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Coluna da Denise

MENTIRAS SINCERAS ME INTERESSAM

20 de abril de 2008, nº 02, ano I

E aí, meu povo virtual, tudo ok? Fiquei muito lisonjeada com os elogios de minha primeira coluna aqui no Sambario. Recebi alguns e-mails, li em outros sites algumas manifestações de apreço, e, esse incentivo, fez-me mais uma vez concentrar umas horinhas em frente ao computador para produzir mais uma coluna (o combinado com o Marquinho seria uma por mês, mas já que as idéias estão fervilhando na minha cabeça, vou dar asas a elas).

Dessa vez vou me concentrar no Grupo de Acesso A da Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Como todos sabem, a Liga Independente das Escolas de Samba vem promovendo nesta década uma política de enxugamento do Grupo Especial, materializado pela ascensão de apenas uma escola da Associação, exclusão da campeã da Associação no desfile das campeãs, e na diminuição do número de escolas da elite.

Assim, mesmo com uma cidade de samba construída para abrigar 14 barracões, hoje o Grupo Especial conta apenas com 12 escolas, e, podermos dizer, que, muito provavelmente, ele se fechou em 11, já que a escola ascendente da Associação é sempre a carta marcada a deixar a tropa de elite.

Espero sinceramente que, em 2009, a grandeza e a tradição do nosso queridíssimo Império Serrano possam escrever uma página diferente nesse comodismo que só interessam às onze interessadas.

Como todo ato precisa de uma motivação, a Liesa alegou que a sua atual política visava a fortalecer o Grupo de Acesso A, que, com o incremento de escolas especiais, “acomodadas”, iria, a curto prazo, funcionar como o terceiro dia de desfiles do Especial.

Em relação ao Grupo de Acesso, é lógico que não podemos discordar que este teve uma melhoria, e muito se deve também a transmissão, mesmo que precária, da CNT. Por outro lado, o fato de o principal grupo da Associação ter o privilégio de contar na última década com escolas como Unidos da Tijuca, Vila Isabel, Império Serrano, União da Ilha, Caprichosos de Pilares, Estácio de Sá e São Clemente, aliado ao distanciamento do grande público, por não ter mais condições financeiras de arcar com o preço dos ingressos dos desfiles do Grupo Especial, fizeram com que o Grupo de Acesso A pudesse abrigar esse público desprezado pela Liesa.

A “cara” do Grupo de Acesso A também está em transformação. Das 10 escolas que por lá desfilam (e já teve proposta querendo reduzir para 8, embora tenha caído no esquecimento), nota-se que mais da metade delas estão imprimindo um estilo de desfile bem próximo àquele padronizado pela Liesa. Tanto é assim que as últimas escolas ascendentes, Rocinha (2006), Estácio (2007), São Clemente (2008) não fizeram feio no Especial (no sentido de se igualar à realidade posta pelas outras 11), e, todas tinham plenas condições de permanecer no grupo, se não fossem infortúnios ou menosprezo dos jurados.

Mas o Grupo de Acesso A está longe de ser o terceiro dia “forte” de desfiles. Não por causa da vontade das escolas que por lá desfilam, mas pela total falta de apoio financeiro da Prefeitura, da mídia e da iniciativa privada.

Trata-se o enxugamento do Especial e a valorização do Acesso A em uma daquelas falácias, aparentemente válidas, boa no discurso argumentativo, mas que se esfacela ao primeiro contato com a realidade posta às 10 escolas do Acesso A.

È bem verdade que a Prefeitura ensaia algumas “migalhas dormidas”, acenando com a possibilidade de enredos temáticos, mas de uma forma incipiente e injusta, já que a fatia para o mesmo patrocínio de duas escolas do Especial equivale a todo o patrocínio para as 10 escolas do Acesso A. Mas, para um grupo, no qual a maioria das escolas nem contam com barracões decentes para preparar a festa, "raspas e restos” lhe interessam por demais.

