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Sinopse EVA 2012
Pequena África



Apresentação

A EVA em 2011 faz uma viagem ao Rio de Janeiro em busca de uma história de raça, de força e de fé. Será contada a história de um lugar onde a população negra plantou suas raízes, batizado por Heitor dos Prazeres de “Pequena África”. Neste reino carioca das tias baianas os herdeiros da Mãe “Grande África” cultuaram suas divindades, tocaram suas músicas e desfilaram suas agremiações carnavalescas. Entre o cais do porto e a Cidade Nova, uma nova cultura nacional nasceu com a força de um povo livre da escravidão.

Sinopse

Eu sou o chão onde a raiz de uma cultura floresceu! Recebi negros bantos vindos da costa de Angola no mercado de escravos do Valongo, na altura da Pedra do Sal, e vi Debret retratar em aquarelas a vida urbana na capital: negros carregando produtos e trabalhando para seus senhores. Dom Obá II d’África, o voluntário da pátria que defendia a abolição nos jornais, viveu palas minhas ruas e era reverenciado pela população negra como rei da África Pequena. Com a abolição, o fluxo de negros baianos pra o Rio de Janeiro aumentou e eles trouxeram consigo suas crenças e suas tradições ancestrais da Mãe África. No cais do porto, a porta de entrada da cidade, recebi em grande número esses negros baianos que, com antigas tradições se fixou na região portuária e nas antigas casas do centro, alimentando as novas relações sociais e as manifestações culturais da cidade
 
Mas esses negros que em meu chão viveram tiveram dificuldade de competir com os imigrantes no mercado de trabalho livre, vivendo, então, muitos deles de diversas formas de subempregos. Ao redor do porto, os homens tiveram mais oportunidades na indústria, construção e comércio, ou mesmo na atividade portuária como estivadores e arrumadores de mercadorias, muitos ainda sobreviveram como artistas nos palcos. Outros viviam do domínio de alguma técnica como pedreiros, sapateiros, ferreiros ou pintores de tabuletas. As negras trabalhavam no serviço doméstico em casas de família ou como quituteiras, lavadeiras ou bordadeiras. Mas a malandragem e a prostituição eram a que muitos desses negros recorriam como alternativa nos momentos mais difíceis.
 
Na zona portuária, surgiu a Sociedade de Resistência dos Trabalhadores em Trapiches de Café, um sindicado com forte presença negra que, como tal, desfilava o seu rancho, o Recreio das Flores, pelas ruas do bairro da Saúde. Mesmo assim, o trabalhador negro ainda tinha sua condição confundida com a de um escravo e sofria tratamentos humilhantes.
 
Ainda no início do século XX, um corte profundo fez-me sangrar. Com a grande reforma realizada por Pereira Passos novas ruas e avenidas surgiram como cicatrizes em meio a cidade, o porto foi remodelado, casas populares foram demolidas para dar lugar a novos edifícios e vias, obrigando os moradores, alguns deles negros baianos recém chegados, a abandonarem suas habitações. Instalaram-se então nos subúrbios e morros, porém grande parte preferiu permanecer no coração da cidade, ocupando as casas abandonadas pela elite na Cidade Nova.
 
Os negros baianos, então, uma comunidade formada no entorno do porto e na Cidade Nova tentaram reestruturar o sentido de família assumindo então as lideranças dos postos do candomblé e dos grupos festeiros. A fé e a tradição comum uniram essas pessoas, predominantemente de origem nagô. O grande “pai” dessa família foi João Alabá de Omulu, que abriu uma das primeiras casas de santo da cidade na qual era babalorixá. Sua casa era freqüentada pelas tias baianas como Tia Amélia, Tia Perliciana, Tia Bebiana e Tia Ciata, as rainhas da Pequena África, que criaram a nova geração livre que nascia no Rio de Janeiro. Mãe Aninha de Xangô, da qual João Alabá era pai espiritual, a fundadora do Ilê Axé Opô Afonjá na Bahia, também veio para o Rio de Janeiro abrir uma casa de santo na Saúde.
 
Tia Ciata de Oxum, a baiana Hilária Batista de Almeida, mãe-pequena na casa de João Alabá, era responsável pelas obrigações das feitas no santo e pelas oferendas. Ciata era doceira, enfeitada com fios de contas, saia rodada, pano da costa e turbante, trazia seu tabuleiro sempre farto de bolos, manjares e cocadas. Ah! Como Ciata era festeira, partideira. Comemorava as festas dos orixás, a Ibejada, a festa de Oxum, cantava respondendo os refrões e marcava o ritmo batendo os pés no meu chão.
 
Na virada do século, o cenário musical da cidade, que se limitava aos cantos religiosos católicos, marchas militares e ritmos africanos, começou a se diversificar com o contato com a música européia moderna. No fim do século XIX, a modinha era a canção brasileira das ruas. Tomados por um espírito romântico, tocadores de violão cantavam pequenos casos da cidade em seus versos. O Palhaço negro Eduardo das Neves levou a ingenuidade da modinha das ruas para o circo e se tornou um dos primeiros grandes sucessos dos espetáculos no Rio.
 
Ainda surgiu no final do século o gênero musical que uniu o jeito carioca de tocar com os instrumentos da baixa classe média. Era o choro, que aos poucos foi ganhando características próprias. Um negro nascido no Rio, então, ligado ao meio baiano, se tornou um dos maiores gênios do gênero. Pixinguinha foi do quintal onde tocava choro com amigos e da Pedra do Sal aos palcos populares da cidade.
 
O lundu, oriundo do batuque que já era tradição no Rio, também era tocado e dançado com a sensualidade das umbigadas dos negros e influenciou músicos brancos e seus gêneros musicais. A polca européia também fez muitos casais dançarem por aqui.
 
