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Os sambas da Série Ouro 2024 por Cláudio Carvalho

Os sambas da Série Ouro 2024 por Cláudio Carvalho

As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile

Parque Acari: O samba da escola debutante, fruto da fusão entre Corações Unidos do Amarelinho e União do Parque Acari, não é ruim. Tanto a letra quanto a melodia são agradáveis, algo fundamental pra quem vai abrir o desfile de sexta, quando o Sambódromo geralmente ainda está vazio. Um enredo sobre o bloco afro Ilê Ayê, no entanto, sempre pede algo mais. Trecho de destaque: Desce a ladeira do Curuzu. Abençoada por mãe Hilda Jitolú. Entoa o canto sideral. São cinquenta anos de legado cultural. Nota: 9.7

Império da Tijuca: Escola que tem se destacado de forma ininterrupta nos úlltimos anos pela riqueza de seus enredos e sambas, a verde e branca do Morro da Formiga nos "acostumou mal" nos últimos anos. Sempre se espera o melhor dela, ainda mais num enredo sobre Lia de Itamaracá. Infelizmente, não é o que acontece aqui. O samba é bom, mas tem soluções poéticas e melódicas previsíveis. Trecho de destaque: Salve as Iabás, ora ie ie ô. Saluba Nanã, odociabá. Povo do Samba, eu me chamo Lia. Trago a poesia desse meu lugar. Nota: 9.8

Vigário Geral: Outra escola que também vem se destacando pela qualidade dos sambas-enredo, a tricolor da Leopoldina também deixa um pouco a desejar no quesito, embora o samba tenha o mérito de falar do Nordeste e da festa de São João sem o excesso de inevitáveis lugares comuns. Trecho de destaque: Eles conversam entre si por nossa gente. Santo Antônio eloquente e o justo São José. Um diz não haver beleza igual. E o outro conta a força da nação original. Nota: 9.8

Inocentes: Um dos grandes sambas da safra. Espécie de "Moça Bonita não Paga" do Séc. XXI, narra a saga do camelô desde os tempos de Debret até os dias atuais. Se houvesse mais espaço para o samba-enredo na mídia, mais interesse dos organizadores do carnaval e, importante dizer, dos "saudosistas" de plantão, que acham que só se fazia coisa boa nos anos 70 e 80, o hino da Caçulinha da Baixada seria um dos hits do pré-carnaval. Tem tudo pra ser um dos grandes acontecimentos da primeira noite de desfiles da Série Ouro. Trecho de destaque: Eu fui pro informal. Por falta de oportunidade. A margem da sociedade. Mas se deixar eu me vender (vender). Na luta desigual mostro minha qualidade. Palestro na universidade. Viro dono de TV. Nota: 10

Estácio: Escola que preza pela qualidade de seus sambas desde a época da Unidos de São Carlos, a vermelho e branca teve uma queda brusca de rendimento nesse quesito nas últimas décadas, que coincidem com sua dificuldade de se firmar no Grupo Especial. Há exceções, obviamente, como em 2024. "Chão de devoção:orgulho ancestral" é um sambaço, na acepção da palavra, de ponta a ponta. Talvez o melhor da escola desde "A dança da Lua", há exatos 30 anos atrás. É um samba que evoca a ancestralidade que deu origem a Deixa Falar, primeira escola de samba, surgida justamente no Estácio. Emociona. Trecho de destaque: Kianda! Mwana ya sanza! Livres feito o vento da costa africana. Odara, meu berço é ilê de preto. Quilombo, resistência, gueto. Orgulho ancestral. Nota: 10

Maricá: Escola do município do deputado federal Washington Quaquá, vice-presidente nacional do PT, Maricá chega à Série Ouro embalada pela estréia na Sapucaí e pelos royaltes do petróleo. O samba traz o viés da crítica social, numa homenagem a Guaracy Sant'Anna, o Guará, autor de sambas marcantes, como “Sorriso Aberto”, eternizado na voz de Jovelina Pérola Negra. Apesar de boa, a obra não consegue fugir do expediente "colcha de retalhos", o que compromete sua qualidade. Trecho de destaque: Caneta e papel, um sonho revel. Não ser mais um problema social, meu irmão. Pra ganhar o pão, compus meu destino. Nos versos do reverso mundo cão. Nota: 9.8

Niterói: O enredo da escola que surgiu no lugar da antiga Acadêmicos do Sossego já foi cantando num dos maiores sambas-enredo da história do carnaval de São Paulo: Colorado do Brás 1988. A ênfase ali era no Quilombo Catopês de Milho Verde, que deu origem à festa em Montes Claros. O resultado final, 35 anos depois, infelizmente não é o mesmo. Samba apenas regular. Trecho de destaque: Bota preto Benedito no altar. Que não tem mais capiongo não. Reina o Congo sem calvário. Para a virgem do Rosário. Fiz a minha oração. Nota: 9.7

Ponte: "Temdendem, o Axé do Epó Pupá" é um samba-enredo que, além de falar da importância do dendê na cultura e na religião de matriz africana, faz referência à outro samba histórico da escola: "Oferendas", de 1984. Isso fica claro, sobretudo, na segunda parte da obra. Trata-se de um dos destaques da boa safra, com a ressalva da melodia muito cadenciada e com partes mal resolvidas, sobretudo no início do refrão central. Trecho de destaque: Caruru, sarapatel. Omolocum pra ter o mel! Amalá ao justiceiro. Preto quando enfrenta a dor. Fere o coro do tambor. Pisa forte no terreiro! Nota: 9.9

