PRINCIPAL EQUIPE LIVRO DE VISITAS LINKS ARQUIVO DE ATUALIZAÇÕES ARQUIVO DE COLUNAS CONTATO |
|||
![]() |
|||
Leia as colunas anteriores de Victor Raphael
Coluna anterior: A Cidade em Disputa: o Sambódromo nas Páginas do Jornal do Brasil Coluna anterior: A Passarela da Democracia: A Construção da Sapucaí e a Batalha de Narrativas na Imprensa em 1984 Coluna anterior: Fernando Vanucci e o carnaval na TV: a trajetória de um âncora que virou parte da festa A COBERTURA DE O GLOBO SOBRE O SAMBÓDROMO: CONTEXTO, IDEALIZAÇÃO E CRIAÇÃO O
jornal O Globo — fundado em 29 de julho de 1925 por Irineu
Marinho e com sede no Rio de Janeiro — consolidou ao longo do
século XX uma tradição de cobertura extensa e
contínua do Carnaval carioca, começando já nas
décadas iniciais da imprensa moderna no Brasil, inclusive com
envolvimento direto na organização dos primeiros
concursos de escolas de samba em 1933.
Carnaval e imprensa no Rio: antecedentes Desde os anos 1930, O Globo participou ativamente da promoção das festividades carnavalescas. Em 1933, por exemplo, o jornal noticiou e promoveu o desfile das escolas de samba com público estimado em 40 mil pessoas na antiga Praça Onze, destacando o espetáculo como um evento de grande porte cultural e social na cidade. Ao longo das décadas seguintes, essa cobertura se intensificou, e o jornal contribuiu para consolidar a tradição de dar destaque ao Carnaval não apenas como folia popular, mas como evento cultural e referência de identidade carioca — incluindo a criação de instrumentos jornalísticos como o Estandarte de Ouro, prêmio que desde 1972 exalta os destaques dos desfiles das escolas de samba, reforçando a importância simbólica e crítica do jornalismo na festa. O debate prévio à construção do Sambódromo Ao final da década de 1970 e início dos anos 1980, o Carnaval carioca já enfrentava desafios estruturais. Até então, desfiles de escolas de samba eram realizados em diferentes locais — Praça Onze, Avenida Rio Branco, Avenida Presidente Vargas — muitas vezes com arquibancadas improvisadas e custo elevado de montagem e desmontagem a cada ano, além de entraves logísticos para o público e para as próprias agremiações. Esse contexto urbano e cultural — com desfiles itinerantes e dificuldades crescentes — foi amplamente retratado pela imprensa carioca e nacional, refletindo a necessidade de um espaço permanente para o maior espetáculo popular do planeta. O Globo certamente abordou esses debates em colunas, editoriais e reportagem de jornalismo local. O Acervo Digital O Globo inclui capturas dessas páginas, que podem ser acessadas por pesquisadores interessados. A guerra contra Brizola A cobertura do jornal O Globo acerca da idealização e da construção do Sambódromo do Rio de Janeiro não pode ser compreendida de forma plena sem que se insira, no centro da análise, o conflito político e editorial travado entre o Grupo Globo e o então governador do Estado, Leonel Brizola. Tal embate extrapolava o campo estritamente administrativo e alcançava o terreno simbólico, ideológico e comunicacional, refletindo-se de maneira clara no tom adotado pelo jornal ao tratar de grandes projetos estruturantes associados à gestão estadual — entre eles, a criação da Passarela do Samba. Desde o anúncio oficial do projeto, em setembro de 1983, a abordagem de O Globo foi marcada por uma postura nitidamente mais crítica e vigilante do que aquela observada em coberturas anteriores de iniciativas ligadas ao carnaval carioca. O jornal não apenas registrou a proposta do governo estadual de construir, em tempo recorde, um equipamento urbano definitivo para os desfiles das escolas de samba, como também passou a problematizar, em reportagens extensas e editoriais, o contexto político no qual a obra se inseria. A figura de Brizola aparecia frequentemente associada a uma retórica de confronto com grandes grupos de mídia, acusados pelo governador de exercerem influência excessiva sobre a opinião pública e de atuarem politicamente contra seu projeto de poder. Esse ambiente de tensão contribuiu para que o Sambódromo fosse enquadrado, por O Globo, não apenas como uma solução técnica para o carnaval, mas como um símbolo de uma gestão personalista, centralizadora e, segundo o jornal, pouco aberta ao contraditório. As matérias publicadas ao longo do último trimestre de 1983 evidenciam esse viés crítico ao enfatizar, de forma recorrente, os custos da obra, a celeridade considerada excessiva do cronograma, e a utilização de recursos públicos em um momento de dificuldades econômicas do estado. Em textos de caráter analítico, O Globo questionava se a construção de uma passarela permanente para o carnaval deveria ser prioridade frente a demandas urgentes nas áreas de saúde, transporte e segurança. A presença constante do nome de Brizola nos títulos e subtítulos das reportagens reforçava a personalização do projeto, muitas vezes tratado como uma iniciativa diretamente vinculada à vontade política do governador, mais do que como fruto de um consenso técnico ou institucional. Esse enquadramento editorial também se estendia às figuras intelectuais e técnicas envolvidas no projeto. O arquiteto Oscar Niemeyer, responsável pelo desenho do Sambódromo, era frequentemente mencionado com respeito à sua trajetória consagrada, mas suas soluções arquitetônicas eram submetidas a