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Coluna do João Marcos

ESSA TAL PADRONIZAÇÃO...

13 de dezembro de 2010, nº 43, ano V

Vamos imaginar o seguinte: É o Tchan faz sucesso nacional com a música “Segura o Tchan”. As platéias apaixonadas cantam “Segura o Tchan” com toda a força; um canto bonito, uniforme, único. No ano seguinte, o grupo lança “Segura o Tchun”, usando a mesma fórmula, os mesmos caminhos melódicos, o mesmo número de refrões. Outro sucesso.
 
As demais bandas começam a imitar o É o Tchan. Mais sucesso. As gravadoras chegam à conclusão de que aquela é a fórmula do sucesso. O É a Manivela lança “Segura o Gum”, em homenagem ao zagueiro do Fluminense, e estoura nas paradas. Novos grupos pipocam, todos seguindo a mesma fórmula, algumas trazendo pequenas inovações: o É o Zoológico lança “Segura o ‘Tião’”, utilizando as aspas pela primeira vez, denotando que aquela palavra teria duplo sentido – seria uma homenagem a Tião Macalé e ao Macaco Tião. Os críticos acham uma sacada genial. O É a Psicanálise lança “Segura o Freud”, com letra rebuscada sobre o complexo de Édipo utilizando quase a mesma melodia e o mesmo número de refrões. Os intelectuais dizem adorar e não confessam que, na verdade, não entenderam nada.
 
Chega o momento em que as rádios só tocam músicas que seguem aquele padrão, as gravadoras só produzem artistas que utilizam aquela fórmula. O resto é ignorado. Todos os cantores cantam como Cumpadi Washington; todos os grupos têm duas dançarinas, uma loira e uma morena. Todas as bandas têm seus fãs-clubes apaixonados e ninguém conhece direito as músicas – jogam as mãos pra cima, cantam o “Segura o...”, mas não sabem mais o resto das letras. Para falar a verdade, já estão até meio de saco-cheio daquilo tudo, mas continuam apoiando porque amam a Carla Perez, o Jacaré, as Sheilas, e similares. Os CDs vendem cada vez menos. Culpa-se a pirataria.
 
Surge um site chamado MPBRio mostrando que a música popular brasileira é rica, lembrando como era boa a diversidade de estilos, enaltecendo Elis Regina e Tom Jobim e, ao mesmo tempo, apontando a qualidade de Odair José e Eduardo Dusek. O site apresenta artistas negligenciados, como Vanessa da Mata, e exibe os novos trabalhos de Maria Bethania. É o veículo da resistência da qualidade diante do poder da mídia chapa-branca, que só mostra as músicas de É o Tchan e congêneres. Os fãs-clubes odeiam o site e tentam denegrir sua credibilidade, mas, apesar de tudo, o trabalho vai seguindo, sempre com a esperança no renascimento da música brasileira.
 
A maior parte das pessoas não escuta mais MPB e não dá a mínima para as rádios. Os fãs-clubes, vendo o desinteresse pelas novas músicas, exigem que os associados compareçam em reuniões pagas para que aprendam tudinho ou serão cortados dos quadros. Pagam-se cervejas para que se tenha gente nessas reuniões. O sucesso passa a ser artificial, os shows do É o Tchan se esvaziam antes do fim porque ninguém agüenta mais as músicas. No entanto, poucos se apercebem dos caminhos errados que a coisa foi tomando. É o Tchan lança “Segura a Trozoba”, para aplausos de todos que defendem a fórmula, que dizem que aquela é a evolução e que quem não gosta está ultrapassado.
 
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Achou tudo isto absurdo? Pois é, vivemos o absurdo e ninguém percebe.
 
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E começam a sair por aí os Júris dos sites com as notas aos sambas-enredo 2011. Uma coisa deve ser explicada: o SAMBARIO não faz júri – nós comentamos os sambas-enredos de todos os anos, inclusive sambas que já passaram pela avenida e já foram julgados. Fazemos crítica musical. Não estamos querendo adivinhar nota de jurado e nem quem terá o Estandarte de Ouro. A nossa visão é a do colecionador, a do cara que tem samba-enredo de todo lugar, de todos os grupos, sem preconceito, que está pouco se importando em estar certo ou errado de acordo com o júri oficial - até porque criticamos duramente o júri oficial. Queremos apenas mostrar o que achamos bom e o que não achamos.
 