Sereno: No enredo que faz referência à festa de Iansã, sincretizada com Santa Bárbara, no dia 04 de dezembro, a escola de Campo Grande traz um samba consistente. O destaque negativo fica por conta dos refrões pouco inspirados, que destoam do conjunto da obra. O positivo por conta da interpretação do correto Antônio Carlos, presente na última passagem da escola pela Sapucaí, há dez anos. Trecho de destaque: Do canto da beata até o altar da santa. Um banho de água de cheiro. Em 4 de dezembro me visto de vermelho. Na Baixa do Sapateiro. Nota: 9.8

Em Cima da Hora: Outro samba que remete a um antigo sucesso. No caso, a obra de 1984 da escola, reeditada em 2022. Logo no início, traz duas referências a redutos da escola: o Morro da Primavera e a Rua Zeferino da Costa, onde fica sua quadra. Embora se perca em alguns versos pouco inspirados, o samba traz o tom valente da crítica social e se mantém à altura da boa safra. Trecho de destaque: Perdi meu coração nas engrenagens. E no fim dessa viagem baldeada de ilusão. Marquei o ponto, mas rasguei minha carteira. Brava gente brasileira é tempo de revolução. Nota: 9.8

Arranco: Como uns sabem, outros não, sou profissional de saúde mental há 20 anos. Acompanhei de perto o processo de fechamento do antigo hospital psiquiátrico do Engenho de Dentro, um avanço no atendimento à pessoas em sofrimento psíquico. O enredo do Arranco, que mais uma vez busca no bairro suas referências, me é, portanto, muito caro. Mais ainda porque menciona o Loucura Suburbana, bloco de carnaval que, assim como o Zona Mental, do qual sou vice-presidente, leva alegria a usuarios, familiares e profissionais de saúde mental. O belo e emocionante samba em homenagem à grande Nise da Silveira levaria minha nota máxima, não fosse a mania da escola de sempre recorrer ao alusivo "na ilusão dessa avenida o Arranco é todo amor". Trecho de destaque: O afeto venceu o medo e a dor. Livre do aperto do opressor. Cadeados abertos, muros ao chão. Ninguém supera a força da imaginação. Nota: 9.9

União da Ilha: Talvez a grande decepção da safra. É triste ver a Ilha, conhecida por seus sambas-enredo imortais, com tanta dificuldade nesse quesito há anos. A concepção do enredo deu origem a um samba que flerta com a doçura dos erês e com o brado da resistência, mas não se define. Trecho de destaque: Nasce no peito a coragem que já foi semente. Lutando nas ruas de um jeito inocente. São pérolas negras, retinta raiz. Nota: 9.6

Unidos de Padre Miguel: Samba do qual se esperava mais, tratando-se de uma escola que briga pelo título. A demanda da escola por esse título não precisava aparecer na letra ano após ano, diga-se de passagem. Para além disso, enredos que mencionam Padre Cícero já passaram diversas vezes na avenida, o que torna alguns versos repetitivos. Do ponto de vista melódico, o samba não traz novidades. Trecho de destaque: E feito espelho viu a dor do sertanejo. Sentado à mesa onde a seca foi morar. Enfrenta a peste, vence o medo, bicho-homem. Pois a fé do nordestino nada pode controlar. Nota: 9.8

São Clemente: O querido e noventão Zé Katimba, que nos presenteou com uma histórica live, merecia um samba à altura de sua grandeza, o que não acontece aqui. Versos e melodia pouco inspirados, de soluções simplórias, transformariam o hino da São Clemente num "pula-faixa" do aplicativo (esperamos que saia a mídia física), não fosse o homenageado. Trecho de destaque: Ó mestre, os sinos da igrejinha vão tocar. Saudando seu filho, que empresta seu brilho pra gente sambar! Zé, corre em suas veias. A preta e amarela que te homenageia. Nota: 9.7

Bangu: O argumento que utlizamos na análise do samba da UPM se aplica à sua vizinha: o excesso de enredos sobre São Jorge faz com que qualquer samba inédito sobre ele se torne repetitivo. Esse também não traz nada de novo na letra ou na melodia. Trecho de destaque: Baixou, feito Oxóssi na Bahia. Correu gira, foi magia. Contra a força da corrente. Na terra onde reina o adarrum. De Oxalá é sentinela. De Olorum é combatente. Nota: 9.7

Império Serrano: Aqui chegamos no ponto clímax da safra. Quisera o mundo do samba que o Império acertasse na veia no Grupo Especial como faz no acesso. O hino é uma prece, um ponto cantado. Digno de entrar para a galeria dos maiores da história da escola. São várias soluções geniais, que pareciam estar ali o tempo todo, esperando descoberta. Como um samba que cita vários orixás consegue não soar como uma "lista de chamada" deles? Como nunca antes haviam pensado que Império Serrano rima com oceano? E como não se emocionar com Quinzinho, Jorginho do Império, Carlinhos da Paz e Aluisio Machado, ainda que a palavra maldita "demente" seja evocada nessas alturas do campeonato? A Série Ouro será encerrada com uma trilha sonora digna de seu nome, que pode dar a medalha do metal a Madureira. O próprio samba já anuncia: quem inveja a vitória não enxerga cicatriz. Uma clara menção à ferida do injustíssimo rebaixamento desse ano, vindo de gente que de "demente" não tem nada... Respeitem o Império Serrano porque eu conheço bem esse ilê! Trecho de destaque: Onde me faltar justiça. Que Xangô seja juiz. Pra lembrar que a Serrinha é resistência na matriz. Nota:10