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Olhar Externo

EIS OS SAMBAS PARA 2014
Queimando um pouquinho a língua, ainda bem!

9 de novembro de 2013, nº 12, ano III

No inicio das decisões dos sambas de enredo das agremiações do Grupo Especial do Rio de Janeiro coloquei aqui mesmo um texto bem cético quanto aos resultados. Em alguns referendei a minha visão, mas na maioria dos casos eu acabei ficando bem feliz com os hinos escolhidos. Se nesse  CD, que a LIESA, inteligentemente, repassou os áudios de 3:30 para o deleite dos amantes do samba, não temos um clássico como Vila 2013, a média aumentou bastante sobre a qualidade geral das obras escolhidas pelas agremiações. O efeito é bem sentido na tentativa das escolas de trazer algo diferenciado para suas obras, sobretudo na linha melódica, e nos proporcionou grandes surpresas. A minha análise será faixa a faixa, sem notas, apenas com comentários acerca do samba. Acho que vai ficar muito claro quais sambas gostei, quais não gostei, as vantagens e restrições de cada um no meu entender. Lembrando aos navegantes: como quase todo o julgamento das escolas de samba, usa-se muito a subjetividade, e é esse o caso dessa análise.

Vila Isabel: A obra sofre com o peso árduo de vir na sequência de um samba que caiu no gosto dos amantes do samba em todo o país – o samba campeão da Vila em 2013 é uma unanimidade, cheio de nuances interessantes e dando valor ao gênero samba-enredo, que foi considerado por muitos o quesito que decidiu de fato para o povo de Noel. Neste ano, a obra também prima pela vanguarda e por versos sem muita previsibilidade. É um achado o jogo de palavras "Sertão/Ser tão", que dá um molho à letra. O refrão principal acerta o peito do componente com “O sangue azul tá na veia”. Do meu ponto de vista, a primeira se sobrepõe em qualidade em relação à segunda, porém é mais um bom samba que a Vila trará para a avenida.

Beija-Flor de Nilópolis: O enredo é Boni. Já começamos daí a tentar entender os caminhos pelos quais se deu a gestação dessa obra. É um enredo que foge às características da escola, e repito: não há apelo emocional ou coisa do tipo. A grande realidade é que o nome de Boni se confunde com a Globo, que tem rejeição. Isso gera um certo preconceito prévio com o samba. Desde já parabenizo os compositores por conseguirem transformar esse personagem, que no meu entender é difícil de ser “enredável” numa obra criativa, mas que não tem capacidade de mostrar emoção. Pra completar, o grande trunfo do hino, que era mexer com o brio do nilopolitano com “A campeã voltou” – que verdade seja dita, é soberbo, sim, mas é uma forma da escola se inflamar – foi retirado, e o verso “um lado a comunicar, o outro comunicou” não rendeu, ficou sem sentido. Todas as honras para Laíla, que está há muito tempo aí militando e fazendo carnavais de qualidade incontestável, mas, dessa vez, eu entendo que ele falhou nas mudanças da obra.

Unidos da Tijuca: Compositores diferentes, mas segue a receita da escola nos últimos anos – desde 2009 a Tijuca não apresenta uma obra que chame atenção no CD, mas que cumpre seu papel na avenida. O diferencial desse samba está no refrão do meio, que apresenta uma melodia diferenciada, ousada, e com letra bem construída dando referencia à Corrida Maluca. Sobre a gravação em si, ficou bem interessante a introdução com as notas do Tema da Vitória, marca registrada de Ayrton Senna, que mesmo com as adições do enredo à uma série de itens relacionados com a velocidade, é presença constante na letra do samba.

Imperatriz Leopoldinense: Vai pra galera como há muito tempo não se via, talvez desde o ano do pirata (2003). No embalo do ícone Zico, a agremiação optou por um samba bem “flamengado”, que acabou rendendo o que considero dois erros, porém bem estratégicos, e talvez pensados: o “Dá-lhe ô”, da forma como intuitivamente é cantado no refrão principal, chegou na boca da nação rubro-negra bem depois do Galinho ter encerrado a carreira, na verdade, norteou Adriano e companhia no titulo brasileiro de 2009. E o “Faz mais um pra gente ver” não é um grito do Zico, mas do já homenageado em música de Jorge Ben (ainda não era Jor), Fio Maravilha. A obra em si preza pela empolgação, a letra não compromete e promete ser um diferencial nos desfiles geralmente mais técnicos da escola.

