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Coluna do Rixxa Jr.

AI, QUE SAUDADES QUE EU TENHO DOS SAMBAS COM REFRÕES ARRASTA-POVO

É hoje o dia
Da alegria
E a tristeza
Nem pode pensar em chegar
Diga espelho meu
Se há na avenida
Alguém mais feliz que eu

Todo mundo que conhece minimamente o carnaval carioca sabe que os versos acima pertencem ao samba enredo “É hoje”, de autoria de Didi e Mestrinho. Ambos os compositores já são falecidos. Antecipo desde já que este samba, que a União da Ilha do Governador escolheu em sua vasta antologia de belíssimos hinos para desfilar no ano que vem, será o mais cantado do carnaval de 2008. Não apenas por se tratar de uma reedição – já que a música foi levada à Marquês de Sapucaí em 1982 – nem devido às dezenas de regravações. Este hino tem algumas características incomuns nos dias de hoje: trata-se de um samba que foi feito para uma escola brincar o carnaval, para contagiar o público nas arquibancadas e emocionar a todos aqueles que gostam de carnaval.

“É hoje” é um samba que qualquer um folião pode cantar, independente das cores que torça. É um samba com forte apelo popular e tem o chamado “refrão arrasta-povo”, que eu mencionei no título desta coluna. O hino de Didi e Mestrinho se diferencia da mesmice que vemos atualmente, nos ditos “sambas funcionais”, cujos refrões se assemelham mais com gritos de guerra de torcida ou trechos de sambas de quadra que foram para a avenida do que propriamente um samba enredo tradicional.

Lamento muito que a União da Ilha não esteja no Grupo Especial. Se estivesse, eu torceria com todas as minhas forças para que a simpática agremiação azul, vermelha e branca vencesse o carnaval de 2008. Caso a Ilha ganhasse o carnaval com “É hoje”, a Liga das Escolas de Samba e os cartolas do mundo carnavalesco teriam que repensar este tal gênero, Sua Majestade, o Samba Enredo. Uma reciclagem tal qual as alas de compositores fizeram depois que Zuzuca e o Salgueiro assombrou a todos com Olê, lê/ olá, lá/ pega no ganzê/ pega no ganzá em 1971 e, 22 anos depois, a mesma escola fez a passarela vibrar com Explode coração/ na maior felicidade.

Repito que eu sinto muitas saudades dos sambas com refrões arrasta-povo, tão comuns principalmente nas décadas de 70, 80 e até a primeira metade dos anos 90. Este tipo de recurso era uma espécie de clímax, em que o público cantava e ficava aguardando o samba desaguar num refrão inflamado para soltar os pulmões a pleno. É como um mantra, que se aprende na hora, no momento em que a escola está desfilando, mesmo para quem não acompanhou nada do período pré-carnavalesco. Alguns exemplos:

Roda gira, gira roda
Roda grande vai queimar
Para a glória do divino
Vamos todos festejar

Vou me embora, vou me embora
Eu aqui volto mais não
Vou morar no infinito
E virar constelação

Tem areia ô
Tem areia
Tem areia no fundo do mar
Tem areia

Iererê ierê ierê
Ô ô ô ô
Travam um duelo de amor
E surge a vida com seu esplendor

Bumbum paticumbum prugurundum
Nosso samba minha gente é isso aí
Bumbum paticumbum prugurundum
Contagiando a Marquês de Sapucaí

Tem bumbum de fora pra chuchu
Qualquer dia é todo mundo nu

Tem xinxim e acarajé
Tamborim e samba no pé

Que tititi é esse
Que vem da Sapucaí
Tá que tá danado
Tá cheirando a sapoti

Vem a lua de Luanda
Para iluminar a rua
Nossa sede é nossa sede
De que o “apartheid” se destrua

Esses refrões não são apenas de uma escola. São dos foliões, são de todos os que gostam do carnaval, são do povo, são da gente. No entanto, a partir de 1994, houve a contaminação pelo “efeito Ita” e, a partir daí, os refrões dos sambas ficaram completamente descolados do enredo escolhido e servem para qualquer tema. Além disso, os refrões passaram a funcionar como gritos de guerra de uma comunidade, ficaram personalizados para o desfile daquela – e só daquela – agremiação.

