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Os sambas de 2019 - Série A por Carlos Alberto Fonseca

Os sambas de 2019 - Série A por Carlos Alberto Fonseca
Twitter: @eucarlosfonseca


As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile
Carlos Alberto Fonseca é o apresentador do Carnaval Show na Rádio Show do Esporte, toda quarta-feira às 20h

Veja também o último editorial com a análise de alguns sambas eliminados para 2019

A GRAVAÇÃO - Seguindo a velha filosofia do "em time que está ganhando não se mexe", Leonardo Bessa e sua trupe foram mantidos na produção do álbum da Série A. Em relação aos últimos anos, a grande mudança foi a volta da bateria nas duas passadas e com menos bossas. Outras novidades foram o acréscimo de algumas introduções - poucas, bem verdade - e os sambas bem mais cadenciados, a fim de valoriza-los. É perceptível também que a bateria (não a das escolas, claro) dá o ar da graça durante todo o disco. Os detalhes melódicos com o teclado e os instrumentos de corda como o cavaco e bandolim e o expediente do intérprete revezar o canto com o coral seguem intactos, sendo a marca registrada das últimas produções de Bessa. Num geral, considero um resultado bom e nada além disso. Bem inferior a 2018, a safra tem como destaque a reedição da Unidos da Ponte e as inéditas de Santa Cruz e Porto da Pedra, com Renascer e Cubango no segundo pelotão. - NOTA DA GRAVAÇÃO: 9.8 

1 - UNIDOS DE PADRE MIGUEL - "Teu povo espera um final feliz". O samba cartão-de-visitas do CD traz uma bonita homenagem ao autor Dias Gomes. Mesmo com a melodia não sendo nada de espetacular, a letra tem belos achados. O primeiro nos seus versos iniciais: "Zé... nada muda nessa terra / Continuam as promessas / Pátria mãe da ignorância / Zé… nessa cruz que tu carregas / Pesa a fé do opressor / Fardo da intolerância". Ainda na primeira parte, outro belo trecho: "Mas ressuscita a esperança / Um novo Roque pra lutar / Perdidos a gente não sabe em quem acreditar". A segunda parte mantém a qualidade do samba, destacando os versos finais: "Em “Dias” a inspiração / Mistérios na cena fatal / Realidade ou ilusão? / Carnaval…". O refrão central ("Eu vi o poder cegar a razão / Ouvi a vingança implorar o perdão / Onde há ganância a maldade sobra / Um dia a justiça divina cobra") é muito bom, ao contrário do refrão principal, que é bem fraco, principalmente pelo verso clichê "Ganhar ou perder faz parte" e por rimas forçadas "arte/parte/raiz/feliz". Pixulé faz uma boa interpretação, destacando o cômico encerramento da faixa com o "tô certo ou tô errado?", bordão de Sinhozinho Malta em "Roque Santeiro", um dos grandes sucessos do homenageado. A título de curiosidade: pela primeira vez nos registros oficiais é pronunciado o lema da agremiação - "Aqui se aprende a amar o samba" - que também está na letra. Veremos se desta vez o final feliz da Padre Miguel será realidade. - NOTA: 9.8
 

2 - PORTO DA PEDRA - "Guerreiro e bamba, negro em movimento". A homenagem ao ator Antônio Pitanga rendeu um sambaço, ainda que na disputa houvesse outro ainda melhor. A letra toda em primeira pessoa somada a bela melodia resulta num resultado agradável. Letra, aliás, que tem boas sacadas ao citar os vários trabalhos do artista ao longo da carreira. O ponto alto são seus fortes refrães, destacando o central, com o recurso da repetição do verso "Eu sou Pitanga". Destaco aqui essa bela passagem da segunda estrofe: "Deixei o sol entrar, vivi lindas “manhães” / Meus frutos vi crescer / Rio de Janeiro, de braços abertos, me acolheu / Pra você eu tiro o chapéu, Mangueira / Estação Primeira do meu coração". Gostei da atuação do Luizinho Andanças na faixa, bem como a Ritmo Feroz que, apesar de um tanto "contida" nos anos anteriores, fez uma bossa no refrão central. - NOTA: 10 

