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Os sambas de 2016 por João Marcos

Os sambas de 2016 por João Marcos


(Obs:  para quem não está acostumado com o padrão de notas, no meu padrão, acima de 7,0 significa que o samba é bom. E para tirar 10,0, um samba tem de estar no nível de "Aquarela Brasileira" ou "Os Sertões". O Sambario é um site de crítica de Samba Enredo, as notas são comparativas com a dos sambas de todos os anos, e o julgamento é com base na faixa do CD, não levando em consideração os critérios do júri oficial dos desfiles).

A GRAVAÇÃO DO CD: Muito se comenta sobre a melhor qualidade da safra de 2016. É perceptível, pelo menos em metade dos sambas, uma maior preocupação com as letras, numa tentativa clara dos compositores de fugir de soluções banais e rimas fáceis, sem, no entanto, entrar naqueles rebuscamentos sem sentido de anos anteriores. Isso é positivo. No entanto, parece que alguns sambas também passaram a ficar complicados demais, e tem "barrigas" evidentes, com muita letra e pouca melodia – não estou falando de problema de métrica, mas que alguns sambas estão "enchendo linguiça". Não é o número de versos em si, nem o tamanho da passada. São os caminhos melódicos – é quando a melodia pede o encerramento, pede a conclusão, pede a entrada de um refrão... e o samba continua! A coisa parece não ir a lugar algum! Mesmo em dois dos sambas destaques da safra – Imperatriz e Mangueira – há momentos em que isso fica claro. Outros sambas, como o da Vila Isabel, são até dificeis de decorar tamanha a complexidade, os versos longos a mais tirando a força do todo. É uma discussão complexa, que as vezes é mal colocada pelos críticos – quando a gente pede que os compositores não se fixem naquela estrutura de dois refrões e duas partes, não é mera contagem de versos. É buscar outros métodos de fazer samba, porque foi a repetição dos caminhos melódicos que fizeram as estruturas dos sambas se repetirem. Agora, se você usou os caminhos melódicos de sempre, e a melodia em determinado momento está pedindo o refrão, COLOQUE O REFRÃO. Não faça o refrão falso, não enrole para entrar com o refrão mais adiante, simplesmente faça o que a melodia está mandando. A questão não é matemática, de ficar contando versinhos, até porque disposição de palavras no papel é o de menos – o mesmo samba pode ficar com 20 versos ou 50 versos dependendo da forma como você escreva as palavras no papel. Mas por conta do caminho da melodia, o ouvido percebe a "barriga" melódica, sente falta do refrão, sente a queda da melodia, e isso muitas vezes está sendo feito apenas para agradar o chato da internet (aquele que acha que todo samba tem de ser em tom menor e com letra rebuscada, e diz que "Peguei um Ita no Norte" é uma marchinha safada). O "sentimento" do samba, que vai além do número de refrões,  é o que o separa o joio do trigo, e isso independe do número de versos. Ter quatro ou cinco refrões, um anulando o outro, não significa nada. Ousadia estrutural, tipo fazer samba sem rimas e também sem nenhum gancho, ou não colocar um refrão do meio (ou enganar com isso, fazer a melodia do refrão, mas com letra diferente no que seria o bis) não é ousadia, e só serve para tapear os formalistas bobões. Se você quiser entender o que eu estou falando, é só pegar um "Aquarela Brasileira" e tentar tirar alguns versos – é impossível, fica sempre a sensação de que está faltando algo. O samba da Vila Isabel do ano passado, um dos poucos sambas atuais em que a melodia justificava a ausência do refrão do meio, ficou estranho com o refrão enxertado. Agora, tem alguns sambas da safra atual que se você tirasse alguns versos, melhorariam, ganhariam pegada e sentimento. Esta é a minha percepção quanto a estas obras. Por outro lado, há também um segundo grupo de sambas, que contrasta em relação a estes mais trabalhados e estaria bem mais adequado aos grupos de acesso, principalmente na Intendente. É como se os sambas se dividissem em apenas duas formas de fazer, um querendo ser cerebral demais, e outro representado pelas rimas do refrão de cabeça da Grande Rio, que parece gerados por algum programa de computador achado no Google tamanha a generalidade. Falta no CD outros estilos, e aí vem a nossa parcela de saudosismo anual – cade aquele afro pesadão? Cadê o samba irreverente metendo o pau no governo? Cadê o equivalente ao "tem bumbum de fora pra chuchu"? Cadê aquele samba mais expressionista ou abstrato? Cadê aquele samba com um sentimento de singeleza, com os da Unidos da Ponte dos anos 80? Cadê o samba mais para baixo, com um intérprete de voz grave e melodia melancólica? Ano que vem, só teremos sambas sertanejos? A diferença das grandes safras do passado para esta é justamente a falta de diversidade – é como se todo mundo optasse ou pelo samba fácil ou pelo samba pretensioso para falso intelectual. E a produção, apesar de estar mais cuidadosa com os arranjos, ainda padroniza demais para tentar dar o efeito de "ao vivo", deixando que as faixas fiquem densas e barulhentas. Enfim, é um CD melhor do que o de outros anos? Sim, em parte, mas ainda acho importante apontar esses aspectos para não gerar ainda mais acomodação, que infelizmente é uma característica presente nas nossas escolas. NOTA: 5,5.