Balança, oi balança
Chegou a hora do Salgueiro sacudir
Deixar essa cidade louca
Com água na boca na Sapucaí

Imponho sou Grande Rio, amor
Dando um banho de cultura, eu vou

Pro abraço da galera, me leva
Lindo como o pôr-do-sol eu sou

A vida que pedi a Deus
A Mocidade me proporcionou
São 50 anos de história

Uma linda trajetória
Lembranças que o tempo não levou

Vou invadir o Nordeste, seu cabra da peste
Sou Mangueira
Com forró e xaxado, o filho do chão rachado
Vem com a Estação Primeira

É carnaval, um Rio de prazer
Cada turista que chegar vai ver

É linda a Vila balançando nas ondas do mar
Rumo à vitória, navegar

O samba é raiz
Se raiz é história
Bate forte bateria
No balanço e na alegria
Da Imperatriz

É Carnaval! Eu vou! Eu vou! Eu vou!
Vou festejar, curtir, sacudir! Sacudir!
Sou Tradição, sou raça
Numa cerva bem gelada, na Sapucaí

Abra a roda, criançada
Vamos sacudir
Rocinha faz a festa na Sapucaí

Avisa aos navegantes que o Império vem aí
Olha, o bicho vai pegar, a poeira vai subir
É arte, é cultura, é talento original
Hoje tem festa no Planeta Carnaval

Hoje o amor está no ar
Vai conquistar seu coração
“Tristeza não tem fim, felicidade sim”
Sou Viradouro sou paixão

Agora, falem sério... um mangueirense cantaria a Portela demorou, mas abalou? E um imperiano de fé entoaria quero ver você sorrir, a galera sacudir, ao ver meu Salgueiro passar? E que torcedor ferrenho da Mocidade teria a coragem de cantar na frente de seus pares sou quilombola Beija-Flor, sangue de rei, comunidade? Fazer samba desse jeito ficou de um formulismo sem tamanho. O pensamento corrente hoje nas alas de compositores, é que, para concorrer nas acirradas disputas, os condomínios autorais ou escritórios se utilizam de algumas tags (palavras-chaves) para tentar conquistar a comunidade.

Senão, vejamos: vai inscrever um samba no Império Serrano? Então inclua na obra expressões como Madureira, imperiano, Serrinha, coroa imperial e saliente o fato da bateria ter pratos, reco-recos e agogôs. Vai participar da disputa na Portela? Então abuse de termos como águia, Oswaldo Cruz, pavilhão azul e branco e majestade do samba. Pensa em concorrer na Mocidade? Então use, sem moderação, palavras como estrela-guia de Padre Miguel, verde e branco e Vila Vintém. Recentemente, na Vila Isabel, surgiu a moda de chamar a escola do bairro de Noel de princesa. E até a Beija Flor recebeu novas alcunhas, como deusa nilopolitana. Estes recursos, até bem pouco tempo atrás, eram desnecessários para os compositores produzirem obras de qualidade.

Bem, deixa-me voltar para o meu toca-discos e colocar o vinil com os sambas de 1982. A agulha se equilibra na superfície já desgastada do LP. No meio de chiados e estalos nostálgicos, escuto um solo de cavaquinho na introdução e o vozeirão de Aroldo Melodia: “Olha a União da Ilha aí, meu povo... segura a marimba!.. a minha alegria... a minha alegria atravessou o mar...” No próximo dia 2 de fevereiro, por volta das 20h30, acredito que o mais valente refrão arrasta-povo atravessará o mar e irá ancorar na passarela. Com certeza, será o rei, o dono desta festa.

Rixxa Jr.

rixxajr@yahoo.com.br