessantes como um balanço interessante no trecho do refrão principal “É ginga que vem de lá / É força que vem de cá, africanidade”. Destaque à boa interpretação de Chitão Martins, estreando na escola já dando sinais de um encaixe perfeito (e afinal, o que significa o “somos treze” do grito de guerra? cartas para a redação!). A permanência (com certa folga) na elite fez bem à escola em termos musicais. - NOTA: 9.8

 

8 - ÁGUIA DE OURO - “No centenário que o brado ressoou”.

Tem ano que infelizmente não dá pra acertar. Mas quando erra em dois... E, mais uma vez, se faz necessário dizer: palmas aos compositores, que apesar do resultado estar longe do aceitável tentaram extrair algo de melhor do enredo. O rádio brasileiro poderia ser melhor explorado poeticamente, mas se resumiu em colagens e colcha de retalhos. Tudo bem, o Eli Corrêa merece todas as homenagens pela história que fez e faz no meio radiofônico, mas enfiar seu bordão no refrão (com todos os “ooooooooooi gente” possíveis) foi de doer... O samba de 2023 pelo menos era simpático (e funcionou bem no desfile). Se este vai repetir o sucesso... o Anhembi é que vai responder. - NOTA: 9.4

 

9 - GAVIÕES DA FIEL - “Me fiz um arlequim nessa viagem”.

É uma mistura delírio, utopia e uma forma de reviver os momentos gloriosos dos Gaviões – afinal, o título do enredo é um verso de “Coisa Boa é Para Sempre” (1995), um dos sambas mais famosos da escola, que embalou seu primeiro campeonato no Anhembi. E a intenção é perceptível, por exemplo, nos refrães, sobretudo o último: “Quem dera… / Meu samba nas constelações / Eu sou fiel, eu sou Corinthians / Eternamente Gaviões”. Pode dar certo? Pode. Afinal, quem tem Ernesto Teixeira ainda em boa forma tem tudo. Mas não é um samba que chame tanto a atenção. Ele tem bons refrães, que vão empolgar... mas só isso. - NOTA: 9.6

 

10 - BARROCA ZONA SUL - "A batucada sempre falou por mim".

Uma simpática obra em exaltação aos 50 anos da Faculdade do Samba. Melodia bem partideira, raiz, pé no chão puro, e uma letra em primeira pessoa – que traz Pé Rachado, fundador da escola, como narrador de sua maior criação - proporcionando momentos sublimes como “Fui aprendiz dos passos de Cartola / Fundei a minha escola / Seu mundo é um moinho, ele dizia / Onde aflora poesia vive o sangue verde e rosa” na primeira estrofe e “Compus um samba pra falar do meu amor / De um povo que jamais te abandonou / De quem bambeia, mas é ruim de derrubar” na segunda. E a obra é coroada com (mais uma) ótima interpretação de Pixulé. - NOTA: 9.9

 

11 - TUCURUVI - "Herança de Ifá é resistência".

A boa surpresa da safra. Claro que alguns termos afro cantados e executados de forma rápida atrapalham o desenvolvimento da métrica (o refrão principal é um exemplo claro), mas no que se refere a apresentar o argumento do enredo é muito bem elaborada. É sublime e tocante ouvir versos como “Respeitem minha ancestralidade / Tolere a diferença na raiz / Meu samba luta pela igualdade / No ilê da Cantareira sou feliz” e se admirar com a força que passa o refrão central “Ìrùkèrè, Ìrùkèrè / Simboliza a realeza aos olhos de Ọ̀pẹ̀lẹ̀ / Ìrùkèrè, Ìrùkèrè / Ilé Brasil Àiyè Àiyè”. Destaque também a boa interpretação de Hudson Luiz, estreante na escola. - NOTA: 9.9

 

12 - ROSAS DE OURO - "Árvore de amores, meu Ibirapuera".

Exaltações à cidade de São Paulo estão no DNA da Roseira desde os tempos da Avenida Tiradentes. Mas, a homenagem aos 70 anos do Parque Ibirapuera ficou devendo demais... A melodia num todo é descompromissada, um mérito, mas a letra não foge da colcha de retalhos – nesse caso, de uma checklist de um passeio no parque. Além de que o trecho “Rosas pra comemorar, cantar pra você” é melodicamente complicado... Carlos Júnior (estreante na escola, numa parceria interessante) até consegue dar uma simpatia a obra, driblando até mesmo a gravação – que colocou o som das caixas em grave e praticamente mais alto que todos os naipes. - NOTA: 9.6

 

13 - VAI-VAI - "Moinho de vento, a ginga na dança".

A exaltação ao cinquentenário do Hip-Hop nos traz uma obra que ficou mais interessante com as mexidas entre as eliminatórias e a gravação oficial. Ele transita da empolgação (no refrão “Olha “nóis” aí de novo coroa de rei / Capítulo 4, Versículo 3”) ao dedo na ferida (“Renegados da moderna arte / Não faço parte da elite / Que insiste em boicotar / Acharam, que eu estava derrotado / Quem achou estava errado / Corpo fechado, sou cultura popular”, melhor momento da obra). Que me perdoe o ótimo Luiz Felipe e sua competente interpretação, mas a participação do Racionais MC’s na abertura da faixa é de longe um dos melhores momentos do disco. Não é um primor de samba-enredo, mas vai cumprir bem a função de “arrasta-povo”, coisa que só o Vai-Vai consegue fazer. - NOTA: 9.8

 

14 - CAMISA VERDE E BRANCO - "Eis o Imperador pra ser coroado nas terras do rei".

Quem diria que um enredo que mistura Oxóssi com Adriano Imperador daria um grande samba? A cabeça da letra “Barra Funda! / Sua voz jamais será calada / Enquanto a flecha certeira de Oxóssi / Encontrar a caixa rufada” tem um quê de essência dos sambas antigos da escola. Além do mais, ele consegue destrinchar bem os setores do enredo (“No Egito, a luta por liberdade / Um novo império se organizou”; “Brilha o Leão de Mali / Luzindo a riqueza da negra história”; “Lá vem o Didico / Pra ser coroado nas terras do rei!”), chegando ao forte refrão, destacando que “Enfim a promessa se realiza”. Igor Vianna, também de volta ao Grupo Especial paulistano, divide a faixa com o cantor Belo, que também volta a fazer suas participações nos álbuns de carnaval. Enfim, o Trevo Mais Querido volta à elite para provar que o carnaval, por vezes, contraria a lógica. - NOTA: 10

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