3 - INOCENTES DE BELFORD ROXO - "Não é do povo este novo bandoleiro". Repetindo o recurso de 2018 de encomendar seu samba a Cláudio Russo e André Diniz, o samba que narra a lenda de tesouros escondidos pelo bando de Lampião em botijas é totalmente inferior ao do ano anterior. É o samba que fala, fala, fala e não diz nada com nada. Você não consegue entender um nada do enredo. Os versos iniciais "Feijão de corda, na cuia a abrideira / Verso pra muié rendeira e toucinho de fumeiro / Perfume a penca, uma avenca, porcelana / Toda a condição humana no frasco do bandoleiro" é a coisa mais sem sentido que já vi num samba. A melodia é problemática em vários trechos, principalmente na esticada do refrão central ("insano, na vida cigano..."). De volta a escola após estar no desfile vice-campeão da Tuiuti no ano passado, Nino do Milênio prioriza mais os cacos na maior parte da faixa - o "olha o feijão" é de testar a paciência do ouvinte. A se destacar positivamente a introdução da faixa com o forró. No fim das contas, a Caçulinha da Baixada ficou devendo demais. - NOTA: 9.5 

4 - CUBANGO - "Oferendas do meu mundo verde e branco". A verde e branca de Niterói apresenta um bonito samba sobre os amuletos, ainda que as várias mexidas entre as eliminatórias e a gravação do CD foram determinantes para que tirassem um pouco do seu brilho. A cabeça da obra "Vou buscar pra mim a força do seu axé / Menino Babalotim, no sagrado afoxé" é muito forte. Me agrada também os versos seguintes: "Aos pés do morro fiz o meu terreiro / Onde o padroeiro veste a palha em seu altar / Atotô, eu bato cabeça pra Omolu / Neste chão tem pipoca pro santo". Muito mexida, a segunda parte conta o enredo mas sem grandes momentos. Os refrães ("Ê, saurê baiana"; "Ko si oba can, ôôôô") são muito fortes, sendo o ponto alto da obra. Estreante na escola, Thiago Brito fez atuação correta. A título de registro: o samba poderia vir um pouquinho mais cadenciado no disco, pois o andamento imposto deu uma atrapalhada. - NOTA: 9.9 

5 - ESTÁCIO DE SÁ - "Um panamenho estaciano filho seu". As mexidas e a boa interpretação do Serginho do Porto deram um up no samba estaciano, a vista de que nas eliminatórias parecia ser uma obra mediana. Muito pelo enredo ser sobre a festa do Cristo Negro na cidade de Portobelo no Panamá, a letra fica presa a aqueles versos religiosos como "Oh pai, oh virgem Maria / Abençoai seu peregrino em romaria", "Sua graça em comunhão" e similares, mas tem trechos muito, muito bonitos como no começo da segunda estrofe: "Pai nosso da negra tez / Sagrado rei dos reis / Obatalá, rege o palenque em procissão / Devotos clamam em oração". Os refrães são fortes, com ressalva ao "cruz/caminho de luz" no principal. A melodia, toda em tom lírico, não possui muitas variações. Ademais, é um samba agradável, aceitável e melhor do que as obras anteriores da escola do São Carlos. - NOTA: 9.8 

6 - IMPÉRIO DA TIJUCA - "Tem batuque, jongo, capoeira". O enredo sobre o Vale do Café, região formada por quinze municípios do Vale do Paraíba no estado do Rio de Janeiro, dava a impressão de que não daria um bom samba, mas acabou contrariando a lógica, sendo uma grande surpresa. Pode não ser um primor, mas é bem agradável de ouvir. A melodia mescla valentia e lirismo. A letra, mesmo burocrática em alguns momentos, tem algumas belas passagens como no seu trecho inicial terminado no bis "Nego tá cansado, nego tem que trabaiá" e no começo da segunda estrofe: "Ah, passou o tempo, o vale se transformou / A imigrante mágica misturou / Fez renascer a esperança dessa gente". Os dois refrães são regulares e o trecho que antecede o bis princial "Se hoje é agronegócio que traz o progresso / O povo agradece e vem cantar" é totalmente dispensável, pois fica a impressão de ser um samba chama-merchan. Daniel Silva conduz a faixa com correção. A lamentar que a produção do CD não tenha repetido na versão oficial o alusivo com "Jongo do Irmão Café" de Roberto Ribeiro, recurso usado pelos compositores na versão concorrente da obra. Ressalvas a parte, um bom samba da verde e branca do Morro da Formiga. - NOTA: 9.8 

