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Os sambas de 2017 por Victor Raphael

Os sambas de 2017 por Victor Raphael


As avaliações referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile. O colunista optou por não conceder notas.

A GRAVAÇÃO DO CD - Mais um ano chega e mais um CD das escolas de samba do Rio de Janeiro, do Grupo Especial, aparece na minha prateleira, por mais retrógrada que a figura do CD seja nos dias atuais. Mas quem ama carnaval sabe qual é a sensação de tê-lo, mais até do que ouvi-lo. Sobre o CD em si, a gravação mantém o pique dos anos anteriores, porém com maior equilíbrio entre a voz do cantor principal e dos corais, e sobretudo com o volume perfeito da bateria. Nem tão baixa a ponto de não ouvirmos todos os instrumentos e nem tão alta a ponto de abafar a voz dos cantores. Ressalto positivamente o uso discreto de eventuais efeitos, e muito positivamente a atuação dos interpretes das escolas de samba. É um dos melhores anos deles, com total certeza. É o ano do refrão falso também. Vamos aos sambas! 

1 - MANGUEIRA- Não tem a mística de 2016. Porém, ao contrário do ano anterior, Ciganerey está muito mais à vontade na execução da faixa e tira o que tem de melhor nela. O samba tem frases de muito apelo, conta o enredo através de uma emoção e fé do interlocutor. Isso dá uma tônica muito interessante ao samba. O trecho que vai de “Firma o ponto pro meu orixá” até o refrão de cabeça é o ponto alto da obra, que tem, de fato, condições para repetir o arrastão do ano antológico de Bethânia. Ressalva-se o início da segunda que não acompanha a qualidade deste hino.

2 - UNIDOS DA TIJUCA- Dá-lhe Guitarrinha. Um samba moldado para o tipo de desfile que a agremiação do morro do Borel irá fazer. Mas ainda assim, não tem um momento em que você diga que o samba “pegue na veia”. Ademais, em alguns momentos, a sensação de “deja vu” com sambas da agremiação em anos anteriores é indissociável. O trecho “É melodia, música” parece haver um deslocamento da tônica que incomoda um tanto. Para os puritanos, parece ruim, mas eu particularmente curto bastante o refrão do meio com o “Chega my brother”, e será ponto alto da escola quando cantar na avenida.

3 - PORTELA - Um semiabandono dos sambas estilo “de roda” que andaram pela agremiação nos últimos anos, mas uma apresentação soberba e clássica de Gilsinho, que internalizou muito bem a melodia classuda, que me remete a sambas mais antigos, mais melodiados, que os compositores quiseram imprimir na obra. O início com “Vem conhecer esse amor a levar corações através dos carnavais” é muito agradável aos ouvidos. A letra é ambígua, fala do enredo, mas fala muito de Portela, coisa de escola tradicional, e totalmente justificável. O samba mantém os três refrãos, mas creio que a terceira repetição não seria de toda necessária, essa, quase um estribilho. 

4 - SALGUEIRO - Ouço o samba, sobretudo a passagem do final para o refrão de cabeça, e me vem uma pegada muito típica dos sambas paulistanos, com essa saída em menor para entrar no refrão com uma pegada mais agressiva. O samba tem uma pegadinha de letra no refrão do meio muito por conta de um hábito popular: batalho para cantar "do jeito que o PECADO gosta", e não o DIABO. Coisa que com próximas audições se corrigirá. Com o refrão principal, que não é um refrão de fato, ele parece carecer de um pouco mais de força. Nota positiva para o trecho de melodia que se inicia em “quero o gostoso veneno do beijo”. No “três com sagrados talentos”, o jogo de palavras não era necessário, a grafia “consagrados” daria entendimento semelhante.

5 - BEIJA-FLOR- A Beija-Flor promete ousar muita coisa nesse carnaval e começa pelo seu samba enredo. Há tempos não via essa pegada noventista na agremiação, com direito a Juremês, Amerês e Anamás. O samba foi gravado em um andamento muito cadenciado, quando, no meu entendimento particular, poderia ser melhor explorado o potencial explosivo do samba com o andamento da bateria mais à frente. A segunda do samba tem o famoso “clima” que retrata melodicamente exatamente o que a letra quer passar, fato um tanto quanto raro. Mesmo com o refrão bem comprido para os padrões, o samba e inegavelmente gostoso de cantar. Para todos.

