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Editorial Sambario
Edição nº 65 - 24/06/2017

O Brasileiro não dá Valor ao que é seu - Pelos quatro cantos do mundo, nos cinco continentes... até nos mais gélidos iglus da Antártida. Onde aquele homem passa, a população local para pra admirar. Um coroado que centraliza todas as atenções para si. O cintilante brilho nos olhos dos nativos abordados sintetiza o encantamento. “Há um rei entre nós”, pensam. “E ele é de carne e osso, é gente como a gente”, é o complemento.

Sim, o negro que ganhou três Copas, fez mais de mil gols mesmo sendo um antigo ponta-de-lança e até parou uma guerra para que as nações armadas pudessem saborear a breve trégua o vendo em ação. Até hoje, aos 76 anos, a simples presença de Pelé eleva o status de qualquer evento no planeta, atraindo prestígio e destaque em todas as mídias. Isso que sua trajetória nas quatro linhas se encerrou há exatas quatro décadas.

No Exterior, quando uma pessoa diz a outra que nasceu no Brasil, o interlocutor estrangeiro brada, depois de abrir largo sorriso, com o sotaque correspondente: “Brasil, Pelé, samba...” além de outras referências. Sim, nada mais brasileiro do que o futebol e, é claro, o Carnaval. O maior espetáculo da Terra. Também orgulho de nossa nação, que igualmente deixa o espectador de qualquer lugar maravilhado.

Mas por que tantas brasilidades são tão hostilizadas pelos próprios filhos de nossa pátria? Pelé, o atleta do século passado, o maior dentre todos do esporte bretão. Ao invés de enaltecermos seus lances antológicos, essenciais para consolidar a aura futebolística, o povo prefere tratar o eterno camisa 10 como um reles palpiteiro medíocre, o comparando a um frequentador de botequim qualquer que também se julga apto a convocar a Seleção. Ou pior, se refere ao rei do futebol como o pai que se recusou a registrar uma filha.

Ora, quem é que não comete erros? Não muito longe daqui, Maradona é cultuado em seu país do jeito que merece, de maneira a fundarem uma religião em sua homenagem, com igreja e tudo. “El Pibe de Oro” também é uma personalidade repleta de condutas condenáveis. Mas minimizadas por seu povo, que acertadamente foca na exaltação às suas virtudes, no reconhecimento aos seus feitos. Por que Pelé não possui reverência igual entre seus conterrâneos? Muitos dos nossos preferem Dieguito, até Messi, ao invés do craque santista. Pelo simples fato dos hermanos não serem brasileiros. Maldita mania de desdenharmos do que é nosso. O vira-latismo não morreu em 1958, Nelson Rodrigues! Pelo contrário, se fortaleceu. Ainda mais com esta geração Facebook que se acha especialista em tudo e problematiza até o biscoito que virou bolacha.

O Carnaval é nosso outro RG. Nada mais brasileiro do que uma escola de samba. Gringos das mais distintas localidades pulam como crianças quando ouvem uma bateria. Escolas que geram empregos, projetos sociais, sambas-enredo inesquecíveis e que enriquecem o acervo musical de nosso país, além de artistas, cantores, compositores, carnavalescos congratulados por representantes de todas as nacionalidades. Nem precisa puxar muito pela memória pra se recordar da apoteose e do frisson que as agremiações proporcionaram nas cerimônias de abertura e de encerramento do Rio-2016, só pra citar um exemplo. Entendo que a festa, criada por negros dos morros e que por décadas era predominada por gente humilde e responsável pela paternidade da batucada, se elitizou. Para engrandecer o espetáculo e garantir as altíssimas arrecadações essenciais para o bem-estar dos cidadãos, o Carnaval precisou se adaptar aos novos tempos, se mercantilizar.

O que gerou a contrapartida do afastamento do povo, cuja maioria apoia nas redes sociais não só o corte pela metade da subvenção como também a tesoura integral na contribuição pública aos grêmios recreativos. Pessoas que, lá no fundo, estão cientes de que o bispo cosplay de prefeito se aproveita da mais sórdida das demagogias para usar as crianças das creches conveniadas para jogar a população contra o Carnaval, um tríduo que não está de acordo com o fundamento religioso do qual o mandatário faz parte. Fingem não saber que estão no meio de um conflito gerado pela intolerância, que procura denegrir um patrimônio da nossa nação, igualmente enaltecido lá fora... entende? Mas preferem vomitar pensamentos subjetivos e prejudiciais à nossa cultura. Já diria o saudoso Beto Sem-Braço: o pior cego é aquele que enxerga e não quer ver!

Tanto Pelé quanto as escolas de samba carregam a culpa por serem pisados pelos próprios conterrâneos e por razões semelhantes. O craque nunca abre mão de cachês polpudos por suas aparições. E as agremiações a cada ano inflacionam a batucada. Rainha de bateria é quesito? Então por que fantasias tão exorbitantes? Só pra reforçar a ideia de futilidade entre atrizes abonadas e pouco identificadas com o ziriguidum. Nas disputas de samba-enredo, além de inventarem ônibus, torcida comprada e adereços no palco (!), agora me aparecem clipes dos sambas concorrentes em que os compositores pulam no estúdio e, como se não bastasse, encenações com atores nos vídeos... só pra encarecer tudo de vez. Quem sonha em compor um samba pra desfilar na avenida e se depara com tantos gastos certamente é inibido na primeira hora.

A imensa fatia do público que aplaude o bispo evidentemente não sabe, mas ao torcer pelo fim do Carnaval, apoia um castigo histórico às escolas pelo gigantismo que acabou por desmerecer seus baluartes. Já nos longínquos anos 60, Ismael Silva, o criador da primeira escola, foi expulso de um desfile por não ter dinheiro pro ingresso. No fim da década de 70, Cartola reclamou que o andamento do samba era de parada militar. No Carnaval 1987, o querido Sérgio Cabral (o pai, é claro) clamava no microfone da saudosa TV Manchete para que os brancos devolvessem as escolas de samba aos negros.

Não é pelo dinheiro. O furacão evangélico que ameaça a folia momesca, assim que se dissipar e se tornar uma mera brisa, pode proporcionar às escolas de samba reflexões que permitam novas saídas, reinvenções e soluções mais criativas e baratas. Segundo Fernando Pamplona, tem que se tirar da cabeça aquilo que não se tem no bolso. Aliás, seria interessante ouvir, lá do firmamento, a voz grave do velho Pamplona refletindo o fato do atual mandatário carioca querer desobedecer o artigo 215 da Constituição, que diz que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.

Ah, e só pra constar: o bispo eleito prefeito, que publicou livros afirmando que religiões africanas são diabólicas e abrigam espíritos imundos, contou com o apoio das agremiações na eleição. Extra, 13 escolas enganadas!

Foto: Agência Brasil