BEIJA-FLOR - O samba é muito prejudicado pela proposta do enredo. Ao contrário da Imperatriz, que usou a figura do Marquês de Sapucaí apenas como um fio condutor para falar do "palco do meu carnaval", a Beija-Flor resolveu fazer um enredo biográfico. Só que o homenageado não teve uma vida lá muito interessante, a ponto do Wikipedia colocar como uma de suas realizações o fato de que ele "referendou a lei que dava aos senadores o solene tratamento de 'Sua Excelência'". A sinopse basicamente reproduziu os poucos fatos biográficos mais ou menos relevantes encontrados, e o samba é fruto disso, sendo tão burocrático quanto a sinopse. Não aprenderam nada com Boni? A parte em que o homenageado atravessa o mar para se tornar bacharel – quantos homenageados na história do carnaval tiveram exaltado o fato impressionante de... ter uma faculdade? E no samba, isso ganhou quatro versos! A letra não busca alternativa alguma para expressar a tediosa biografia do Marques, e quando tenta, ao final, fazer a conexão com a Avenida Marquês de Sapucaí, vem o infame "herdeiro verdadeiro de Ciata", que é uma forçação de barra terrível, sem contar que fica confuso e, tomado literalmente, é um erro histórico gravíssimo. Enfim, o único toque positivo na composição foi entender que o enredo não tinha qualquer sentimento e recorrer aos clichês relativos aos versos de identificação com a escola – no caso, utilizar partes do hino, chamando a escola de "soberana", "de fato nilopolitana" para tentar agradar o componente. Geralmente, este recurso é mal utilizado e fica forçado, mas aqui era a única forma possível de trazer qualquer emoção ao samba. Quanto a melodia, é redondinha, porém sem grandes momentos marcantes. Enfim, é um samba pragmático ao extremo e muito, muito fraco, apesar de ter sido o melhor de uma disputa horrorosa. Não sei sinceramente o que é pior – com um personagem insosso, é melhor exagerar na emoção, como no samba do Boni, ou seguir a proposta inodora da sinopse? A Beija-Flor, neste quesito, não vem sendo muito feliz nos últimos anos, e este aqui amontoa grande parte do que tem sido apresentado de errado nos últimos sambas da escola. NOTA: 6,8.

SALGUEIRO – Tecnicamente, é o melhor samba do ano, e só não recebe a nota mais alta porque, apesar de belíssimos momentos, não tem um trecho que me emocione, como os refrões de Mangueira e Imperatriz (mas o do meio do Salgueiro quase fez isso, e é excelente). A vantagem é que ele não tem as "gordurinhas" dos sambas citados. Os intérpretes tiraram a única coisa que me incomodava na versão concorrente, que era a ênfase muito grande do batuqueiRÔ / salgueiRÔ. Agora, ficou bem mais agradável. A letra é muito bem feita, o samba tem variações lindas de melodia, o enredo está claríssimo sem ser burocrático. É o melhor samba da escola nos últimos dez anos, pelo menos. NOTA: 9,1.

