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Os sambas de 2013 por João Marcos
As avaliações referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile A GRAVAÇÃO DO CD – A produção segue a receita dos últimos anos, apenas adicionando mais efeitos sonorosos, como os tecladinhos na faixa da Tijuca, as guitarras da Mocidade e os relinchos da Beija-Flor. A safra é que é muito mediana – os enredos inusitados fizeram com que os compositores optassem por soluções pouco ousadas, gerando sambas em geral corretos, mas sem grandes destaques. É tudo meio morno. Os melhores sambas são de Portela e Vila e deve ser destacado o bom desempenho de praticamente todos os intérpretes. GRAVAÇÃO: 7,0. UNIDOS
DA TIJUCA – É um samba pragmático, como pede
o enredo. Quem leu a sinopse sabe que o tema era complexo,
difícil para o compositor. E a letra deste samba é
competente ao seguir o direcionamento artístico do carnaval da
escola. A técnica de enumerar os diversos tópicos de
forma genérica, só especificando os momentos mais
importantes (que são os que terão alegorias, como a parte
da floresta, p.ex.) acaba fazendo com que a letra não passe
muito bem o que é a Alemanha encantada, mas ao mesmo tempo evita
versos “trash”. Evidentemente, há um deslize aqui e
ali – o final da primeira, com seu “Balança o
povo, embala a emoção / E mexe com meu
coração”, traz uma rima pobre, sem contexto na
sinopse, e versos sem qualquer função dentro da obra a
não ser preencher espaços vazios. Mas até
aí, nada demais. A melodia é que eu acho muito chapada,
sem ginga e quadradona, apesar de algumas tentativas de
variações, como no “Tijuca... Querida...
Razão da minha vida”
ou no “Da vida ao motor... ao girar”. No concorrente
e no vídeo do coral, existiam partes em que a melodia estava
claramente indefinida, e que foram bem enfrentadas pelo
intérprete Bruno Ribas, apesar de ele não tem solucionado
de forma convincente o maior problema de todos, os versos ”Seres,
magia do meu carnaval / Pela floresta surge um olhar”. O
samba seria bem discreto se não fosse a boa sacada do
refrão de cabeça. Enfim, faixa morna, com a cara da
safra. NOTA: 7,8.
SALGUEIRO
– Um samba com boas variações melódicas,
seguindo o modelo adotado pela escola desde o samba sobre o Rio de
Janeiro. Aliás, o espírito dele é bem semelhante
ao do samba do Rio no Cinema, e tem problemas parecidos, principalmente
na primeira parte em termos de métrica, com versos longos que
não cabem na melodia. Não gosto especialmente da entrada
da primeira, que ficam sem rimas definidas. Os refrões, tanto o
de cabeça como o do meio, são excelentes. A segunda
é bem construída e achei interessante a
participação do Xande do Revelação, que tem
um estilo de cantar samba-enredo parecido com os cantores de São
Paulo e deu um molho diferente na faixa. A letra me agradou muito,
passando um enredo inusitado com clareza através de versos bem
humorados. NOTA: 8,2.
VILA
ISABEL – O Dream
Team de
compositores da Vila Isabel fez uma obra que, sem sombra de
dúvidas, deu certo. É um ótimo samba, gostoso, com
letra singela, que passa bem o clima do enredo. Sem invencionismos, sem
bobagens. O refrão do meio é espetacular. Faço
ressalvas ao início da segunda – é óbvio que
a ideia ali é jogar um pouco mais para baixo para depois vir o
“grand finale” – não é um erro,
é opção estética, porém acho que a
dose foi um pouquinho maior do que a necessária. Talvez o ideal
fosse fazer algo mais próximo do esquema da primeira parte, que
inicia forte, cai um pouquinho para depois entrar o “É
a lida” rasgando. Na letra, também não gosto da
enumeração de verbos no infinitivo em “Preciso
investir, conhecer / progredir, partilhar, proteger”.
Analisando as características dos compositores, é bem
claro que há certo predomínio do estilo de Arlindo Cruz,
o que foi bom para a obra por ele ser o meio termo entre a
dolência e a ginga de Martinho e a explosividade de André
Diniz. Bola dentro. NOTA: 9,5.
BEIJA-FLOR
– A opção de contar um enredo sobre cavalo em
primeira pessoa foi uma aposta arriscada. Sambas em primeira pessoa
trazem o componente para dentro do enredo, facilitam o compositor a
colocar uma letra mais valente e geralmente são bem aceitos. O
problema é que sendo o enredo sobre cavalo, não tem como
você deixar de ter versos “trash”, como o
próprio “Sou Mangalarga Marchador”, “Sou
puro Sangue Azul e Branco”, “Café me fez
marchar”, “Acreditar que fui a raça escolhida”,
e vários outros de gosto duvidoso. E o problema é que
é um samba pretensamente sério. A melodia flui bem, com
vários pontos de explosão, apesar de eu não gostar
dos dois refrões – não sei a razão, mas toda
vez que eu escuto “Sou Mangalarga Marchador” tendo a
cantar em seguida “Sangue de Rei, comunidade!”.