avaliações rigorosas, sobretudo no que dizia respeito à funcionalidade, à circulação do público e à adaptação da estrutura às exigências do espetáculo carnavalesco. Da mesma forma, o papel do antropólogo Darcy Ribeiro, então vice-governador e um dos principais articuladores conceituais da obra, era apresentado em um registro ambíguo: reconhecia-se sua autoridade intelectual e sua defesa do carnaval como expressão popular, mas não se deixava de associá-lo à estratégia política do governo estadual. Com o avanço das obras na Avenida Marquês de Sapucaí, a cobertura intensificou-se, adotando um tom que mesclava reportagem factual, análise crítica e, em alguns momentos, ironia sutil. O jornal acompanhava o ritmo acelerado da construção quase como uma contagem regressiva, destacando diariamente prazos, improvisações e soluções emergenciais. Esse acompanhamento minucioso revelava um jornalismo atento aos detalhes técnicos, mas também interessado em expor eventuais fragilidades do projeto, reforçando a narrativa de que o Sambódromo nascera sob o signo da pressa e da controvérsia política. Após a inauguração, em março de 1984, o folhetim manteve essa linha editorial ao registrar tanto o impacto visual e simbólico da nova passarela quanto os problemas observados nos primeiros desfiles: dificuldades de acesso, questões de acústica, falhas de infraestrutura e desafios logísticos enfrentados por escolas e espectadores. Ainda assim, mesmo em meio às críticas, o jornal reconhecia, ainda que de forma contida, o caráter histórico do momento e a força simbólica que o Sambódromo passava a exercer no imaginário urbano do Rio de Janeiro. Essa ambivalência — entre o reconhecimento da importância cultural e a crítica política ao governo responsável pela obra — tornou-se uma das marcas centrais da cobertura. Assim, a abordagem de O Globo sobre a criação do Sambódromo do Rio de Janeiro consolidou-se como um registro jornalístico denso e multifacetado, no qual o projeto arquitetônico e cultural se entrelaçava com o conflito político entre o grupo de mídia e o governo Brizola. Essa tensão ajudou a moldar um discurso mais crítico, vigilante e, por vezes, desconfiado, que acabou por enriquecer o debate público sobre o Sambódromo, deixando como legado não apenas a documentação de um momento histórico do carnaval carioca, mas também um retrato fiel das disputas de poder que atravessaram sua gênese.
Principais jornalistas de O Globo da época Artur Xexéo Artur
Xexéo atuava no campo da crítica cultural e do
entretenimento, com trânsito livre entre televisão,
música popular e carnaval. No contexto da criação
do Sambódromo, seus textos tendiam a privilegiar a
experiência do espetáculo, o impacto da nova passarela
sobre a estética dos desfiles e a relação entre
mídia, público e festa. Embora não fosse um
opositor frontal do projeto, sua escrita frequentemente carregava
ironia fina e observação crítica, apontando
contradições entre o discurso oficial e a prática
observada nos primeiros testes da estrutura. Xexéo representava,
dentro da cobertura, uma voz que dialogava com o leitor comum,
avaliando o Sambódromo como palco de espetáculo e produto
cultural.
Sérgio Cabral Sérgio
Cabral ocupava posição singular no jornalismo carioca:
era, ao mesmo tempo, profundo conhecedor do samba, pesquisador da
música popular brasileira e jornalista com grande credibilidade
no meio cultural. Seus textos sobre carnaval, quando abordavam a
criação do Sambódromo, tinham forte carga
histórica e memorialista. Cabral tendia a contextualizar a nova
passarela em uma linha do tempo do carnaval, comparando-a com os
desfiles na Praça Onze, na Avenida Presidente Vargas e na
Avenida Rio Branco. Embora mantivesse certo ceticismo quanto à
rapidez da obra, seus textos buscavam compreender o Sambódromo
como desdobramento natural da evolução do desfile das
escolas de samba, o que trazia equilíbrio à cobertura
predominantemente crítica do jornal.
Ricardo Boechat À
época, Ricardo Boechat ainda consolidava sua carreira, mas
já se destacava por uma escrita incisiva, investigativa e pouco
complacente com o poder público. Quando o Sambódromo
surgia em reportagens ou análises sob sua influência
editorial, o foco recaía sobre custos, prazos, decisões
administrativas e disputas políticas. Boechat representava o
jornalismo de vigilância institucional, atento a contratos,
cifras e promessas oficiais. Sua abordagem ajudava a reforçar o
enquadramento do Sambódromo como obra pública
controversa, submetida a escrutínio rigoroso, especialmente em
um contexto de embate aberto entre o Grupo Globo e o governo Brizola.
Luiz Maklouf Carvalho Maklouf
atuava como repórter especializado em bastidores do poder,
trânsito político e decisões de governo. Sua
participação na cobertura do período não se
dava necessariamente por textos opinativos sobre carnaval, mas por
reportagens que revelavam os bastidores da tomada de decisão, as
articulações internas do governo estadual e o papel de
figuras-chave como Darcy Ribeiro. Sua contribuição foi
essencial para mostrar o Sambódromo como resultado de um
processo político concentrado, reforçando a narrativa de
personalização do projeto em torno do governador.
Victor
Raphael
Ex-presidente da Liga Independente das Escolas de Samba de Corumbá (LIESCO) |
Tweets by @sitesambario Tweets by @sambariosite | ||