Voltando aos júris, teve gente concordando com a gente – Mangueira teria o melhor samba. Teve júri que apontou Salgueiro; outro chegou a apontar o da Porto da Pedra. Quem tem a razão? Todos e nenhum. Música é uma experiência individual. Você vai reagir à determinada faixa de acordo com o seu passado musical, sua bagagem cultural, seus valores, seus sentimentos, etc. Para o jornalista, talvez o importante seja uma letra mais rebuscada e intelectualizada; já o velho sambista pode gostar mais do samba de um ex-parceiro ou um que tenha uma cara mais nostálgica; o rapazinho da internet pode preferir o samba da escola onde foi mais bem tratado quando freqüentou a quadra ou que o compositor participa do fórum de internet que ele gosta. E tudo isto é válido.
 
Cabe a cada um, na medida de seu interesse sobre o assunto, ler as justificativas, as opiniões e filtrar tudo. O importante não é quem ficou na frente de quem em tal enquete, mas o que é dito e, na média, há coisas interessantes e bizarrices em todas as análises.
 
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Com relação à reação aos comentários, nós do SAMBARIO nos acostumamos a ser apedrejados. Geralmente, o povo não gosta das notas que damos, até porque não seguimos o padrão LIESA – as nossas notas são de 0 a 10, o que acaba incomodando aqueles que acham que a gente tem de dar 9,7 como notas mínimas. Algumas reações são até engraçadas, como a do rapaz que não entendeu a crítica às “aspas” do verso de um determinado samba. Quando se critica as “aspas”, não é pela presença do sinal de pontuação na letra – até porque ninguém canta as aspas. O problema é que, geralmente, elas indicam aquela solução cansada de usar uma palavra com diversos sentidos, sendo que o sentido não tem qualquer ligação com o discurso que vinha sendo desenvolvendo na letra, fazendo a coisa soar artificial e hermética para o grande público.
 
Para vocês terem idéia de como as “aspas” podem prejudicar o entendimento das letras, uma das que mais utilizaram o recurso foi a da Porto da Pedra. O samba ficou tão incompreensível que um amigo comentou: “Cara, eu fui mostrar esse samba da Porto para a minha mãe. Ela ouviu, achou bonitinho, mas comentou: Eu só não entendi o que a Clara Nunes tem a ver com o enredo”.
 
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Nós, do SAMBARIO, recebemos um e-mail que, para mim, particularmente, foi muito especial. Confesso que sou fã de carteirinha da parceria, autores de alguns dos melhores sambas-enredos do carnaval brasileiro. Mostra que o nosso trabalho chega a quem tem de chegar, aos verdadeiros craques do samba.
 
Reproduzo aqui e aproveito para divulgar o trabalho dos mesmos:
 
Prezados jornalistas, esse email está sendo enviado por Heraldo Faria, Flavinho Machado e Edu Velocci. Nós dois, primeiros, somos antigos compositores de samba de enredo e o Edu se juntou a nós em 1999. Depois dos últimos anos de disputa, inclusive após ganharmos o samba enredo da Viradouro de 2009, compusemos um samba de meio de ano, que se chama "A Vírgula", que trata da composição do samba, das disputas, dos recebimentos do prêmio e de outras coisas. Esse samba, que estamos enviando agora e que se encontra no youtube http://www.youtube.com/watch?v=rI55raBIAXY, gostaríamos que fosse ouvido por vocês e divulgado no meio dos compositores que ganham e perdem, ano após ano, com muita briga e muita reclamação, mas que permanecem na disputa apesar de todo o sofrimento. Agradecemos a atenção e pedimos desculpas pelo atrevimento. Abraços do Heraldo, Flavinho e do Edu, ressaltando que ficamos muito orgulhosos quando vocês, apesar de toda polêmica, escolheram nosso samba "Vira Bahia, Pura Energia" - Viradouro 2009, como o melhor samba do ano. Obrigado.

 
Abraços a todos!

João Marcos
joaomarcos876@yahoo.com.br