É uma melodia muito parecida com a de outros 500 sambas.
Além disso, os dois versos finais dos refrões de
cabeça e do meio tem a exata mesma melodia. O resultado é
o pior samba da escola em muitos anos. NOTA: 7,3
GRANDE
RIO – Marcha muito alegre e bem feita, com vários
pontos de explosão. Gostei muito do refrão de
cabeça curtinho, grudento, difícil de esquecer. A letra
não é poética, até porque o enredo
não pede isso, e tem uma grande façanha de transformar
uma bandeira extremamente antipática como a luta do Rio pela
não distribuição dos royalties do petróleo
com os demais estados da federação, em um samba leve, sem
o humor azedo que a Caprichosos muita vezes trazia nos seus enredos
políticos, como o “Brasil com Z Jamais” e o
“Ajoelhou Tem de Rezar”. Mas tem alguns
pecados, como o trashíssimo verso “Hoje vou
mergulhar... profundo” – você mergulha
profundamente, “profundo” é o mar. Além
disso, mais uma sequencia de versos no infinitivo “Que faz
crescer, impulsionar / conhecer, multiplicar. Apesar disso,
é um momento diferenciado do CD e mostra que samba bacana
não precisa ser palavroso nem ter a intensidade de cinema
europeu. NOTA: 8,4.
PORTELA
– O melhor samba do ano, inclusive superior ao
“Madureira sobe o Pelô” – é mais gostoso
de ouvir, mais técnico, mais gingado. Passa o clima de
Madureira, das pessoas, dos lugares, das histórias, tudo com
muita beleza e singeleza, de forma contagiante. É um samba que
une o passado e o presente e mostra um belo caminho para o futuro dos
sambas-enredo. E,
diferente do ano passado, gostei das modificações em
relação à versão concorrente. Gilsinho
dá um show de interpretação. Concorrente direto ao
posto de melhor samba-enredo do novo milênio. Um massacre. NOTA:
10,0.
MANGUEIRA
– Cuiabá não é um enredo com o mesmo apelo
emocional que os demais da gestão de Ivo Meireles, mas gerou um
samba sem grandes problemas. A letra é boa, passa o enredo de
forma clara. O ponto mais fraco é justamente a melodia, que
não tem variações marcantes, salvo no bom
refrão de cabeça. O refrão do meio, por sua vez,
é um dos mais fracos da safra 2013. E a tentativa de
variação em “Cidade formosa…
verde… rosa” soa forçada e vazia. O destaque
é a chegada de Agnaldo Amaral, intérprete de São
Paulo, que mostrou muita personalidade na faixa. NOTA: 8,0.
ILHA
– É simplesmente incompreensível a
perseguição que a internet carnavalesca vem fazendo a
este samba. É um destaque da safra e só é inferior
aos sambas da Portela e da Vila. Há muitos anos, muitos mesmo, a
Ilha não traz um samba inédito com esta qualidade.
Não sei se o problema é que não é de um dos
escritórios da moda, se venceu um escritório da moda, se
os internautas ficaram frustrados por não terem
noção de que este venceria, se estão contaminados
pela opinião de pessoas que se ofenderam com o fato da Ilha ter
se posicionado politicamente contra manifestos políticos ou
outras bobagens. Parece a situação de quando a Mangueira
escolheu o samba dos compositores de São Paulo e foi duramente
criticada na internet (com exceção do SAMBARIO) e,
depois, consagrada pelo público. O fato é que o samba da
Ilha é muito bom. O refrão de cabeça, que era o
meu único “senão” no concorrente, ficou muito
bonito na versão oficial. Falam que o samba é arrastado
– talvez porque a primeira comece sem muita intensidade, com
sílabas esticadas, que na verdade facilitam o canto e preparam
para as belas variações que começam em “Levou
a bossa no ‘tom’ d’alegria”. O
refrão do meio é simplesmente espetacular. A letra
é muito bem feita. É um ótimo samba dentro do
panorama atual. Não deixe se influenciar por fóruns de
carnaval repletos de gente ligada aos escritórios e que tem
interesse de que não se modifique o ‘status quo’ das
disputas. A Ilha merece aplausos pela escolha. NOTA: 9,0.
MOCIDADE
– Gosto do enredo e acho que tem a cara da Mocidade. Não
vejo cara de Mocidade é nos sambas concorrentes que a escola vem
apresentando ano após ano. A Mocidade parece sem
direção, ora optando por pula-pulas, ora por sambas
pesados e sonolentos. Isso acaba influenciando os compositores, que
não encontram o sentimento correto para imprimir em suas obras.
