PRINCIPAL    EQUIPE    LIVRO DE VISITAS    LINKS    ARQUIVO DE ATUALIZAÇÕES    ARQUIVO DE COLUNAS    CONTATO

Coluna do João Marcos

UNIDOS DAS BARCAS S.A.

17 de abril de 2011, nº 45, ano VI

Durante o carnaval, eu teria um samba embalando um desfile do outro lado da “poça” e resolvi pegar a barca da Praça XV com destino a Niterói. Sentei perto da janela quando senti um cheiro desagradável – alguém tinha colocado os bofes para fora, coisas do carnaval. Subi, então, para o segundo andar, e fiquei na parte central, com visão relativamente privilegiada para todo o cenário.

 

Ao lado da escada, um grupo de jovens começou a cantar músicas de carnaval. Não sei se um deles usava um latão ou um surdo desafinado, mas aquele era o instrumento musical único do bloco que tinha acabado de ser formado: o Unidos das Barcas S.A. Começaram com as marchinhas e músicas clássicas de embalo de viagens e excursões, como “Se essa p... não virar!”, “Motorista, se eu fosse como tu...” e outras pérolas.

 

As marchinhas foram relativamente bem cantadas pela pequena multidão que se juntou ao bloco, em especial o “Cabeleira do Zezé”, que, se não me engano, é de João Roberto Kelly, um dos maiores arrecadadores de direitos autorais com músicas de carnaval do Brasil. O coro de “Bicha!”, que não faz parte da canção original, era tão forte que deixaria orgulhoso qualquer diretor de harmonia de escola de samba do Rio de Janeiro. Aliás, as marchinhas fizeram bastante sucesso com o bloco, bem como a tradicional “Domingo, eu vou ao Maracanã”.

 

O problema foi quando o puxador inventou de cantar samba-enredo. Aí, meu amigo, a coisa começou a complicar. Já estávamos na metade da viagem quando o rapaz iniciou o refrão de “De Bar em Bar”, União da Ilha 1991:

 

“Hoje eu vou tomar um porre

Não me socorre eu tô feliz

Nessa eu vou de bar em bar

Beber a vida que eu sempre quis”

 

Confesso que fiquei surpreso com a reação do público. Mesmo menos empolgado, foi na onda, e o samba foi bem cantado, conseguindo chegar ao refrão do meio dignamente. Mesmo sendo, talvez, o samba-enredo com mais características das antigas marchinhas de carnaval, características que o compositor Franco tão bem soube explorar em suas composições, não tinha noção de que ainda era uma obra popular no Rio vinte anos após passar pela Sapucaí.

 

A Ilha continuou em alta e o cara foi com “É Hoje”, de 1982. O desempenho do bloco, confesso, me decepcionou um pouco. Pensei que iria ser mais cantado pelo público. O mesmo aconteceu com “Peguei um Ita No Norte”, Salgueiro 1993, que só agüentou o refrão de cabeça. “Paulicéia Desvairada”, Estácio, 1992, chegou até o refrão do meio - provavelmente o puxador acreditou que o refrão do “me dê, me dá, me dá, me dê” fosse fazer sucesso. Ledo engano – o samba foi cantado a duras penas por pouquíssimos.

 

O puxador, então, resolveu começar uma sessão Viradouro, talvez achando que os niteroienses presentes fossem salvar a lavoura. O de 1997, que embalou o título da agremiação no especial do Rio, se apresentou mais ou menos. Mas quando ele foi de “Sou Viradouro e vou cantar / "Com muito orgulho, com muito amor" / Esse jogo vai virar / Eu quero ser o vencedor”, foi praticamente voz única na barca.

 

Com medo dos componentes se dispersarem, resolveu apostar no seu feeling – foi de “Sorte Grande”, mas conhecida na voz de Ivete Sangalo como “Poeira”, obra do compositor penta-campeão da Tradição, Lourenço. Aí o bloco voltou a toda.

 

O final foi apoteótico. Evidentemente, o puxador não poderia cantar nenhum samba-enredo de 2011, até porque talvez nem ele conhecesse. Resolveu dar um tiro certeiro e meteu o “Rebolation”. Sucesso total, com direito a componentes do bloco fazendo coreografias ousadas e descendo até o chão, como na antiga dança de Carla Perez para a música “Boquinha da Garrafa”. Enquanto isto, eu me dirigi para a saída, para procurar algo para comer antes da noite que viria.

 

*****

 

Aliás, as Barcas S.A. têm mais a ver com o carnaval do que você pensa. Provavelmente, o leitor já deve conhecer a história de Alexandre Santos Lima e os “King Sizes”. Se não conhece, veja este vídeo:

 

 

Pois bem, a história dos King Sizes virou enredo e samba da escola fictícia “Estação Segunda das Barcas”.

'

 

 

O samba, por incrível que pareça, mesmo sendo obviamente uma brincadeira com os clichês do gênero samba-enredo, tem uma estrutura mais ousada do que os sambas atuais, com um refrão se repetindo duas vezes e fuga ao padrão das 27 linhas que os diretores de carnaval e harmonia tanto adoram.

 

Aliás, nas justificativas dos jurados para o carnaval de 2011, é digno de nota que o “bis” antes do refrão principal no samba da Unidos de Vila Isabel foi uma ousadia elogiada, o que demonstra que nem os jurados agüentam mais essa bobagem de padronização da estrutura dos sambas.

 

*****

 

Sobre o resultado do carnaval de 2011, algumas considerações: o Estandarte de Ouro resolveu premiar a Imperatriz com o prêmio de melhor samba, apesar da apresentação arrebatadora da obra mangueirense. Paulistofobia?

 

A Beija-Flor, independente dos erros (até porque todas as escolas cometem erros), foi uma campeã justa porque fez o melhor desfile no final das contas, o único que juntou um bom samba, chão, um tema culturalmente relevante e um plástica aceitável. Num ano de desfiles fracos (o acesso, então, foi um horror), só a Beija-Flor quis ser campeã. A única escola que tinha possibilidade mesmo de superar a Beija-Flor foi o Salgueiro, que infelizmente teve inúmeros problemas. Os dez do samba da Mangueira e o título da Beija-Flor, assim como o da Vai-Vai, em São Paulo (que em matéria de samba, só perdia para o Império Serrano no Brasil) premiaram as escolas que apostaram no coração. E isto é ótimo para os rumos do carnaval.

 

*****

 

No restante do Brasil, alguns destaques – infelizmente, em Vitória, o bom samba da Tradição Serrana não rendeu uma boa apresentação, até porque a obra sofreu com o intérprete limitado e a bateria com andamento equivocado. O samba teve péssimas notas, como todos os demais quesitos da escola, que acabou sendo rebaixada. A M.U.G. voltou a ser a campeã do carnaval local.

 

Em Floripa, a União da Ilha da Magia, com seu interessante enredo sobre Cuba, foi campeã pela primeira vez. Em Manaus, deu Reino Unido, que infelizmente apresentou um samba em que os compositores reutilizaram a melodia de um samba que tinham vencido em Vitória. Este tipo de coisa já rendeu até anulação de título em Florianópolis, logo alerto as escolas a ficarem mais atentas para não correr risco desnecessário.

 

Por fim, gostaria de apresentar aqui o vídeo da Imperatriz da Zona Norte, de Cruz Alta-RS, produzido pela TV Câmara Cruz Alta, com trechos do desfile da escola que foi tetracampeã do carnaval local com um samba de minha autoria em parceria com Imperial e João Pinho.

'

 

Abraços a todos!