PRINCIPAL    EQUIPE    LIVRO DE VISITAS    LINKS    ARQUIVO DE ATUALIZAÇÕES    ARQUIVO DE COLUNAS    CONTATO

Jorge Renato Ramos

Nota do Editor: Quando usava o nick "Mestre Sambinha" num fórum de Carnaval, Jorge Renato Ramos chegou a ter um espaço no SAMBARIO, onde escreveu três textos em 2005. Pesquisador, ele tem como plano lançar um livro que contará a história dos desfiles no Rio de Janeiro desde 1960. O escritor vem realizando uma pesquisa minuciosa e colhendo preciosos detalhes esquecidos não só das apresentações em si como também dos bastidores. E alguns trechos da futura publicação Jorge Renato Ramos passa a disponibilizar no site dos sambas-enredo, em sua nova coluna no SAMBARIO. Desde já ficamos na espera por mais uma preciosa obra a enriquecer o acervo histórico das escolas de samba. Enquanto aguardamos, vamos saborear as amostras.

10 de maio de 2016, nº 1, ano I

MEMORIAS DE 1987 - SALGUEIRO E MOCIDADE


Salgueiro 1987, "E por que não?", de autoria de Renato Lage e Lílian Rabello -
Após realizar excelentes carnavais, bastante elogiados, primeiro pela Unidos da Tijuca (“Delmiro Gouveia” e “O que dá pra rir dá pra chorar (Macobeba)”, por exemplo) e no Império Serrano (destaque para “Eu quero”, do ano anterior), Renato Lage estava de volta ao Salgueiro, quase dez anos após iniciar a sua carreira, como assistente do mestre Fernando Pamplona, em 1978. Trazia consigo sua então esposa, a também carnavalesca Lílian Rabello, que, respondendo ao Jornal O Globo de 01.03.1986, explicou como surgiu a ideia do enredo para 1987: “Quando recebi a proposta para me transferir para o Salgueiro, as pessoas começaram a me criticar, alegando que a escola era problemática, complicada e que não ia dar certo. Foi então que pensei: E por que não? Tudo o que se faz neste país é criticado. O Plano Cruzado, as medidas do governo, tudo se critica. Por isso resolvi aceitar”, contou. Lílian complementou: “Para a transformação que se faz necessária a uma saudável evolução da espécie humana, vamos tentar elevar as energias do homem, porque o que está aí é muito ‘down’”. A energia positiva, a cabala, seres superiores, o astral e o magnetismo seriam alguns dos temas abordados pela escola.

A introdução da sinopse era assim: Esse enredo vem tratar da perseverança necessária para qualquer transformação. Nele virá a afirmação de que se não houvesse quem acreditasse em outras alternativas, a história, a tecnologia e a própria humanidade não estariam onde estão. E por que não? É se permitir investindo na possibilidade do sim... é inovar e arriscar sob qualquer perspectiva, é a possibilidade de se realizar... Para tudo, sempre há alguém que diga não! Mas seremos nós que responderemos: E POR QUE NÃO?.

Como metas do enredo, a dupla de carnavalescos assinalou: “Nosso tema deverá ser abordado no samba de enredo com todo o entusiasmo criador, um misto de ‘acredite se quiser’, com ‘O samba do crioulo doido’, deixando como mensagem que muitas coisas consideradas impossíveis hoje fazem parte da nossa realidade. Sendo assim, nós brasileiros também podemos criar para a vida transformar, modificando o curso da evolução, fazendo a luz maior brilhar, para que ainda haja tempo do mundo conosco cantar”. “E por que não? Inspiração e eficiência é o que desejam, Renato Lage e Lílian Rabello”.

O primeiro enredo pensado por eles para o Salgueiro recebeu o título de “Chiclete com banana”, que seria sobre a miscelânea cultural brasileira, mas quando a torcida salgueirense soube da ideia de “E por que não?”, abraçou a causa e fechou com essa proposta de enredo, conforme relatou Haroldo Costa, em seu livro “Salgueiro, cinquenta anos de glórias”. Enredo dividido em três partes. Na primeira delas, abordaria, inicialmente, a evolução do homem através do cruzamento da energia superior com o animal, sugerindo ainda que o avanço de certas civilizações foi fruto do contato com seres superiores. A segunda parte mostraria como as máquinas contribuíram para mudar o curso da história, da evolução humana, sonhando ainda que o “guerreiro do Cruzado” venceria o dragão da ganância e com a utopia em ver a situação se invertendo, com o Brasil emprestando Cruzados para os Estados Unidos. A última parte do enredo termina com a vontade de presenciar as “cabeças do poder” pensando mais no ser; em ver a força da Luz Superior brilhar para novos caminhos iluminar e que a paz reine então, tendo ainda tempo para que o mundo continue a cantar.

Na primeira parte do enredo, alas de passo marcado, com os “primatas em evolução”. O carro da “Nave interestelar” traria “divindades espaciais” num contato imediato com a folia. Haveria espaço até mesmo para as “pirâmides energéticas”. Na segunda parte do enredo, a dupla de carnavalescos faria um paralelo entre passado e presente, apresentando invenções e fatos inimagináveis em outras épocas. Para representar essa ideia, a alegoria “Aeroplano supersônico”, que lembraria que um brasileiro, Santos Dumont, realizou o antigo desejo do homem de voar. Na última parte do desfile, o homem direcionaria sua inteligência para a preservação do planeta. Na utopia salgueirense, o lavrador seria o verdadeiro dono da terra, o cangaceiro dirigiria as multinacionais Uma alegoria traria os então presidentes do Brasil e dos Estados Unidos, José Sarney e Ronald Reagan devidamente controlados. O “guerreiro do Cruzado” venceria o “dragão da ganância” e surgiriam então as “novas cabeças no poder”. As usinas atômicas se transformariam em usinas harmônicas. Um grande tanque de guerra viraria uma “biga de paz”.

