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Coluna do Fábio Fabato

Coluna do Fábio Fabato

O "PRODUTO" CARNAVAL NA ERA DO PATROCÍNIO

O efeito profissionalizante das escolas construiu um novo cenário, modificando as relações no carnaval. Além da beleza plástica e da técnica, outro elemento invade esse universo: o marketing. A princípio vedado sob manifestação de merchandising, as agremiações foram se apropriando dele e encontrando ali uma fonte de recursos, o patrocínio, que garante boa parte das cifras envolvidas num desfile. Entretanto, um movimento contrário parece ter tomado conta das práticas mercadológicas no mundo do samba: o marketing se apropriando das escolas, ditando regras e definindo enredos.

No “II Encontro Internet e Carnaval”, realizado no dia 15 de agosto, pela lista “Rio-Carnaval”, no Rio de Janeiro, um dos assuntos que deram a tônica dos debates, foi a da importância de uma estrutura de captação de patrocínio sem que haja prejuízos à qualidade dos enredos. Afinal de contas, a práxis relativa à pasteurização, imposição e enquadramento temático tem comandado as relações entre o capital proveniente de terceiros, e o momento de bater o martelo sobre qual história será levada para a avenida.

O período atual registra na história das escolas a “Era do Patrocínio”, onde a disputa de espaço é travada entre o marketing e o trabalho artístico, estando o primeiro com nítida vantagem sobre o outro. Assim, organizações, estados, municípios e países fazem seus investimentos no carnaval das escolas de samba, encontrando muito mais do que associação de suas marcas aos aspectos culturais, posicionando-se no centro dos discursos apresentados na avenida. É o marketing, que encontra espaços diferenciados para promoção de produtos, serviços e marcas. Desta forma, obriga os grêmios a pensarem em quem está se apropriando de quem.

A carnavalesca Lilian Rabello defende um repensar de postura por parte das escolas. Na sua visão, diante da importância que desempenham como síntese cultural de uma nação, elas teriam toda a capacidade de negociar investimentos deixando de lado o revés do sacrifício do tema-enredo. “A Petrobrás dá incentivos ao teatro nacional, e nem por isso assistimos a montagens que tratem da história do Petróleo”, diz.

Colunista de carnaval e mestre em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense, Fábio Pavão, manifestou a mesma visão da carnavalesca em sua coluna “Coronelismo, Carnaval e voto”, publicada no Tudo de Samba: “Pela lógica do patrocínio cultural, as empresas e governos que apóiam determinados projetos atrelam seus nomes a uma marca valorizada, agregando uma imagem positiva. Não é preciso ter sua história narrada, o que, convenhamos, seria extremamente desagradável. Por que, então, temos de aturar, no carnaval carioca, o estado do Amazonas ser exaltado a cada ano eleitoral?”, questiona.

A verdade é que algumas escolas têm buscado o patrocínio, mas sem o pensamento em estratégias concretas que agreguem valor ao material cultural produzido. Portela e Mocidade Independente, por exemplo, deixaram o anúncio de seus enredos para os 45 minutos do segundo tempo, à espera de um milagroso aporte milionário que garantisse sobrevida aos combalidos cofres de ambas. E nesta ótica, acabam por sacrificar os seus calendários, atrapalhar o ofício dos compositores (que têm pouco tempo para trabalharem dignamente suas obras), estruturando um problemático efeito bola de neve, que, nos últimos anos, tem sido exposto ao público na hora H dos mapas de apuração. Lilian Rabello defende a criação de uma equipe de captação de recursos e de estratégias de marketing, que já comece a trabalhar pela temática da agremiação do ano seguinte, antes mesmo do fim do carnaval.

Inevitavelmente, as escolas necessitam começar a pensar em médio e longo prazo, adotando técnicas de planejamento estratégico para suas práticas. “Se, por exemplo, o enredo do carnaval 2008 já começar a ser pensado em janeiro de 2007, o carnavalesco terá mais tempo para imaginar e burilar o direcionamento temático e estético de sua criação. Ganham todos. Do compositor que se sente mais estimulado a produzir um grande samba, ao componente, que terá mais tempo para assimilar a proposta da escola”, afirma Lilian.

Para o carnavalesco Mauro Quintaes, da Acadêmicos da Rocinha, é difícil encontrar, atualmente, uma escola de samba que não necessite de injeção de dinheiro externo. Mas enfatizou que as ações devam ser pensadas e empreendidas por um departamento comercial com visão estruturada. “Penso que tudo é possível na folia, lição que aprendi com o João (Joãosinho Trinta). Tanto na parte artística, como também na comercial, as possibilidades são infinitas. O ‘produto’ carnaval é muito bom, e ainda tem de ser mais explorado, mas lógico que com cautela e competência”, diz.

Associações forçadas, enredos artificiais e aprisionamento aos patrocínios são ocorrências que custam alto para as agremiações. Nesta ótica, enxerga-se somente uma única válvula de escape para que não haja o comprometimento temático, ocorrência comum nos dias de hoje: a profissionalização e o domínio das práticas de marketing por parte das escolas de samba. É emergencial a construção de um aparato que lhes permitam ter propriedade sobre as ações de negociação comercial, de forma a continuarem a adquirir os recursos financeiros de que necessitam, mas preservando seus aspectos essenciais.

A utilização do marketing dentro dos princípios de uma gestão que não traga malefícios às agremiações tornou-se emergencial. Ao contrário de transformar patrocinadores em enredo, as escolas de samba devem lhes oferecer a associação de suas marcas com os aspectos culturais, característica intrínseca às ações no campo do marketing cultural. Seguindo este princípio, vários projetos que envolvem as comunidades, a preservação e a transição de valores entre as gerações de sambistas poderão consistentemente ganhar fluxo mais intenso. Desta forma, empresas, estados, municípios e países saem do centro da arena para ganharem visibilidade e credibilidade como viabilizadores do espetáculo carnavalesco. As agremiações por sua vez, seguem o caminho da produção cultural e da difusão de uma das principais tradições do Brasil, desativando-se enquanto canal de merchandising e vitrine mercadológica.

Artigo escrito em parceria com Alessandro Ostelino

Fábio Fabato
fabiofabato@yahoo.com.br