7 - ALEGRIA DA ZONA SUL - "Saravá meu povo, saravá pai Oxalá". Samba com pegada, embora que seja apenas correto. A letra é bem construída mas tem algumas ressalvas, até porque para o enredo sobre a umbanda já esperávamos aquela enxurrada de citações a todas as entidades e a melodia é um tanto que animada, o que foge aos padrões para enredos afro. O refrão principal é um típico "melô do Saravá" pois a palavra é mencionada quatro vezes em um espaço de dez segundos. Destaco os versos que antecedem o bis principal: "Abre caminhos, samborê, sambô rô kô / Somos irmãos, Umbanda é amor / Olha gira girô, olha gira girar / Canta pra subir, vamos saudar". Bem ao seu estilo, Igor Vianna deita e rola na gravação, destacando um caco curioso: "eu adorei as almas". - NOTA: 9.7 

8 - RENASCER DE JACAREPAGUÁ - "Um rio vermelho na espuma do mar". Pelo sexto ano no expediente de encomenda a dupla Moacyr Luz/Cláudio Russo, a vermelha e branca do Largo do Tanque apresenta outro grandioso samba, desta vez para exaltar a festa de Iemanjá no Rio Vermelho de Salvador. Ainda que a meu gosto fique um degrau abaixo das obras anteriores da escola, é um samba leve, de melodia suave e letra muito bem construída. Nas estrofes, destaque para dois trechos na primeira ("Lá vem Gabriela, vestida de conchas / Molhada das ondas, vem da lavagem do Bonfim / Parece um poema do chão de alfazema / Cocada morena, querendo um quindim") e na segunda, a partir do verso "Iê... rosas brancas são pra ela / A dona mais bela, na igreja e no gongá". O refrão central ("A Bahia tem acarajé / Filhos de fé, timbau na ladeira") é bom, mas o refrão principal ("Sou eu, sou eu, marinheiro só / Sou eu, sou eu, mamãe, o seu xodó") é excelente. Também autor do samba, Diego Nicolau faz ótima interpretação, a melhor de todo o disco. A bateria também se destaca pelas bossas que mesclam o ritmo baiano ao samba. - NOTA: 9.9 

9 - SANTA CRUZ - "O negro pode ser o que quiser". Fantástico samba em homenagem a atriz Ruth de Souza vindo de uma escola que há anos estava devendo uma grande obra para o carnaval. O cartão de visitas são os fabulosos versos iniciais: "Dama, meu motivo de rara beleza / Acalanto a sua alteza / A estrela que brilha por nós / Oh, pérola negra! / Jóia que emana a paz / Lapidada nas Minas Gerais / Seu destino: encantar corações". Mais a frente, o que considero o melhor momento da obra: "Talento é dom pra vencer / Preconceito não pôde calar / Foi preciso acreditar / Menina mostra a força da mulher / O negro pode ser o que quiser". A grande sacada do samba são os versos que preparam para o refrão principal: "Brilham Marias, Carolinas de Jesus / Você foi a resistência / E a resistência hoje é Santa Cruz" numa referência ao histórico "Heróis da Resistência" (1990). O bom refrão principal destaca-se pelo recurso do "Ê, Odara ê". Sozinho no microfone da escola após a saída de Quinho, Roninho conduz corretamente, sem comprometer e sendo auxiliado por Xande de Pilares, que faz participação na faixa. Inegavelmente é o melhor samba da Série A, coisa que para a Santa Cruz era bastante impensável até alguns anos, vide as obras irregulares que apresentava. A Zona Oeste reverenciou Ruth de Souza com extrema competência. - NOTA: 10 

