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Os sambas de 2020 - Série A por Carlos Fonseca

Os sambas de 2020 - Série A por Carlos Fonseca
Twitter: @eucarlosfonseca


As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile

Carlos Alberto Fonseca é o apresentador do Carnaval Show na Rádio Show do Esporte, toda quarta-feira às 20h

A GRAVAÇÃO - Quase nada foi mexido no estilo de gravação em relação ao disco passado. Há apenas uma alteração: diferentemente do recurso tradicional, os intérpretes colocaram suas vozes aos quatorze sambas no estúdio da Som Livre como se fosse num show ao vivo, como parte dos clipes produzidos pela LIERJ - formato similar ao CD da finada SuperLiga de São Paulo em 2011. No momento da divulgação das prévias não curti muito a ideia, mas com as íntegras liberadas, o tal recurso não chegou a comprometer as gravações. As baterias estão mais contidas nas bossas, seguindo a filosofia de valorizar mais os sambas, e mini-corais das comunidades podem ser ouvidos em algumas faixas. A safra de 2020, entupida de sambas encomendados, é completamente inferior às dos últimos anos. Excluindo, claro, a reedição da Imperatriz, salvam-se apenas os sambas de Cubango, Santa Cruz e Porto da Pedra, com Rocinha e UPM no segundo pelotão. - NOTA DA GRAVAÇÃO: 9.7 

1 - CUBANGO - "É preto sim, meu legítimo direito".

Sambaço! Uma primazia! Depois do inédito vice-campeonato no ano passado - melhor resultado da história da escola - a verde e branca de Niterói homenageia Luís Gama com uma obra inspiradíssima do começo ao fim. Os refrães "A chibata não cantou, kabô lerê / Firma no batuquejê, Cubango / Uma história de bravura, testemunha da verdade / Eu sou a voz da liberdade" e "Sei do meu valor / Não me bote preço, não / Bote não senhor / Que meu povo é bom de luta" são uma coisa linda. Destaque também para outra bela passagem: "Quem sou eu? / O berro contra toda a tirania / Cabresto não segura poesia / Enfim um canto forro ecoou / Lute como um dia eu lutei / Um sonho, tantas vidas, uma lei / Meu lugar de fala / Hoje favela, ontem senzala". Thiago Brito conduz corretamente a faixa, sem comprometê-la. A gravação pode não ter dado o brilho que merecia, mas não deixa de ser um belíssimo cartão de visitas para o CD da Série A. - NOTA: 10 

2 - PORTO DA PEDRA - "Hoje o seu cortejo vai passar".

A grande surpresa da safra e a melhor faixa do disco. A junção de duas obras, tida como surpreendente a época da escolha, funcionou muito bem. A letra tem refrães fortes, sobretudo o central "E chegando no meu Rio de Janeiro / Na casa de Ciata, o batuque de bamba / Tinha festa, ritual mandingueiro / No quintal nascia o samba" e passagens muito boas como a que fecha a segunda estrofe: "É você a força que resiste à chibata / Em você vive a esperança de uma raça / Óh, mãe baiana, derrame abô por essa terra / O seu branco é luz / Conduz a Porto da Pedra". A Ritmo Feroz mais uma vez rouba a cena com uma criativa bossa a lá pagode baiano na segunda passada. Destaque também para a interpretação irretocável do estreante Pitty de Menezes. - NOTA: 10 

3 - IMPERATRIZ - "Cantar, sambar e nunca mais ter fim".

De volta a Série A após 42 anos, a Rainha de Ramos reedita um dos grandes clássicos de sua discografia: "Só dá Lalá", samba-enredo que deu a escola o bicampeonato em 1981. É um samba curto e fácil de aprender. Quem nunca cantarolou os inesquecíveis refrães "Neste palco iluminado / Só dá Lalá / És presente imortal / Só dá Lalá / Nossa escola se encanta / O povão se agiganta / É dono do carnaval" e "Eu vou embora, vou no trem da alegria / Ser feliz um dia / Todo dia é dia". Também destacam-se os versos "Lá lá lalá Lamartine / Lá lá lalá Lamartine / Em teu cabelo não nega / Um grande amor se apega / Musa divinal" e "Quem dera / Que a vida fosse assim / Sonhar, sorrir / Cantar, sambar / E nunca mais ter fim". Apesar da subida de tom - comum em reedições - ser bem dispensável, Arthur Franco, que gravou sozinho a faixa leopoldinense (e que ganhará a companhia de Preto Joia no desfile), cantou de forma segura. A registrar: o título original do enredo de Arlindo Rodrigues, "O teu cabelo não nega", foi trocado por Leandro Vieira, o carnavalesco atual, pelo verso "Só dá Lalá" em razão de uma adequação à conjuntura atual da socidade. - NOTA: 10 

4 - IMPÉRIO SERRANO - "Ninguém vai calar nossa voz".