6 - IMPERATRIZ - Manteve o estilo dos últimos sambas da escola, com uma letra longa e melodia rebuscada. O samba conta com grandes trechos, como o “sou um filho esquecido no mundo”, de letra muito bem construída. O samba da Imperatriz, como em anos anteriores, tem momentos que ele pede para acabar e não acaba. Para uns é falha, para outros é um charme a mais na obra. Arthur Franco, considerado incógnita por muitos, segura muito bem o canto e faz sua estreia no CD do Especial em boa forma. Detalhe para o andamento e convenções conservadoras da bateria da Imperatriz, escondendo o jogo para o desfile.

7 - GRANDE RIO - A grande surpresa do CD. O samba cresceu muito, foi trabalhado com primazia para a voz de Emerson Dias, que tem a sua melhor interpretação no CD desde que assumiu o microfone principal da Grande Rio. Ivete Sangalo participa do áudio com sua potente voz, e a obra em si é muito correta, mesmo que conte com trechos sem tanto brilho, como o início da segunda parte, mesmo precedida por um momento alto da obra que é o refrão do meio. O final do samba por mais que seja em tom alto carecia de um fechamento de maior qualidade para desembocar no refrão pula-pipoca que promete sacudir a Sapucaí, até mesmo pelo apelo da homenageada. Ainda assim, é muito agradável ouvir a faixa da Grande Rio.

8 - VILA ISABEL - Igor Sorriso no auge da voz. Um samba da melhor qualidade, pronto para entrar na galeria dos melhores do povo de Noel, andamento correto da bateria, convenções milimetricamente posicionadas em comunhão com um enredaço. A gravação é espetacular para aquilo a Vila pretende passar. O samba dá vontade de sair cantando de peito aberto, e trechos específicos como o “Ginga no Lundu” e o início do samba com “A minha Vila chegou!” são especialmente bem construídos. Tem todos os componentes para uma grande performance na passarela do samba.

9 - SÃO CLEMENTE - Outra escola que ousou na escolha do samba. Preferiu uma obra exatamente com as características que a Portela se afastou um tanto este ano. O samba tem uma qualidade irretocável: conta o enredo, com rimas e sequencia lógica perfeita, algo muito difícil no gênero. O enredo provoca esse apontamento e os compositores cumpriram com maestria nesse ponto. Leozinho Nunes canta com muita qualidade uma obra difícil de se achar o ponto certo entre cantar com a animação necessária, casando com uma certa sisudez melódica. 

10 - MOCIDADE - Samba de melodia sinuosa e extremamente rebuscada. Letra que faz uma certa subversão ao enredo, trazendo elementos do Marrocos para o convívio da Mocidade. Wander Pires retorna à escola, e parece que aquele jeito menos enfeitado e mais cantado nota em cima de nota na obra retornou com ele, que faz uma exibição exuberante, quiçá a melhor do CD. Não gostei da chamada “Brilha o Cruzeiro do Sul” antes do início do samba, mas isso não tira o brilho da gravação e do samba em si. Ressalto os trechos “Minha Zona Oeste comovida de paixão” e “Vadeia... mistura alaúde com ganzá”, que são simplesmente sensacionais e casam certinho com o estilo da bateria da Mocidade

11 - UNIÃO DA ILHA
- A gravação, com a já conhecida excelência de Ito Melodia, fica ainda mais interessante de ouvir, pois é o samba gravado com o maior “clima” de início de desfile, com a entrada do coral antes do cantor principal. O samba tem refrãos muito fortes, e uma melodia na primeira e segunda que sustenta bem. A letra conta com correção o enredo, com muitos termos afro. Essas partes acabam um tanto ofuscadas pelo grau de envolvimento que os refrãos provocam ao cantar. O “Eh, é no Girê” promete “pegar” na avenida.


12 - PARAÍSO DO TUIUTI - Wantuir é um cantor que merece alvissaras, pois o samba que venceu o concurso sofreu uma modificação ao ser cantado por ele. Não que ele tenha se tornado excepcional, mas há uma polidez melhor no encaixe dos versos que melhora a obra num todo, isso não impede que se repare na falta de apelo do refrão, e de uma melodia que por vezes tende a “amornar” o samba. Tudo aquilo que foi necessário fazer para dar mais tempero ao samba, a produção do CD, os músicos da escola e o cantor fizeram. O resultado é que o hino da Tuiuti tem um desempenho melhor do que na sua fase de concorrente.