E aí, sempre falta aquela leveza e qualidade poética que
marcaram os melhores sambas da história da escola. O deste ano
ainda tenta resgatar algumas expressões típicas de sambas
“mocidade”, como o “overdose de
emoção”, “big bang musical”,
mas são coisas pontuais. De resto, é
um samba sem nenhum momento de diferencial. A
interpretação de Luizinho Andanças ainda dificulta
as coisas, trazendo mais peso e travando ainda mais a faixa. O
refrão de cabeça é um desastre, mesmo seguindo um
modelo e um padrão de melodias de refrões que se repete
à exaustão na safra deste ano –
“felicidade” e “mocidade” trazem rimas ruins
para fechar refrão por causa da acentuação
tônica e fez a melodia ser jogada para baixo, gerando um
anticlímax brutal na conclusão. O refrão do meio
poderia ser mais bem explorado, principalmente o “não... não existe mais quente”,
que é levado apenas de forma burocrática. A letra tem
bobagens espalhadas, como a flor que nasce da lama, ou o “vou
pra Lisboa, voa na Boa”. A melodia não sai do lugar.
Certamente, o pior samba do ano. NOTA: 6,9.
IMPERATRIZ
– É um samba poético, com a letra mais
trabalhada do ano, construída de forma irreparável. A
melodia é que não me convence. O refrão de
cabeça prepara para uma explosão em
“Pará” que acaba não acontecendo –
talvez o ideal ali fosse esticar mais as sílabas, mas ao mesmo
tempo isto poderia criar um espaço na melodia que tendesse ao
arrastamento na conclusão. Porém, do jeito que ficou, o
refrão perde momento e parece menos rico do que é. A
primeira parte é bem feita, apesar de eu achar pesada demais em
relação ao resto do samba. A variação em
“o índio, então... não se curvou diante a
força da invasão” acaba melhorando a
situação, fazendo o samba fluir bonito até o
refrão. O problema maior, no entanto, é a segunda. Na
versão concorrente, com o Thiago Brito, era perceptível
que ela não funcionava. Wander Pires, no entanto, sabe como
ninguém mascarar este tipo de problema – a segunda
continua não funcionando, é travada, mas as firulas
tornam a audição bem menos frustrante. Não
é a toa que Wander é um dos maiores vencedores de samba
como intérprete e que geralmente todo mundo reclame dos sambas
quando são regravados para a versão oficial, geralmente
culpando os cantores. A tentativa de criar algo emocionante para fechar
o samba não deu certo e acaba comprometendo o todo. A
interpretação arrasadora dos dois cantores (Dominguinhos
está muito bem, também) é destaque no CD, mas o
samba é pouca coisa acima de discreto. NOTA: 8,3.
SÃO
CLEMENTE – Muito interessante o resultado final do samba
da São Clemente. Com a vitória inesperada de um estreante
em fusão com uma parceria mais experiente, temos um samba que
muda radicalmente o direcionamento poético de uma parte para a
outra, mas sem comprometer o todo. Sinceramente, poucas vezes vi algo
parecido. A parte do Gabriel é de uma inocência
claríssima, principalmente em letra e, justamente por isso,
acaba sendo um diferencial num meio de compositores mais calejados. Um
refrão de cabeça que não exalta a escola ou a
comunidade, já citando personagens sem se importar com
cronologia de enredo nem nada, complementado com o inacreditável
verso “milhões de imortais
também presentes” é inusitado. Dificilmente
veríamos algo parecido num samba de Claudio Russo, Lequinho ou
André Diniz. Ai entra a primeira, que explica o enredo, com
uma letra mais parecida com o que estamos acostumados. O refrão
do meio é muito bom, diferente, divertido. Vem a segunda, e o
samba volta a ficar inocente, com direito, a “tem bole-bole,
quem não viu... xííííí”.
Outro momento de inocência, porém negativo, é
o “Segura a peruca, Perpétua / Odete, chegou sua hora”,
que não tem rima e fica solto no samba. Enfim, é um samba
simpaticíssimo, coroado pela interpretação do cada
vez melhor Igor Sorriso. NOTA: 8,5.
INOCENTES
– Samba técnico, que tenta fugir do enredo árido e
acaba ficando com uma letra genérica ao extremo. Tirando uma ou
duas referências à Coréia do Sul, como “Sete
Confluências” e “Rosas de Sharon”, o samba
poderia ser usado para qualquer enredo. A melodia não tem
grandes novidades, é redonda e sem ousadias, com alguns pontos
de explosão, e o melhor momento é o refrão do
meio. É uma audição agradável,
principalmente pela boa participação dos cantores, em
especial Wantuir, que fez uma de suas melhores gravações
num CD de escola de samba. NOTA: 7,5.
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