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Olhar Externo

21 de janeiro de 2012, nº 6, ano II

SURPRESA – OU O MANUAL DE COMO QUEBRAR A CARA COM AQUILO QUE VOCÊ JULGA NÃO GOSTAR EM DUAS LIÇÕES

Depois de longo e tenebroso inverno, eis que estou aqui para, afinal, falar de carnaval, que já está aí, diante de nossos olhos e ouvidos, o que já nos dá a sensação de que está acabando, pois são apenas 4, 5, 7 dias (em alguns lugares) quando deveria ser durante o ano inteiro, exatamente como nós do Sambario fazemos aqui: discutimos, falamos e celebramos o carnaval durante os 365 (e até quando são 366) dias do ano.

E por vezes é necessário sairmos da zona de conforto para podermos vislumbrar algo que realmente nos encante. É mais fácil para um carioca como eu dissertar sobre os sambas das escolas de samba do Rio de Janeiro. Sei, com relativa propriedade, sobre a historia das escolas das quais comento, e suas características para desenvolver este ou aquele enredo, ou ter escolhido um samba que, por vezes, não goza da preferencia do grande público. Já em São Paulo, que acompanho com mais veemência desde 1996, sou um grande espectador e curioso sobre as nuances desse outro carnaval: que tem semelhanças com o Rio, mas é bem diferente (entenderam?), as características próprias dessa folia e como elas se refletem na avenida. Uma dessas nuances está no gênero samba-enredo, e um dos exemplos mais interessantes desse gênero em 2012 está justamente em São Paulo, o ex-tumulo do samba. Um não, dois exemplos.

O primeiro vem de onde eu não esperava... Ao abrir a embalagem do meu CD, com os sambas do carnaval paulistano fui olhando enredo por enredo naquele ritual típico de aficionado por carnaval. Muita África, política, enredos patrocinados  e... opa! Tom Maior. Logo decretei comigo mesmo: - Enredo panfletário, deve ser chatissimo, e fui passando... e enfim fui ouvir os sambas. Antes de encerrar o parágrafo, uma notinha: O carnaval paulistano já pode ser reconhecido e definido pelo que você ouve, e não somente pelo que se vê ou pelos nomes que são proferidos nos gritos de guerra. A melodia própria do samba paulista está perfeitamente delimitada em suas obras, e o carnaval de 2012 é um exemplo claro disso.

E ai, vem a faixa da Tom Maior, e eu, decidido a pular, porque todos os enredos panfletários que já ouvi até hoje, salvo engano, renderam sambas de medianos pra ruins, o que me forçava, por objetivação histórica, a ter que não passar muito tempo ouvindo a faixa da referida escola. Pois bem... começa o áudio e já me interesso pelo grito do intérprete: “Tá na ponta do isqueiro, vamo acender o cachimbo do saci!” – sensacional e original. Daí começa o samba e o refrão é uma porrada, usando uma melodia bem marcada como típica dos carnavais de São Paulo, e explosivo. O inicio do samba, melodicamente falando, e da forma com que foi posta a letra, chamando componente da escola para aquilo que ela vai apresentar é nitroglicerinicamente emocionante, com o acompanhamento sublime da bateria, que dá um show particular.  E a medida que o samba vai se desenvolvendo, se percebe que as frases outrora clichês ganham um outro peso, ganham um novo formato em uma melodia primorosa, que parece que foram feitas, realmente, para encaixar aquelas palavras. A emoção dá o tom em toda a obra em diferentes faces: euforia, bondade, esperança até chegar na saudade pelo presidente que deixou a escola para figurar em outro plano, num trocadilho difícil de se pensar, e que foi perfeitamente executado no hino: “Um Marko em nossa história”. Não teve jeito, esse samba me conquistou completamente e, eu acho que a maioria não pensa assim, mas pra mim é a melhor obra do ano em São Paulo, no mínimo, uma das melhores faixas.



TOM MAIOR - 2012
Enredo: "Paz na Terra e aos Homens de Boa Vontade"
Autores: André Nascimento, Bruno Tomageski, Carlos Dorea, Darlan Alves, Emerson Bernades, Marquinhos Godin, Pedro Barnabé, Tonn Queiroz e Vinicius Faria

Vem nessa amor… vermelho e amarelo
Sumaré chegou!
A nossa bateria hoje vai dar um show
É sensação, vai te levar
Na proteção de um exército celestial
Arcanjos da corte divina
Tocando o seu coração, mais amor violência não
A luta da natureza pra não sucumbir
Chega de ambição de poluir, isso não pode se profetizar
E a paz que eu sempre sonhei não pode acabar

É tempo de mudar, somos todos irmãos
E de mãos dadas vamos juntos nessa união
Fazer o bem, sem distinção, por onde for…
Paz e amor

A esperança de um novo amanhecer
É a criança, abençoado ser
Se cuidarmos bem dará bom fruto
Cidadão de fé, fraterno e justo
De boa vontade, feito poucos
Que sempre lutaram pelos outros
Estrela, no céu a brilhar
O samba não te esquecerá
Linda trajetória, de sonhos e glórias
Um “Marko” em nossa história

Vai clarear chegou a emoção
Vai levantar poeira do chão refrão
Em Tom Maior vou conquistar seu coração


A faixa seguinte é a da escola de samba paulistana Pérola Negra, nome bonito, suas cores também são incomuns, tal qual o nome (não é preto e branco, não, como pensam, ostenta também o azul e o vermelho) e, no meu entender, a escola vem fazendo belíssimos desfiles nos últimos anos, com colocações não tão belas, e por mim, não tão justas. E o samba segue a linha dos anos anteriores. Geralmente, salvo arroubos de criatividade, eu tendo a achar os sambas da Pérola Negra os mais bonitos, ou sempre estão no meu top 3. Esse ano, duvidei.