10 - ROCINHA - "Essa luta é tanto sua quanto minha". Bem aquém para o enredo sobre o preconceito racial. Tem suas qualidades, até tem trechos bem fortes como "Senhor, a liberdade ainda não raiou / Quem deveria me chamar de irmão / Tem tanto desprezo na alma" e "Não, mil vezes não / Replique a dor que o preconceito / Fere igual punhal / Quando atravessa nosso peito" e tem o refrão central ("Abre a porta da senzala ôôô / Me liberte das mazelas, ê favela / Bananas que a vida dá, a gente consome / Quando a fome apertar, quero ver, quem não come") o seu melhor momento. Fora isso, a letra é apenas descritiva e a melodia tem poucas variações, quase chegando a ser reta. Ciganerey tem atuação um tanto que contida no registro e a bateria foi bem convencional, só usando uma bossa na segunda passada. - NOTA: 9.7 

11 - UNIDOS DE BANGU - "Vem da Zona Oeste esta devoção". Outro samba que tenta descrever o melhor do enredo mas não diz nada com nada, ainda mais com a missão ingrata de falar sobre a batata. A obra é toda repleta de versos clichês que começam na cabeça da letra como "Estende o tapete da história" e "Prepara o banquete da glória". Os mesmíssimos clichês que espalham por toda a letra: "Deus Sol iluminar", "Do seu ventre um novo dia", "Matou fome da pobreza / Foi a cura do mal" e por aí vai. O refrão principal é previsível, com versos que exaltam a escola e mais um verso clichê: "Vamos plantar a paz". Os intérpretes estreantes Tem-Tem Jr e Luís Oliveira e a bateria até tentaram tirar algo de melhor, mas insuficiente para salvar. Enfim, fraquíssimo. - NOTA: 9.4 

12 - SOSSEGO - "Com seu amor azul-sossego". Salva de voltar a Intendente por consequência do não-rebaixamento no Grupo Especial, a lira do Largo da Batalha leva para a avenida mais uma ousadia musical de Felipe Filósofo e seus blue caps. Após o samba sem rima de 2016, o samba-diálogo de 2017 e o samba sem verbo de 2018, agora é a vez de juntar os três expedientes no mesmo samba. A ideia é boa, a conclusão, porém, nem tanto. Apesar de resultar na melhor gravação do CD, o recurso gerou um samba totalmente estranho, de melodia emendada e letra que, apesar dos pouquíssimos bons momentos, é irregular. Os poucos momentos citados que me agradam e merecem destaque são os primeiros versos ("O céu aberto ao som da lira / Orações, linda alvorada / Meu nome Jesus, por que não Santo também? / Bom Deus, por que o ódio no planeta azul?"), o trecho de repetição do verso "A morte em teu nome, uma contradição" e o refrão principal, que apela a repetição do "Ó, meu Deus, piedade de nós". Estreantes como cantores principais, Guto (egresso do carnaval de Nova Friburgo) e Juliana Pagung, ex-cantora de apoio da Mocidade Independente, conduzem corretamente, destacando o diálogo desenvolvido pelos dois durante o samba, de acordo com a construção do mesmo. O arranjo foi caprichado, é bom de se ouvir, mas a nova ousadia é irregular. - NOTA: 9.6 

13 - UNIDOS DA PONTE - "O samba pisa forte no terreiro". Retornando a Sapucaí após treze anos de ausência, a Ponte vai abrir o carnaval de 2019 trazendo de volta a avenida um dos maiores hinos de sua história: Oferendas, originalmente apresentado em 1984, primeiro ano da Passarela do Samba. A obra composta por Jorginho é um assombro de espetacular e a maravilhosa cadência imposta pela produção do disco só valorizou ainda mais. A destacar os fortes refrães, sobretudo o principal, mais cantado e lembrado até hoje: "Axé! / O samba pisa forte no terreiro / É mistério, é magia / É mandingueiro". Lico Monteiro e Tiganá fazem aquela gravação convencional, sem comprometer a obra e demonstrando um bom entrosamento. Meriti volta a passarela do samba com muito axé. - NOTA: 10

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