Um samba forte, como o enredo em exaltação às mulheres pedia. A primeira estrofe peca nas rimas fáceis (história/memória, terreiro/jongueiro, guerreiras/trincheiras), mas vai melhorando a partir do refrão central "Vim mostrar o meu valor / Vovó ensinou, vovó contou / Tenho sangue de Dandara / A nobreza de Benguela! / Sou alteza da favela!" e de sua sequência "A luta não pode parar / Insistem, não vou me curvar! / “Eu quero, a bem da verdade,” a tal igualdade… / “Sonho meu” que o mundo tenha mais respeito! / “Sonho meu” fazer valer nossos direitos". Leléu não compromete a obra, ainda que quase chegue no ponto de berrar o refrão "Quem diz que mulher não é valente?" que é todo em tom alto. O ponto alto da faixa imperiana é a atuação da Sinfônica, em especial ao espetáculo do naipe de agogôs da verde e branca.  - NOTA: 9.8 

5 - IMPÉRIO DA TIJUCA - "Minha arma é poesia".

Irregular demais. A melodia até é boa, mas a letra carece de qualidade. A segunda parte é um amontado de rimas fáceis. Segue a lista: inteligência/ciência, emoções/canções, inspiração/pavilhão, luta/Império da Tijuca, dia/poesia. Destaque apenas aos primeiros versos "Eu sou a luz no breu / A transformação, o conhecimento / Páginas que enchem de esperança / Mudança escrita no tempo". Daniel Silva sustenta bem a obra na gravação. Ademais, o necessário enredo sobre a educação poderia ser melhor contado.  - NOTA: 9.6 

6 - SANTA CRUZ - "No peito a Santa Cruz do amor".

Depois de Ruth de Souza, foi a vez da cidade cearense de Barbalha dar à Santa Cruz um outro grande samba de enredo. Encomendada ao mesmo grupo de compositores de 2019, a obra verde-branca tem uma melodia envolvente e a letra tem uma construção fora de padrão - estrofe/refrão/estrofe/refrão/falso refrão/versos de transição. O momento de clímax é o seu primeiro refrão "Oh moça solteira / Oh pau da bandeira iaiá / Oh moça solteira / Pede ao santo padroeiro um sinhô pra ser seu par". Destaque também aos versos seguintes: "Onde versa o trovador / Nasce a fé e alegria / No Araripe o soldadinho / Anuncia um novo dia". Roninho conduziu muito bem a faixa, cuja introdução no estilo "pé de serra" é um grande barato. Em termos de samba-enredo, a maré virou pelos lados da Zona Oeste. - NOTA: 10 

7 - UNIDOS DE PADRE MIGUEL - "Pé descalço no céu, berimbau na mão".

Um bom samba para narrar a história da capoeira. Uma melodia leve, típicas dos sambas de roda, e uma letra que conta bem o enredo. O principal momento é na segunda estrofe: "E lá vai o capoeira (zum, zum, zum, zum) / Feito brisa a liberdade (na rasteira mata um) / Era mestre na Bahia / Foi aluno em Palmares / E quando vejo o povo da Vila Vintém / Que na briga não teme ninguém / Lembro o capoeira". Fazendo uma menção ao título do enredo, Diego Nicolau, estreante no boi vermelho da Vintém, conduz com muita ginga o samba. A título de curiosidade: o samba da UPM teve seu quê de Heróis da Liberdade, já que entre o fim das eliminatórias e a gravação do disco teve um "revolução" trocado por "evolução". - NOTA: 9.9 

8 - RENASCER DE JACAREPAGUÁ - "Benza Deus meu caminhar".

É um samba que anteriormente não achava grande coisa, mas que no CD melhorou bem. A primeira estrofe não é tão inspirada, caindo nas rimas fáceis (mãe senhora/agora, espinhela/tramela, razão/coração) e na linha lista de supermercado, com todas as simpatias/curas das benzedeiras ("Pro mau olhado, só um galho de arruda / Peço ajuda à folha de manjericão"). O samba cresce a partir do refrão "Aroeira, senhor, aroeira / Sentada à mesa, mãe da brandura" e apresenta outros dois bons refrães, sobretudo o segundo: "Oh preta velha, meu Brasil quer tua cura / Pra tirar a amargura deste povo sofredor". Voltando a cantar no carnaval carioca, Leonardo Bessa (que após uma década acumula novamente as funções de intérprete e produtor do CD da Série A) tem uma boa atuação na faixa. - NOTA: 9.8 

9 - UNIDOS DE BANGU - "Meu sangue é a retinta majestade".