Para aquele ano, Renato Lage e Lílian Rabello deixaram de lado as “alegorias de mão”, bastante utilizadas no passado. Lílian explicou o porquê: “Descobrimos, na Império, que adereço de mão atrapalha a evolução e as pessoas largam no meio da avenida”. A escola não faria uso excessivo do neon, que ajudaria a caracterizar o trabalho do artista durante um bom tempo, mas utilizaria alguns “efeitos especiais”. O carro “A nave de transformação” teria um sistema de elevação de módulos, por intermédio de uma empilhadeira.. No meio da avenida ele se elevaria, a uma altura de doze metros, que relevaria, assim, um trabalho em relevo executado pela dupla. O que havia de mais “sofisticado” no desfile seria, segundo Lílian Rabello, as “mangueiras japonesas”, minúsculas luzes sequenciais coloridas, que piscariam no carro do “Disco voador”. Magda Cotrofe, uma das modelos de maior sucesso dos anos 80 era um dos grandes destaques do desfile salgueirense. O “vírus da saúde” seria representado pela diva Elke Maravilha. O samba salgueirense, escolhido na Silva Teles, de autoria de Didi, Bala e César Veneno foi um dos grandes sucessos do carnaval daquele ano. Seria puxado na avenida por Rixxa, uma das mais belas vozes que passaram pelo carnaval carioca.


Mocidade 1987, "Tupinicópolis", de autoria de Fernando Pinto - É considerado um dos maiores carnavais de todos os tempos, em termos de criatividade e originalidade das alegorias e fantasias ou do próprio enredo em si, obra do genial Fernando Pinto. Por muito pouco, essa história não seria diferente. Logo após o carnaval de 1986, quando a Mocidade decepcionou na avenida com o seu "Bruxarias e histórias do arco da velha", Castor de Andrade, de volta à agremiação após um ano de ausência, procurava um nome para substituir Edmundo Braga e Paulino do Espírito Santo. O primeiro carnavalesco cujo nome lhe veio à mente foi o de Luiz Fernando Reis, de quem o patrono da escola era muito fã. O bicheiro tentou a sua contratação, mas Luiz Fernando já havia fechado inclusive o enredo para 1987, "Eu prometo (ajoelhou, tem que rezar)" e não pôde aceitar o convite. A Castor, então, não restava outra alternativa senão chamar de volta Fernando Pinto, com quem tivera séria discussão após o carnaval de 1985, a ponto do carnavalesco nem ter se dado ao trabalho de ir buscar o carro, prometido pelo contraventor, como prêmio pela conquista do campeonato.

Sobre o retorno à Mocidade, Fernando Pinto declarou: “Voltei com todo o gás depois dessas férias. Eu e Castor não brigamos. Quando ele resolveu não investir na Mocidade, eu achei que não ia dar muito pé e que o melhor seria dar um tempo. Este ano ele voltou, me chamou em abril e com tudo em cima para preparar o carnaval, que vai ser completamente pop-tropicalista, com uma estética pós-indígena e com tudo que a tecnologia permitir”, garantiu o carnavalesco.


A sinopse de "Tupinicópolis" é curtinha, mas com o essencial para o desenvolvimento do enredo e base para os compositores, não os amarrando a termos, trechos de sinopses longas ou tediosas:

O enredo Tupinicópolis tem no reaproveitamento da cultura da civilização indígena brasileira seu principal objetivo e conteúdo. Utiliza o termo tupiniquim não somente para designar uma tribo, mas também como um coletivo indígena e principalmente para traduzir uma filosofia típica nacional: o tupiniquismo: de tudo que é ou passa a ser tupiniquim. Do ato de tupiniquizar. Tupinicopolizar.

Tupinicópolis, o carnaval, é a visualização de uma grande metrópole indígena. Tupinicópolis, a taba de pedra. É um carnaval de ficção científica tupiniquim, retrofuturista, pós indígena. O new eldorado.

Tupinicópolis tem sua pseudo-origem baseada na justa e real demarcação das terras indígenas. Nessas terras, ricas terras, foram descobertas riquezas naturais infinitas, que foram comercializadas e industrializadas pelos próprios índios. E as ocas se multiplicaram e as tabas se agigantaram e assim nasceu Tupinicópolis, a lendária cidade índia do terceiro milênio.

O desfile segue o cotidiano da cidade. Dia e noite e dia, enfocando o dever, o lazer, o prazer dos tupinicopolitandos. E o lixo.

O carnaval utiliza a forma e linguagem da própria literatura indígena, onde os índios convivem e se relacionam com os animais, conduzindo assim o carnaval para uma empostação fabulista que dá mais tropicalismo e brasilidade ao espetáculo.

A arte indígena brasileira é revisitada e revivida na estética pós-marajoara tupinicopolitana. A moda é o Tupi look. É a era do Tupi power. É a cultura tupiniquim falando para o mundo via Tupinicópolis.


"Tupinicópolis é muita invenção, é coisa que não existe, é o índio numa situação diferente, é a grande metrópole tupiniquim" (Fernando Pinto, no dia da escolha de samba-enredo, novembro de 1986)

Jorge Renato Ramos
renatojrrs@gmail.com