No Rio em transformação, uma forma nova de dançar surgiu com a fusão da polca e do lundu. Vindo dos setores populares e difundido pelas gafieiras e cafés-concerto o maxixe atingiu toda a cidade, apesar das eventuais proibições. Com a sensualidade corporal dos negros, o maxixe fez a cabeça dos homens das classes médias, mas suas mulheres eram preservadas do “lazer escandaloso” das classes inferiores. Na Cidade Nova e na Praça Onze, o maxixe nasceu e foi consagrado por Sinhô, João da Baiana, Aurélio Cavalcanti e tantos outros nomes.
 
A casa de Ciata era o meu coração, que batia em ritmo de samba de partido alto. Os grandes nomes da música carioca como Pixinguinha, Donga, João da Baiana e Heitor dos Prazeres freqüentavam a casa da matriarca, mãe de quinze filhos. Naquele tempo, o samba e o candomblé eram objetos de perseguição. Era preciso ir Chefatura de Polícia, explicando que haveria uma festa com samba.
 
Na casa de Ciata eram cantados partidos de improviso. “Pelo telefone” surgiu assim, cantado nas rodas de samba até se tornar um grande sucesso incorporando características de maxixe. Seu tema conta uma das comédias cariocas envolvendo policiais, jornalistas e populares, o episódio em que uma roleta de papelão foi colocada no largo da Carioca. Mas a obra sempre foi alvo de polêmicas que questionam seu gênero e sua autoria. Donga foi quem registrou sua partitura sem mencionar parceiros, mas a verdade é que o samba, ou maxixe, foi criado em uma roda de partideiros sem preocupações autorais.
 
O maxixe, que estava sendo morto pelas investidas moralizadoras, deu lugar ao samba, que já nasceu perseguido pela polícia. Sinhô, um dos músicos da transição, mesclou os dois gêneros no samba amaxixado e tornou-se o “Rei do Samba”. “Gosto que me enrosco em ouvir dizer….”
 
E Heitor dos Prazeres, de tantos prazeres… Da dança galante do mestre-sala, da euforia musical do samba e do maxixe e das cores das pinturas! Filho de baianos, nasceu no Rio de Janeiro e cresceu nas rodas de samba das tias baianas onde aprendeu suas tradições. Foi este homem de tantos talentos, freqüentador da Praça Onze e das casas das tias baianas, quem com muito carinho me batizou de “Pequena África”, lugar onde cresceu e aprendeu suas artes.
 
No carnaval, os negros se divertiam manifestando diversas expressões de sua herança cultural. Os cucumbis carnavalescos eram formados por grupos de negros fantasiados de índios com penas, estrutura de cortejo e uma orquestra de instrumentos de origem africana. Com letras ágeis e movimentos de capoeira, esses grupos eram vistos pela elite como selvagens e se apresentavam como uma brincadeira carnavalesca extremamente espontânea e popular.
 
Quem tinha grande prestígio era Hilário Jovino, ogã do terreiro de João Alabá e criador do Rancho Reis de Ouro, a expressão artística do negro na cidade. Hilário foi uma forte liderança negra que fundou o primeiro rancho carnavalesco da cidade inspirado nas festas natalinas e na procissão do dia de Reis. Assim, os ranchos, que anteriormente eram cortejos religiosos, passaram para o carnaval com sua forma dionisíaca espalhando poesia pelas minhas ruas, um marco na mudança do carnaval carioca, que deixou sua feição bruta do século XIX para a sofisticação e lirismo. Ranchos como o Rosa Branca e o Macaco é Outro desfilavam espalhando poesia pelas minhas ruas em seus cortejos dolentes.
 
Mas um grupo de sambistas do Estácio, do batuque do Morro de São Carlos e das rodas de capoeira na cabeceira do canal do Mangue, fez do samba música de carnaval. Levou o “bum bum paticumbumprugururundum” para a Praça Onze e com pandeiro, tamborim, reco-reco, cuíca e a invenção do surdo surgiu o “Deixa Falar”, o bloco que todos diziam ser uma verdadeira escola de samba, fundado por Ismael Silva.
 
Minha poeira o vento soprou e espalhou pela cidade. A novidade chamada de “Escola de Samba” tomou conta dos subúrbios e dos morros, que desciam no carnaval para realizar evoluções na Praça Onze com lindas baianas e malandros de chapéu de palha. Heitor dos Prazeres introduziu a porta bandeira nas agremiações em substituição à porta-estandarte dos ranchos e com o passar do tempo, o samba foi conquistando a alma da população e incorporando elementos visuais com originalidade e beleza e as vozes femininas das pastoras.
 
Quem eu sou? Eu sou a Pequena África. Quais são os meus limites? Não tenho limites! Sou onde a chama do samba permanece acesa, onde se ouve o tamborim e o choro da cuíca, onde pulsa o surdo de marcação. Onde as baianas giram e os partideiros cantam alegres refrões. Sou onde há respeito e amor às tradições, desde as da Mãe África até as das tias baianas.
 
Estão vendo? Hoje eu estou até na rede! Não sou tão pequena assim…
 
Autor:
Rafael Gonçalves
  
Bibliografia     
 
Ferreira, Felipe. O Livro de Ouro do Carnaval Brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
 
Moraes, Eneida de. História do Carnaval Carioca. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1958.
 
Moura, Roberto. Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Dep. Geral, 1995.
 
Nogueira, Nilcemar (Org.). Dossiê das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Centro Cultural Cartola, Iphan e Ministério da Cultura, 2006.
 
Rocha, Agenor Miranda. Os candomblés antigos do Rio de Janeiro: a nação ketu: origens, ritos e crenças. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994.de à marca. Faremos um grande show apoteótico, convidando o público a brincar, a ser mais um chicleteiro barra-fundiandense.