GRANDE RIO – O samba é simpático para um enredo estranho. Gostava mais da versão concorrente, cantada pelo Quinho, que tinha umas sacadas interessantes, como a chamadinha em forma de caco do início (nesse mar, nesse mar... nesse mar de alegria) e as várias repetições de verso do refrão do meio, que davam um clima mais arrojado à construção. O corte das repetições no meio prejudicou a fluidez do verso "é saboroso, todo mundo botou fé". A melodia é interessante, apesar deste probleminha de métrica, e do verso do "peixe, o orgulho da vila" – o problema ali não é a corridinha, que é um recurso legal quando bem usado, o problema é que a letra fica embolada, parecendo que se canta 'peixorgulho', porque o cantor tem de cortar sílaba para caber na frase musical. A letra é que tem muitos momentos de extrema pobreza, a primeira parte com excesso de rima em -ar (e é importante ressaltar que samba deve rimar, o problema é quando o excesso de rimas na mesma terminação chama a atenção e parece forçado, como é o caso). A parte sobre o Santos F.C. e seus atletas também é bem genérica. Quanto a questão das rimas clichês o emoção/coração do refrão, por exemplo, não tem qualquer função dentro do samba, é só uma rima para completar o verso. Já o magia/alegria do fim do samba, que é clichê também, tem uma função, fazendo menção ao bordão do Neymar. O enredo sem foco acabou ganhando direcionamento no samba, o que deve ser ressaltado e valorizado. NOTA: 7,3.

TIJUCA – O samba da Tijuca é um exemplo de como os melhores sambas deste ano estão bem trabalhados. É de longe, mas de longe mesmo, a melhor letra de samba do ano. Chega a ser impressionante de tão boa. E a sinopse era relativamente difícil, principalmente quando entrava na parte do agronegócio, "plantio direto na palha" e outras coisas bem complexas, que a letra só toca por alto, opção muito feliz dos compositores. A melodia tem variações extremamente arrojadas. Talvez não tenha me emocionado tanto por seguir a proposta do samba "sertanejo" que já tinha sido explorada no "Festa no Arraiá" e nos diversos concorrentes da Imperatriz, que foram divulgados bem antes – e aí entra o grande problema, que não é culpa dos compositores, mas da escola, de querer seguir um modelo vitorioso. Acaba fazendo com que ocorra uma tentativa de repetição de sentimentos. As escolas não entendem que aquela surpresa inicial, de uma forma de expressão diferente, não se repete com a repetição da proposta. Espero que essa epidemia de "samba sertanejo" não se torne uma praga nos próximos anos. A sinopse claramente pedia um samba nesta linha, é bom que se diga, não sendo culpa dos compositores. A minha única restição a esta belíssima obra é a intensidade – talvez pela letra possuir versos bem longos, a melodia tenha poucos momentos em que se solta, um deles, no início do refrão do meio. Sinto que em alguns momentos falta aquele "espaço" melódico, um respiro, a sílaba esticada, alguma coisa para aliviar tamanha intensidade. Mas é um dos melhores sambas da escola, talvez o melhor desde "Agudás". Qualquer nota abaixo de dez do júri oficial terá de ser muito bem justificada. NOTA: 8,8.