Samba correto e nada mais. A melodia é pesada, bem característica de obras de temática afro. A letra tem bons refrães, algumas passagens interessantes, mas carece de explosão. Destaque para o bom refrão central "Mar me leva, dor no mar / Sou o par da angústia / Tanto irmão à minha volta / Na revolta da maré / Nego tem que ter fé... / Ê... nego tem que ter fé". Estreando na escola da Zona Oeste, Igor Vianna faz mais uma boa gravação. - NOTA: 9.7 

10 - INOCENTES DE BELFORD ROXO - "O brilho inocente da camisa 10".

A homenagem à jogadora Marta, seis vezes escolhida melhor do mundo, rendeu um samba bom, animado e bem simpático. A melodia alia valentia com lirismo, caso do primeiro refrão "E lá vem a menina / Driblando a seca em meio a poeira". A letra não é grande coisa, mas tem umas passagens bem interessantes. O momento de explosão da obra é a partir do trecho "Eu sei que o preconceito vem de todo lado / Aquelas que usam batom no gramado / Carregam a pátria além da chuteira". Destaque para a boa condução e o entrosamento da dupla Tem-Tem Sampaio e Pixulé, que voltam a escola onde somam três passagens solo. Aliás, como é bom ouvir de novo o "aaai, coração", grito de guerra tão marcante na passagem da Caçulinha da Baixada pelo antigo Acesso B na década passada. - NOTA: 9.7 

11 - UNIDOS DA PONTE - "Qual é o preço, meu Senhor? Me diga!".

Samba arrastado e bem quilométrico. Melodia bem reta e letra, um amontado de citações soltas sobre eternidade, de difícil assimilação. Os pontos positivos a se destacar são o trecho "Ponte tu és o elo da eternidade / Ponte o tempo voa, vai deixar saudade" da segunda estrofe e o lindíssimo refrão principal "Sonhei que um dia / Ao ver meu povo na avenida / Eu tive a certeza do meu lugar / Se o samba agoniza, a Ponte eterniza / A razão do meu imaginar". Leandro Santos, estreante na azul e branca, tem uma atuação segura. Em tempo: a Ponte apresenta um samba inédito na Sapucaí depois de dezesseis anos, o último foi a homenagem ao América em 2004 no antigo Grupo de Acesso B. - NOTA: 9.6 

12 - ROCINHA - "A gira já vai começar!".

Um dos sambas que mais cresceram nesta safra. E a cadência imposta no disco o deixou ainda mais agradável. A primeira estrofe é um grande achado, sobretudo os versos "Chora, Maria! / Que a água do oceano sabe o gosto / Dá lágrima que escorre em seu rosto / E os Santos que aportam no cais da Bahia / Protegem quem já foi mercadoria". A obra perde um pouco a pegada na segunda estrofe, mas cresce novamente no refrão principal "Maria Conga, é que vence demanda! / Maria Conga, é que vence demanda! / Saravá vó benzedeira preta velha de Aruanda". A interpretação de Ciganerey é outro grande diferencial. - NOTA: 9.9 

13 - SOSSEGO - "No jubileu de ouro do meu pavilhão".

A lira do Largo da Batalha apresenta um bom samba para falar dos Tambores de Olokun, cortejo negro oriundo de Pernambuco. A melodia, mesmo que se destaque por suas variações, tem algumas falhas - não gosto das esticadas de notas do "Vem da Áfricaaaaa...", "É fantásticaaaa..." do refrão central. A letra, bem construída, tem passagens muito boas, a melhor delas na cabeça do samba: "Ilu Olokun / Sombrio senhor do mar / Ressoa seu tambor pra revelar / A vida mergulhou bem lá no fundo / No maior dos reinos desse mundo". Guto, que terá a companhia de Nêgo no desfile oficial, tem uma atuação muito aguerrida na faixa da azul e branca. - NOTA: 9.8 

14 - VIGÁRIO GERAL - "A justiça será verdade?".

Que samba chato. Melodia praticamente reta e letra pouco criativa, muito presa à sinopse. O único trecho que chama atenção é "Pois é... Na 'cri'se nossa gente acende 'vela' / Pra santo que nem olha pra favela / E brinca com direito social". O único ponto positivo da faixa fica para interpretação de Tem-Tem Jr, em sua primeira experiência solo na Sapucaí, que tentou extrair o melhor da obra. E pensar que nos últimos três anos, o CD da Série A foi encerrado com ótimos sambas... - NOTA: 9.4

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