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Samba Paulistano

9 de julho de 2011, nº 11, ano III

ENREDOS, SONHOS SEM FÁBRICA E SONHOS NÃO-ESCOLHIDOS
Por Ronaldo Figueira

Na coluna anterior, trouxe a meus leitores minhas expectativas para o carnaval de 2012 com o anúncio de alguns dos enredos, em um ressurgimento da temática Afro. De lá pra cá, passados pouco mais de trinta dias, treze das quatorze escolas do grupo especial já divulgaram seus enredos, faltando somente a Unidos de Vila Maria.

Confesso a vocês, meus leitores, que tive expectativas as mais otimistas para esse mês que passou, sendo algumas delas contempladas em detrimento de decepções dolorosas que marcam os parágrafos desta coluna.

Com relação aos enredos, segue uma listinha com um breve comentário sobre cada um – tendo comentários mais profundos aquelas escolas que já divulgaram suas sinopses:

Vai-Vai
Mulheres que Brilham

Em forma de verso, a sinopse do Vai-Vai trata de forma poética um tema já trabalhado em carnavais anteriores. É um enredo que agrada muito e deve resultar em bons sambas. O destaque negativo fica por conta das alusões “mascaradas” aos patrocinadores da escola, pelo tom dado na sinopse às mulheres que adquiriram destaque midiático por meio de sua beleza unicamente, e pela menção as várias “mães” pelo fato de serem as progenitoras de pessoas importantes, não tendo destaque em si, com exceção das Mães da Praça de Maio. Estranhei também a ausência de movimentos importantes das mulheres pelo mundo como o feminismo em seus múltiplos aspectos e as ligas de mulheres operárias.

Acadêmicos do Tucuruvi
O esplendor da África no reinado da folia

O que posso dizer (tendo como base a introdução do carnavalesco Wagner Santos no lançamento do enredo) é que a proposta da escola de trazer as civilizações africanas pré-coloniais é muito bem-vinda, e pode fazer ressurgir o samba afro no carnaval paulistano.

Unidos de Vila Maria
Ainda não divulgou o enredo.

Mancha-Verde
Pelas mãos do mensageiro do axé a lição de Odu Obará: a humildade

O melhor enredo do grupo especial para 2012. Traz a mitologia Yorubá sobre o “fim” do mundo para o nosso carnaval, “completando” a estória contata pela Mocidade Alegre em 2003, quando a escola trouxe para o Anhembi a criação do mundo segundo a mitologia Yorubá.

Águia de Ouro
Tropicália da paz e do amor. O movimento que não acabou!

Esse enredo parece muito interessante e deve render um bom desfile nas mãos do carnavalesco Cebola. O movimento da tropicália é um acontecimento cultural de grande importância da historia contemporânea do nosso país.

Mocidade Alegre
Ojuobá – no céu, os Olhos do rei... Na Terra, a morada dos milagres... No coração, Um Obá muito amado

Subvertendo a ordem de temas abstratos com objetos diferentes mas desenvolvimentos parecidos (imaginação, universo infantil, etc.), surge um enredo literário, baseado em uma das melhores obras de um dos maiores autores brasileiros, que descreve com primazia as gentes da Bahia. A sinopse vem num arquivo em pdf muito bem diagramado e é bem escrita. O desenvolvimento não é linear, não segue idêntico ao livro Tenda dos Milagres, de Jorge Amado. As esperanças que tenho com este tema são ambíguas: por um lado o otimismo, de ver uma das melhores escolas voltando com os enredos que a fizeram grande no passado; por outro, o medo de que a estética ou o samba escolhido não acompanhem a mudança de estilo.

Rosas de Ouro
O reino dos Justus

Não entendi a opção da roseira por tal homenagem. Não enxergo no Roberto Justus tamanha importância, mas é uma opção da escola. A narrativa criada para homenagear o publicitário e, por tabela, a Hungria, soou de forma forçada e apelativa.

Tom Maior
Paz na Terra e aos homens de boa vontade

Ruffin volta à Tom Maior onde, nos últimos anos, fez alguns dos desfiles mais criativos dos últimos tempos em São Paulo, do enredo à concepção de fantasias. Com um argumento interessante de que "dinheiro não se come", a intenção declarada, até o momento, é de um enredo que exalte a espiritualidade em detrimento do excesso de bens materiais. É esperar a sinopse para termos uma visão um pouco mais clara sobre se o enredo trará alguma coisa nova ou será o "jogue tudo fora" de sempre.

X-9 Paulistana
Trazendo para os braços do povo o coração do Brasil, a X-9 Paulistana desbrava os sertões dessa gente varonil!

Sinceramente acredito que a X-9 precisa reencontrar um estilo de desfiles. O tema escolhido é uma apelação ímpar e forçada para homenagear o Rali dos Sertões chagando ao ponto de (se o logo que vi for verídica) misturar transformers ao enredo. Muito complicado...