PORTELA – Depois dos últimos anos, onde a Portela se destacou muito em matéria de sambas, a impressão que se tem é a de que foi dado um passo para trás com a escolha desta obra. A escola era a 'diferente' e agora apresenta um samba comum, apesar de bem trabalhado. Muitas coisas me incomodam na obra – os refrões de meio que simulam o estilo dos sambas dos anos anteriores, mas sem a mesma força, principalmente o do "mais além", porque parecem destoar do resto da melodia, que segue outro caminho; o "voar nas asas da poesia", remetendo ao início do samba de 1976, mas que parece mais falta de criatividade do que uma referência ou homenagem; o "abre a janela, pro mundo que Paulo criou", que apesar de ser justificado com Paulo da Portela, dá a impressão que é uma referência ao carnavalesco da escola. Mas o que mais me incomoda mesmo é o refrão no estilo "é melhor respeitar" – não tem cara de Portela, é gratuito, sem qualquer ligação com o enredo, totalmente dispensável. O resto da letra é bem simples, uma opção válida para um enredo complexo e mais visual do que narrativo. O samba é agradável apesar de tudo, e parece ter sido feito com carinho. Tem trechos bonitos como o "quisera ir ao infinito", que tem uma chave melódica bem bacana, e talvez apontasse um caminho mais interessante e um sentimento que se tivesse contaminado o restante da obra agregaria valor artístico. Falta o algo a mais e uma maior preocupação com o sentimento do todo do samba, algo que vai além do 'é melhor respeitar' e similares. É bom, mas foi supervalorizado demais na época das eliminatórias. NOTA: 7,9.

IMPERATRIZ – É o samba que mais emociona, o que tem mais momentos inspirados, apesar de ligeiramente inferior ao do ano passado. O refrão de cabeça é lindíssimo. A virada melódica do "Minha terra" é coisa de craque, e a referência à música "É o amor" no final, unindo com o amor à Imperatriz, é de um felicidade tremenda. A primeira parte, a partir do "no amanhã hei de colher" quase mostra uma gordurinha, mas o encerramento mais abrupto com "dourada serra que reluz no meu Goiás" faz um efeito interessante. O samba vai muito bem até quase chegar ao final – o trecho a partir de "Festa, tem carvalhada e romaria" tira um pouco da fluidez do samba, é pesado em relação ao todo e se os compositores tivessem feito esta parte de forma mais sintetizada, talvez a variação para a explosão do "É o amor" ganhasse mais força. É aqui que a gente sente a 'barriga' do samba. Este finalzinho, coincidentemente a parte que mais trata dos homenageados, é o que impede o samba de ser um gol de placa. No entanto, é o melhor do ano. NOTA: 9,2.

MOCIDADE – O enredo bem difícil de explicar da Mocidade complicou o discurso poético do samba. Os compositores até passaram a ideia geral, mas em alguns momentos, o samba fica sem sentido. "Louco, apaixonado", vem seguido de "voar, sem limites sonhar". Qual a ligação? Quem é o louco? Quem vai voar? "Desperta Cervantes" – o louco é Cervantes? "Do sonho infinito que a luz da estrela vai guiar" – ele vai despertar de um sonho que a estrela vai guiar? Que diabo é isso? "Quixote cavaleiro delirante / avante! Moinhos vamos vencer / errante acerta o rumo da história" – passa da terceira pessoa do singular para a primeira do plural e depois exclui o ouvinte da narrativa de novo. A letra tem outras bobagens como o "'ser tão' conselheiro", o ridículo trocadilho com a palavra sertão que vem atormentando todos os sambas sobre nordeste dos últimos anos, o "lançando jatos de felicidade" que está totalmente solto na letra e é de uma feiura impressionante. Enfim, a letra é complicada, mas a melodia é agradável e os refrões interessantes, principalmente o de cabeça, que tem um recurso interessante, o último verso do refrão servindo de preparação para o bis, que tem uma divisão diferente na repetição. Também gostei do encerramento, o verso final rimando com o primeiro do refrão em vez da rima estar resolvida dentro da segunda parte. Mas a sensação é de que os compositores da Mocidade, há muito tempo, estão com dificuldade de encontrar o sentimento certo nos sambas da escola. NOTA: 6,9.