A começar pelo enredo que a escola escolheu: Nada contra Itanhaém (a proposito, se tiver alguém da cidade lendo a coluna, nossas saudações), mas sim pelo histórico (olha ele mais uma vez dando o ar de sua graça) dos enredos que versam sobre cidades litorâneas: a maioria se envereda pela historia que lemos nos livros de historia, naquela mesma sequencia – encontro com os índios, às vezes tem uma encenação da matança dos europeus aos nativos, e as cidades começam a crescer e se fala um pouco da sua vida cotidiana, que é ali, de verdade, depois da metade, que você começa a notar alguma diferença entre as cidades em questão.  Além disso, o samba desse ano provem de uma fusão. E eu claramente não gosto desse tipo de alternativa pra montar um samba, sou do tempo em que cada obra era única por si só, sem interferências de A ou B, mesclar obras para que elas se tornem uma, fica me parecendo algo próximo do que sempre quis fazer o Dr Victor (meu xará) – ele mesmo, o Frankstein.

Um pouco mais de 5 minutos depois de ter quebrado a cara, lá estou eu quebrando-a de novo. O samba com a “grife” Pérola Negra está lá, mesmo com a fusão: melodia envolvente, inesperada e que não deixa o ritmo “cair” em nenhum momento. O refrão é ótimo e tem uma particularidade – traz a tradução da palavra Itanhaém, “Pedra que canta”. O desenvolvimento poderia muito bem atender ao que eu disse anteriormente, sobre o encontro de portugueses e indígenas, mas a forma de abordagem e diferente: ao invés do lirismo do encontro, até de uma certa romantização, o trecho é claro "O colonizador impôs sua maneira e o Indio rezou". Perfeito. Isso sem contar com o termo “Amazônia Paulista” que já me faz ver a cidade como algo particular, e não como uma das tantas cidades do litoral paulista. E na segunda parte, o samba entra em sucessivas linhas melódicas impressionantes, e eu, na minha ignorância, nunca pensei que pudessem se casar da forma como foi feita, o que deixa ainda mais interessante ouvir a faixa, e sucessivas vezes, pra ir se encantando com tais construções.



PÉROLA NEGRA - 2012
Enredo: "A pedra que canta também samba: Itanhaém, hoje a Pérola é você"
Autores: Tigrão, Serginho, Guga Mercadante, Marcelo Soares, Tião, Mydras, Carlinhos, Bola, Regianno e Michel

Rica herança a cintilar
Que em solo brasileiro fez brotar
O colonizador impôs sua maneira
E o índio rezou
Benditas histórias são flores no chão
Aquarela de inspiração
Reluz amazônia paulista
Traduz a beleza infinita
Canoa de fé, esperança
O pescador não se cansa
"Rio Acima" sempre alcança
O amor do criador

Tá no peito, de quem ama, no brilho do olhar
Gira baiana, vem abençoar
O meu caminho de fé, o povo em devoção
Oh Padroeira Imaculada Conceição

Divina a cidade está em festa
Saudando a bandeira da corte imperial
"Soca no pilão" mantendo a tradição
Perfeição...das belas mulheres de areia
No Paraíso encontrei
O abraço cortês e gente festeira
Na praia...o calor da amizade
Um banho...de felicidade
Presente de Deus, maravilhosa jóia rara
Itanhaém meu coração é caiçara

É nessa onda que a Vila Madalena diz no pé
Meu samba no balanço da maré
A Pérola que brilha hoje é você
Pedra que canta o mundo vai te conhecer


Antes de concluir, quero abrir um parênteses para comentar sobre um fator que fora preponderante para que esses sambas me chamassem a atenção. A forma de interpretação dos cantores René Sobral (Tom Maior) e Douglinhas (Pérola Negra) nas faixas comentadas acima. É incrível como estão rareando nos Cds de sambas-enredo a interpretação com emoção, com paixão, com vontade. Esses dois interpretes são exemplos claros de como se cantar um samba, que tem a finalidade de alegrar os seus componentes a medida em que desfilam, e de como isso pode, e deve, ser passado desde a gravação do CD. O que vemos hoje em dia são exibições em estúdio extremamente técnicas, com o intuito de fazer o ouvinte saber o que está sendo cantado. Na minha humilde opinião, se ele não se sentir atraído pelo que está ouvindo, pouco se importará em saber a letra ou não, pois o principal não haverá: a empatia da obra com o seu ouvinte, e isso René e Douglinhas estão de parabéns, o fizeram com primazia.

Voltando ao assunto principal, esses exemplos de sambas servem pra nos mostrar o quão subjetivo é um julgamento deste quesito. O enredo é fator fundamental para o desenvolvimento da letra, mas não é condição fatal para que ele se torne bom ou ruim. E um grande samba pode mudar o conceito que temos sobre determinados tipos de tema, tanto para o bem quanto para o mal. A verdade é que só sabemos quando um samba, um enredo, um desfile é bom ou não, quando eles estão diante de nossos olhos e ouvidos. Não adianta fazer como o Peru, e morrer de véspera, é perda de tempo. E tempo é do que mais precisamos no carnaval, porque ele acaba rapidinho...

Alo, povo do samba, ta todo mundo aí? Tá na ponta do isqueiro....
 
Sambem muito!