Pérola Negra
A pedra que encanta também samba. Itanhaém, hoje a Pérola é você!

André Machado nos traz um enredo CEP que foge dos clichês já desgastados para falar sobre cidades. Fiquei muito feliz com o enredo que demonstra cada vez mais a maturidade de André Machado como um dos melhores carnavalescos da atualidade.

Império de Casa Verde
Na ótica do meu Império, o foco é você!

Não tenho muito que comentar do enredo do tigre, acho a história das lentes muito interessante e pode resultar em um ótimo desfile. Boa sorte ao polonês.

Dragões da Real
Mãe, ventre da vida e essência do amor

Falar das mães foi uma boa escolha para uma escola que quer se manter no especial, porém a qualidade do desenvolvimento deixa a desejar em muitos aspectos, empobrecendo o enredo.

Camisa Verde e Branco
É o Amor

O amor já foi tratado em muitos carnavais Brasil a fora e, a julgar pela safra do trevo, temos um enredo que está longe dos padrões clássicos da escola.

Gaviões da Fiel
Verás que o filho teu não foge à luta. Lula, o retrato de uma nação

O samba paulistano surgiu por influência do rural samba de Pirapora − história esta que, acredito, não seja novidade pra vocês. No meio urbano, desenvolveu-se tendo profundas relações simbióticas com o futebol de várzea.

Em 2012, como já disse na coluna anterior, num tom até meio romântico que tenho às vezes com o samba, muitas escolas decidiram falar de si mesmas indiretamente, por meio de elementos de uma das matrizes culturais que as formaram, a africana.

Como é sabido, a sociedade brasileira (e, por consequência, as escolas de samba, como elementos integrados à sociedade) desenvolveu-se com a união de mais de uma matriz cultural, com relações parasitárias. Da união não-homogênea e da desigualdade dos descendentes dessas partes formadoras, surgimos nós.

E uma das escolas de samba paulistanas, em 2012, falará daquele que surgiu em uma das partes desprivilegiadas dessas relações e que destacou-se por ter sido escolhido pela maioria, os privilegiados e os não-privilegiados, como representante. Falará daquele que, ao representar TODA a sociedade brasileira, trabalhou para diminuir as desigualdades que marcam e caracterizam o povo brasileiro, transformando-o num povo mais homogêneo e feliz. Num povo com relações mais simbióticas, como aquela, dita no começo desse texto, entre o samba paulistano e o futebol de várzea.

Parabéns Gaviões da Fiel!

Além dos enredos – que comentei acima – nesse mês que passou foi divulgada uma entrevista do grande Raul Machado no novo portal dedicado ao nosso carnaval ligado ao homônimo carioca, SRZD-Carnaval SP, com o presidente da SPTuris sobre a tão sonhada Fábrica dos Sonhos. Nela, o secretário mais focou em fazer propaganda da obra da “apoteose” paulistana (já que dispersão, segundo ele, é uma denominação pejorativa) do que esclarecer-nos sobre o andamento da Fábrica. Temos de concreto apenas que a empresa responsável já está desenvolvendo os trabalhos no terreno, as eleições de 2012 estão chegando e que recentemente a Mancha Verde divulgou nota dizendo que pretende deixar sua quadra em breve. Parece que agora vai...

(Confiram: http://www.sidneyrezende.com/editoria/carnavalsp)

Na coluna anterior, dois fatos me conduziram a escrever com tamanho otimismo: os enredos da Mocidade e da Mancha. No caso da Mancha, a escola teve uma boa safra de sambas-enredo – num sistema de disputas interno realizado via CD. Despontou em fóruns pela internet um deles como favorito nato, composto pela mesma parceria campeã de 2011. Ouvi-o por intermédio de um leitor que me enviou recomendando-o como a obra prima do carnaval de 2012. E, sim... Que samba era aquele? Vi na minha mente todos os desfiles antológicos de tema afro que tive a felicidade de conhecer. Mas, infelizmente, sabe-se lá os Orixás porque, a escola optou pela composição de Freddy Vianna (novo contratado da escola). A obra vencedora, além das fórmulas já conhecidas e requentadas, apresenta um afro muito estranho aos ouvidos do sambista, chegando a ligar Olorum ao ser humano (quando sabemos que quem criou o homem foi Oxalá e Olorum não possui relação alguma com os seres vivos).

Enfim, confesso que esse resultado me deixou profundamente pessimista com as próximas escolhas, parecendo que o carnaval de 2012 será mais do mesmo. Isso também me levou a uma reflexão sobre o sentido que atribuímos ao nosso carnaval na atualidade. O que queremos num desfile de escola de samba? Qual a função social, cultural e recreativa das escolas de samba? São questões que têm me inquietado ultimamente e creio que todos os sambistas paulistanos devem pensar sobre.

Axé a todos!

Ronaldo Figueira
ronaaldo.figueira@gmail.com