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Qual o Enredo do meu Samba?
ENREDO 2013

Qual o Enredo do meu Samba?

O que será que Ismael Silva e o pessoal do Estácio diriam ao saber que existem escolas de samba virtuais? Definitivamente muita coisa mudou no mundo do samba desde a criação do termo "Escola de Samba" por estes bambas. Mas será que toda essa mudança foi para melhor? A Dragões Lendários estréia na LIESV procurando dar sua opinião sobre a evolução das Escolas de Samba.

SETOR 1 - "Oh! Saudade, ô. Meu Carnaval é você..." (Caprichosos de Pilares, 1985)

No Rio Antigo, as pessoas brincavam o carnaval fantasiadas de reis, piratas, bailarinas entre outras fantasias tradicionais, como pierrôs e colombinas. A elite carioca não se mistura ao povo e cria os Corsos e Grandes Sociedades, enquanto o povo cria seus Cordões, Blocos e os Ranchos. O samba, trazido pelas Tias Baianas, como Tia Ciata, que morava na Praça XI, onde se organizavam as primeiras rodas de samba do Rio de Janeiro, é o ritmo que começa a embalar a folia popular.

No Estácio, surge a Deixa Falar, um bloco que cria a ala de baianas, o surdo, retira os instrumentos de sopro, e ensina o samba a ser cantado na Praça XI. Assim, para muitos, a Deixa Falar foi a primeira Escola de Samba, apesar de nunca ter desfilado como tal. Ela estava presente no primeiro concurso de samba do Rio do qual participou o Conjunto de Oswaldo Cruz e o Bloco Carnavalesco Estação Primeira, que se tornariam respectivamente à Portela e à Estação Primeira de Mangueira.

Mangueira e Portela fazem parte do primeiro concurso de escolas de samba, organizado pelo jornal "Mundo Esportivo", do qual se sagraram campeã e vice. A Portela introduz alegorias em seus desfiles, comissão de frente uniformizada, samba-enredo e trazer a escola toda fantasiada dentro do enredo escolhido pela agremiação. Com isso estavam criadas as Escolas de Samba que conhecemos hoje.

SETOR 2 - "O samba cresceu... Na Candelária, construiu seu apogeu..." (Império Serrano, 1982).

O desfile das escolas de samba vai crescendo em importância, com a ajuda da subvenção fornecida pela prefeitura desde 1935, e o crescimento é tal, que passam a rivalizar com os desfiles das grandes sociedades. Sempre são abordados temas nacionalistas, de acordo com a regra criada pelo regime de Getúlio Vargas, que exige que os enredos abordados sejam exclusivamente de temática nacional. Entra-se na era dos enredos de "capa e espada", enredos que exaltavam políticos, militares ou ainda feitos heroicos de personagens da história oficial do Brasil. E é neste tipo de enredo que uma nova força surge para abalar o domínio das soberanas Portela e Mangueira, nasce o Império Serrano em 1947, que vence o carnaval logo em seu ano de estreia. Com a demolição da Praça XI, os desfiles mudam-se até se fixarem na Avenida Presidente Vargas, terminando na Candelária.

O crescimento do público é vertiginoso nestes anos, e o desfile é transferido em 1957 para a Avenida Rio Branco, onde desfilavam os ranchos, devido ao grande interesse que os desfiles despertavam. A imprensa estima que 700 mil pessoas assistiram aos desfiles deste ano.

É nesse clima de expansão que surge a Acadêmicos do Salgueiro, que causa a primeira grande revolução estética do desfile das escolas ao contratar um casal de artistas plásticos, Marie Louise e Dirceu Neri para preparar seu carnaval de 1959, que deixam de lado os enredos capa e espada e embarcou em uma viagem pelas obras do pintor francês Jean-Baptiste Debret. Fernando Pamplona, cenógrafo do Teatro Municipal, então jurado deste desfile, de tão impressionado, não hesita em aceitar o convite da agremiação para desenvolver o seu carnaval de 1960. Aí acontece mais uma revolução no carnaval carioca.

E por suas mãos, pela primeira vez um personagem da história não oficial do Brasil, Zumbi dos Palmares, é retratado com tema principal de um enredo. Difícil foi convencer os salgueirenses a abandonar suas perucas de nobres e desfilarem vestidos de escravos africanos. Mas a persistência de Pamplona foi recompensada e o Salgueiro é campeão pela primeira vez. Seguindo Zumbi, vários personagens desconhecidos entram no rol de "heróis" brasileiros como Chica da Silva, Chico Rei, Dona Beija, entre tantos outros. Quem dava vida a muitos destes personagens era Isabel Valença, por muitos considerada a maior destaque que já existiu, inclusive causando espanto ao ser a primeira negra a ganhar um concurso de fantasias de luxo feminino do Teatro Municipal.

Não só esteticamente evolui o carnaval. Abram alas para Mestre André e sua Mocidade Independente. Mestre André é o criador da famosa paradinha da bateria da Mocidade, que era muito mais famosa que a escola em si, mas pavimentou o caminho para o crescimento da Mocidade. E musicalmente se criam obras primas do samba-enredo e da música popular brasileira como para a história da música popular brasileira, como Aquarela Brasileira (Império Serrano, 1964), Sublime Pergaminho (Unidos de Lucas, 1968), Lendas e Mistérios da Amazônia (Portela, 1970), Festa para um Rei Negro (Salgueiro, 1971) entre tantos outros.

SETOR 3 - "É fantástico, virou Hollywood isso aqui..." (São Clemente, 1990)

Com tanta atenção do público e da mídia, não seria de se espantar que as escolas de samba crescessem assustadoramente, e algumas escolas no início dos anos 70 já desfilavam com mais de 2500 componentes. Vestir tantos componentes começa a custar caro para as escolas, que agora já contam com o dinheiro dos discos e com as verbas da transmissão pela televisão, mas ainda assim começam a depender ainda mais de patronos para preparar seus desfiles.