SÃO CLEMENTE – Para uma sinopse densa, com alto teor histórico, o oposto – a São Clemente, que não consegue dar um passo para frente em matéria de sambas, escolheu mais uma obra que só quer ser leve e irreverente. Porém, diferente da maioria dos sambas anteriores da escola, este tem alguns problemas gravíssimos de construção. Para começar, na primeira parte, o samba parece que tenta rimar, tenta rimar... e não consegue. A melodia pede a rima, não há sequer esboço de rima interna, e a rima só chega quase no meio da primeira parte - "na feira, em cena a arte/.../espalha por todas as partes" Inclusive, duas observações – primeiro: a expressão usal seria "por toda parte", que  fica bem menos estranha que o "todas as partes"; dois: espalha por todas as partes / sorrisos pela multidão -  ou "espalha por todas as partes" ou "espalha pela multidão", os versos juntos estão sem sentido. Aí vem: "suspense! O show começou!" Se o show começou, qual é o suspense? "Montado na felicidade, surge o palhaço!" - quem leu a sinopse, sabe que é por conta de uns palhaços que vinham montados em cavalos, mas sem o auxílio dela, o verso é feio e pobre poeticamente. Vem o refrão do meio, e o "Bravo, a platéia pede bis" é muito similar ao bravo do verso final do refrão do "Tem bububu no bobobó". A última parte do samba, então, é um festival de versos soltos - "acorda! Esquece a tristeza e vem cantar / "pelo telefone" mandaram avisar" – avisar do que? E aí vem o "Palhaço o que é?" que é o final do samba E TAMBÉM A ENTRADA DO REFRÃO, ou seja, se repete três vezes, sendo que não há qualquer efeito que justitique isso melodicamente. O samba é fraquíssimo, não conta a sinopse, enfileira clichês circenses (e o enredo é o palhaço histórico, não o palhaço circense) em versos soltos, com escolhas poéticas duvidosas. A letra não é digna de samba de escola que se apresenta na Marquês de Sapucaí, muito menos no Grupo Especial. Tecnicamente, é o pior samba do ano no grupo. NOTA: 6,2.

UNIÃO DA ILHA – Este é o típico samba que os fóruns de carnaval odeiam, mas que tem o seu valor. Em um enredo como este, não tem como ser rebuscado, fazer samba em tom menor, poético – não é isso que a escola precisa. E que bom que algumas escola ainda fazem coisas diferentes disso, porque a diversidade de estilos é fundamental para não tornar as safras tão cansativas. Na melodia do samba da Ilha, p.ex., os compositores acertarem em cheio o clima do enredo, e o enredo está cristalino como água na letra. A opção de fazer do eu-poético a própria Cidade Maravilhosa é ousada e interessante e não fica forçada. O samba tem a alma carioca. Alguns recursos já utilizados em sambas anteriores da escola, como no refrão de cabeça, acabam deixando um ar requentado em algumas partes – p.ex., o Ilha... razão do meu viver" é igualzinho ao "não é brinquedo não" de anos anteriores. Em alguns momentos, a letra fica um pouco preguiçosa, com rimas previsíveis, mas o samba é tão redondinho, simpático, gostoso de ouvir, e tem um clima tão gostoso que simplesmente desqualificá-lo pela falta de pretensão é puni-lo pela sua maior qualidade. Um pouquinho de capricho em algumas partes e poderia ter ficado melhor ainda. NOTA: 7,7.

MANGUEIRA – O refrão de cabeça da Mangueira é o grande momento do CD. É simplesmente maravilhoso, emocionante, forte, passa emoção, chama o povo, tem uma variação melódica fantástica em "Quem me chamou, chamou pra sambar" e a repetição de "Não mexe comigo que eu sou a menina de Oyá" dá um efeito maravilhoso (P.S. O refrão do Império da Tijuca, no acesso, também tinha esta repetição, que infelizmente foi cortada e tirou força do refrão, que era o que salvava o samba escolhido). A primeira é muito boa, apesar de eu ter restrições aos versos "Fiz um pedido pro Bonfim abençoar / Oxalá, Xeu Êpa Babá!" quanto a melodia, acho que fez o samba perder o momento. Felizmente, os versos seguintes recuperam o clima e fecham bem a primeira. O refrão do meio é simples, mas funciona bem. O samba se perde um pouco na segunda, muito longa – acredito que o problema foi a forma como a sinopse foi escrita, dando muita ênfase ao começo "afro" da escola, e depois despejando direto informações sobre a vida de Bethania, o que fez com que os compositores tivessem dificuldade de equilibrar as partes. As "gordurnhas" aparecem aqui, principalmente no início da segunda (o "Sonhei que nessa noite de magia / Em cena, encarno toda poesia", mesmo sendo um ponto de explosão, é totalmente dispensável, p.ex.). Apesar dessa poucas observação, o samba é excelente. NOTA: 9,0.