Salgueiro: Na minha humilde opinião, eis aí o Estandarte de Ouro! Samba bem construído, moldado à imagem e semelhança do Salgueirense. A despeito das criticas de que o enredo não é afro na raiz... pior pro enredo, porque o Salgueiro e a temática afro, a melodia e a letra intimamente ligados à esse tema são amalgamas impressionantes, que impulsionam a escola. E os compositores foram muito felizes, inclusive usando apenas um refrão e um jogo de palavras no fim que remeta à pressão de um refrão de cabeça. Obra de vanguarda na safra 2014, e seríssimo candidato a cair na boca do povo

Grande Rio: Sinceramente, a despeito do enredo, que já é um tanto confuso, pois me parece servir à cidade e à Maysa ao mesmo tempo, e não um complementando o outro, o samba potencializa essa dúvida, e sinceramente, não vejo com grande expectativa a tentativa de se fazer um refrão explosivo, que, penso eu, dependerá bastante da atuação da bateria competentíssima da escola para acontecer de fato. A letra em si também não tem grandes sobressaltos e não ajuda a esclarecer pra que lado o enredo vai andar... Segue bastante a linha “vamo-que-vamo” da obra do ano passado.

Portela: Mantém a pegada dos últimos anos com muita competência – os sambas com a pegada mais tradicional com ares de vanguarda vêm se tornando (ou retornando) a ser a marca registrada da Portela. Casa perfeitamente com a imagem da escola, e dessa vez conta com um refrão bem gostoso de se cantar “Vou de mar a mar, mareia” brincando com o enredo da escola.  Letra e melodia dão a impressão de um Rio de Janeiro do jeito que o carioca sambista gosta, tem um quê de malandragem que fica impossível de não se contagiar. A Portela mantém o acerto dos últimos carnavais.

Mangueira: Dois adjetivos resumem a obra da oxigenada Estação Primeira: Valente e Polêmica. O jeito classudo dos sambas cantados pelo Mestre Jamelão dá lugar à uma interpretação carregada de “sangue nos olhos” de Luizito, e nesse sentido, a obra acompanha o intérprete, por ter uma mescla de melodia aguerrida com momentos que remetem à tradição dos sambas de enredo, como na parte em referência à Iemanjá e o finalzinho do setor que faz menção à diversidade. Polêmica pelo dito “Oba, oba” do refrão de cabeça, que dizem ser uma resposta a uma critica recebida pelo estilo dos compositores em conceber seus hinos para escola; e sempre que o termo “supercampeã” é usado pela Mangueira, a polêmica acompanha... mas a escola é a única supercampeã mesmo, fazer o que? (perdão pelo momento passional mangueirense).

União da Ilha: Outra obra que, na minha visão, segue a tendência de não comprometer. Mas o tempero desse samba está, assim como na Unidos da Tijuca, no refrão do meio, que carrega uma melodia ousada, gostosa de se ouvir e que dá um charme para o samba. Destaque que a solução melódica para “Não é brinquedo, não” do refrão principal foi bem construída, e aparentemente, foi um hino moldado para dar bastante margem para a bateria criar as bossas em cima dele, com bastante momentos em que você se pega pensando em possíveis “paradinhas”.

São Clemente: Esperava mais da obra clementiana. Não tanto pelo enredo apresentado mas sim pelo estilo da escola. Não há um peso crítico no samba, que aparece muito timidamente em algumas passagens, como é o caso do refrão; assim como há carga zero de humor. A escola sempre se notabilizou pela irreverência e coragem, e num enredo tão vasto para isso como a Favela, ele sumiu. Um samba um tanto quanto burocrático demais para uma temática que nos remete a um tom mais ácido. Uma pena!

Mocidade Independente: Sambaço, sem mais. "Independente na Identidade" é um achado em letra que dá um gás aos torcedores da Mocidade espalhados pelo país. As citações à Pernambuco não são enfadonhas como na maioria dos enredos CEP. Fernando Pinto está presente em trechos-chave do hino e dão uma pitada fatal de emoção para quem gosta de carnaval. Ademais, a melodia é rica e casa com a bateria e o estilo da Mocidade. Acertaram em cheio, e os independentes podem se orgulhar do que cantarão a plenos pulmões no mês de março.

Império da Tijuca: Dizem que uma das peças principais pro samba acontecer está no intérprete, e isso pode se aplicar a Pixulé. Incrivel como o samba, que muitos críticos (e até mesmo eu) viam com restrições, dizendo inclusive que tratava-se apenas de um refrão, ganhou com a voz do intérprete oficial. Na gravação oficial, a bateria aparece um tanto à frente das demais, o que denota inclusive o respeito às características da escola, que tem tradição em colocar o andamento nessa levada. A primeira do samba é superior à segunda e os refrões dão o gás necessário a quem pretende desfilar. O refrão promete ser sensação e tem a intenção de suplantar o desafio de abrir os desfiles do grupo, no domingo de carnaval.