Além disso, uma nova safra de carnavalescos desponta e com eles novas escolas começam a aparecer no cenário das grandes escolas de samba. Joãosinho Trinta é o autor de uma frase célebre, não só no mundo do samba, mas propagada por todo país "Pobre gosta de luxo. Quem gosta de pobreza é intelectual" o que daria início a era dos desfiles luxuosos que seria a marca registrada deste gênio do carnaval. Os patronos entram em cena para bancar esta necessidade de luxo e riqueza. Castor de Andrade, faz com que a Mocidade desfile com um luxo até aquele momento inimaginável e Anísio Abraão David, agora patrono da Beija-Flor de Nilópolis, uma escola das chamadas iô-iô, contrata Joãosinho Trinta, que passa a fazer valer seu mote, uma vez que não tem mais restrições financeiras.

Agora o luxo é a regra, Beija-Flor é tri-campeã entre 1976 e 1978 e no ano seguinte a Mocidade é campeã pela primeira vez. Os custos do carnaval se tornam astronômicos, os preços das fantasias vão ficando cada vez mais alto, e o povo, muito afetado pela situação econômica do país, com inflação galopante, começa a ter muitas dificuldades de participar da festa. E cada vez mais penetras chegam para a festa.

Celebridades correm para as escolas de samba com o único intuito de aparecer e não hesitam em comprar seus lugares seja nos carros alegóricos, nas diretorias ou na frente das baterias, mesmo que nunca tenham aparecido nas comunidades ou nos barracões. E as escolas, cada vez mais necessitadas de dinheiro aceitam de olhos fechados tais "colaborações". A televisão inclusive começa a mandar no show. As escolas se sujeitam aos horários esdrúxulos de desfile e a imposição de regras pela televisão, que define até quantas escolas podem estar em cada grupo.

Tal exposição leva à criação de um espaço permanente para os desfiles, o Sambódromo Darcy Ribeiro na Rua Marquês de Sapucaí, para onde os desfiles se mudaram em 1978, que foi responsável por causar uma nova revolução estética nos desfiles das escolas de samba. Mas o povo, fica cada vez mais longe dos desfiles, pois os ingressos ficam cada vez mais caros, e não tem condições de comprar os ingressos para aquela que seria sua festa.

Fantasias e alegorias têm de mudar com o novo palco. As alegorias ficam cada vez maiores e as fantasias crescem nos ombros e na cabeça, que são as partes das fantasias mais visíveis pelos espectadores de cima. Fernando Pamplona, enquanto comentarista vivia afirmando que os componentes estavam sendo obrigados a carregar um festival de cangalhas nos ombros, que nada acrescentavam para o entendimento do enredo.

As alegorias passam a ser High-Tech, cada vez mais cheios de luzes, efeitos especiais, especialidades de Renato Lage, cada vez mais carregados de pessoas fazendo coreografias em vez de sambando, cortesia da Comissão de Carnaval da Beija-Flor, chegando ao seu ápice com Paulo Barros e seus carros alegóricos mais baseados nas pessoas que estão sobre ele do que em suas estruturas.

As escolas também crescem em número de componentes e com a limitação de tempo existente pelas necessidades de organização dos desfiles e da televisão, os sambas-enredo, precisam ser cada vez mais acelerados, tornando cada vez mais difícil sambar e os componentes tem que quase correr para acompanhar seu ritmo, e o samba-enredo se transforma em marchas aceleradas e não são mais sambas de verdade.

Com isso tudo as escolas passam a desfilar para os jurados e não para o público e pelo público, surge o desfile técnico, cujo maior expoente é a Imperatriz Leopoldinense, sob o comando de Rosa Magalhães. Fantasias ricas e bem acabadas, alegorias irretocáveis, uma evolução cronometrada e sem falhas, com a escola toda cantando o samba. Desfile perfeito, mas sem emoção, sem coração. E cada vez mais as escolas vão se afastando dos sambistas da comunidade, do povo que as criou.

SETOR 4 - "E o samba sambou..." (São Clemente, 1990)

Os próprios sambistas começam a sentir saudades dos tempos idos, daquela época na qual as pessoas iam para os barracões ajudar na confecção das fantasias, em que se reunião para compor os hinos que suas escolas levariam para a avenida. Enredos como Bum bum paticumbum prugurundum, com o qual a Império Serrano foi campeão em 1982, já alertava para os perigos das Super Escolas de Samba S/A. A saudade dos antigos carnavais foi cantada pela Caprichosos de Pilares em 1985 e a São Clemente decretava em 1990 que o samba havia sambado, numa visão crítica e pessimista daquele momento pelo qual passavam as escolas de samba. Momento no qual elas ainda estão.

As escolas tradicionais perdem sua identidade, esquecendo-se das suas comunidades chegando ao cúmulo da Velha Guarda da Portela ser impedida de desfilar em 2005. Vale muito mais o resultado do que a tradição, do que o coração do verdadeiro sambista. Aquele sambista que, por amor à sua escola, parcela o valor de sua fantasia em dez vezes no carnê e cumpre religiosamente com os pagamentos, que vai a todos os ensaios, que sabe o samba de sua escola na ponta da língua.

Será que algum dia voltaremos a ver aquele senhor de cabelos brancos, de mãos calejadas envergar o fraque e cartola à frente de sua escola, apresentando-a com orgulho a toda a população? Será que veremos a passista brincar em ala e quando a idade chegar se tornar uma respeitável baiana, que traz no seu corpo curvado os anos de amor pelo samba? Será que um dia veremos tremular novamente nas janelas as cortinas feitas com o tecido das velhas fantasias? Será?