VILA ISABEL – No "Festa no Arraiá", era impressionante como os diversos estilos dos compositores da superparceria da Vila estavam presentes, bem identificáveis e não se chocavam, formando um mosaico interessante. Desta vez, no entanto, a união de estilos não funcionou. O samba parece uma reunião de retalhos. O todo do samba é menor que a soma das partes. Explico: o samba tem trechos ótimos, mas parece que um vai anulando o outro. Ficou complicado e confesso que levei tempo para decorar tudo, principalmente por conta da primeira parte, e senti que a internet carnavalesca, por conta do nome dos compositores, fez força para se acostumar com o desconjuntado samba. O resultado não é ruim, mas é confuso, e só não é pior porque a interpretação exuberante de Igor Sorriso clareou algumas divisões. Uma coisa que me chamou atenção é que, desta vez, ficou nítido que os momentos mais inspirados da obra tem a cara de Andre Diniz, e as partes com o jeito de Martinho, que não consegue ir tão bem com sambas densos, acabaram derrubando o todo. Trechos como o "Com ternura me chamavam Pai Arraia / Onde os arrecifes desenham a praia", que é lindíssimo, ou o espetacular refrão de meio "Pra fazer a cartilha no cordel / Ensinar, abraçar a profissão/ Buscando na arte a inspiração" compensam momentos menos inspirados. Lamente-se o insípido refrão de cabeça, as rimas forçadas, como a de "soluções reais / intelectuais" e a melodia, que não me convence de jeito nenhum. A densidade da primeira é um desafio para qualquer harmonia. É um samba que até pode funcionar, apesar de ser complicadíssimo, mas acredito que desta vez, os compositores erraram um pouco a mão, apesar de ser um samba  respeitável. NOTA: 7,6.

ESTÁCIO – O samba da Estácio é bom, mas sinto que faltou um pouco de sentimento na melodia. Trata-se de um samba sobre São Jorge, santo de devoção de quase todos os sambistas por conta do sincretismo, e a impressão é que a melodia, por conta da besteirada da história de que a escola vai abrir os desfiles e precisa de um samba mais "pra frente", não investe muito na fé do componente. Faltou alma, devoção. Talvez a bateria muito acelerada na gravação tanha prejudicado os refrões, que são o momento em que os compositores ainda tentam buscar algum sentimento. As partes, por sua vez, são meramente descritivas, apesar de bem trabalhadas. O começo da primeira é bem interessante, mas tem uma quebra de clima com o verso "vou seguir na missão", cuja variação melódica é um tanto confusa. Alguns versos no final da primeira, e isso fica claro em "enfrentou desatino do imperador", tem de fazer uma pequena ginástica melódica para caber na métrica, o mesmo ocorrendo no final da segunda. É impressionante encontrar estas pequenas "barriguinhas" em um samba tão curto. Também não gostei muito da fusão das vozes dos intérpretes na faixa – basicamente, ouve-se a voz de Leandrinho e os vibratos do Wander. Enfim, é um samba que, pelo tema abordado, oferecia oportunidade para os compositores fazerem algo ben melhor. O resultado é até razoável, mas ficou burocrático demais, muito próximo de alguns sambas que não chamam atenção e aparecem constantemente em escolas de meio de tabela no Grupo de Acesso. NOTA 7,2.

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