Dizem que a política é a arte de mentir. Recentemente veio a público uma notícia de que um dos candidatos à Prefeitura teria como uma de suas plataformas políticas a valorização dos Grupos A e B (e os da Intendente????) com a construção de um albergue  para as escolas “maiores abandonadas” do Rio de Janeiro. A proposta nos soa utópica demais, pois como imaginar a Prefeitura deixar chegar aos Grupos de Acesso sua política de pão e circo, se não há lá a contrapartida dos holofotes necessários ao continuísmo político?

Voltando aos motivos do enxugamento do Grupo Especial, a Liesa mudou o discurso inicial, concentrando suas justificativas no conforto ao público, que estava “cansado” de ficar mais de 8 horas assistindo ao espetáculo. Mas seria esse o mesmo público que nos idos dos anos 70 e 80 ficavam até depois do meio-dia participativos aos infindáveis e desorganizados desfiles promovidos pela Riotur?

Lógico que não. Boa parte do público foi rifado do desfile e em seu lugar colocaram turistas (internos e externos) tão gélidos que não agüentam ver a passagem da segunda escola. É certo também que a padronização em série promovida na Liesa, causou uma mesmice que descaracterizou as escolas e as colocaram com a mesma cara, e não há como fugir do cansaço, nem mesmo se for para inglês ver.

É desse público, ocasional e financeiramente viável, que a Liesa se refere. Uma absoluta inversão hipócrita de valores. Depois não entendem porque os desfiles não mais seduzem como dantes. Logo, os argumentos da Liesa mostraram-se efêmeros e se basearam na conjectura pura e simplesmente de aumentar a fatia do bolo entre suas escolhidas filiadas.

Como diz o ditado, a mentira tem pernas curtas. Estamos quase no final da década, e não vimos o “boom” prometido no Grupo de Acesso A. É uma pena, especialmente, ver quatro escolas especiais, serem usadas de chamariz de um espetáculo, que leva o circo sem comprometer o pão da população carioca, de uma forma tão previsível, injusta e sem a menor chance de quebrar o fechado Grupo Especial da Liesa.

Em 2009, sem meias verdades, teremos mais uma vez fora do Grupo Especial quatro escolas responsáveis por desfiles leves, soltos, alegres e contagiantes. Duas delas são fundadoras da Liesa, uma já foi campeã do Especial e a outra imprimiu uma marca de desfiles críticos e irreverentes. O que elas têm em comum? São as maiores abandonadas da Liesa, perdidas sem patrono e influências a um passo da porta da Liesa, pedindo um porquinho de proteção.

A União da Ilha, após uma trajetória muito bem sucedida no Grupo Especial, amarga desde 2002 um calvário nada condizente com as suas valiosas contribuições para o samba carioca. É bem verdade que a escola, durante todo esse tempo, poderia ter voltado a desfilar no Domingo do Especial, mas, digamos assim, que o sol da escola, que outrora, até à noite brilhava, se pôs e entristeceu a todos os amantes do carnaval carioca, ansiosos por vê-lo renascer do astral da escola insulana, na expectativa de uma nova era que, ano a ano, teima em não vir. E o que será do povo do carnaval, sem tomar um porre de felicidade, uma vez que os desfiles lindos, leves e soltos foram cantar em outra Freguesia? Será que é tão difícil entender que o público do carnaval precisa é de um banho de felicidade e dar um porre na tristeza? É tão difícil entender o que faz o povo delirar?

Desfiles delirantes e desvairados têm endereço certo. Como privar o público amante do carnaval carioca do berço do samba carioca? O velho Estácio, que emocionou a avenida desde a época que era São Carlos? Na era da modernidade do samba, deu bode na Sapucaí. A politica do “se pegar o bicho come e se ficar o bicho pega”, afastou-nos do bom feijão com o arroz preprado e embalado pela excelente bateria do nosso Bravo Estácio, que sempre foi à luta. Deixar o samba correr e a água rolar é de uma passividade sem precedentes. Sou mais a política do “me dê, me dá”, e cobrar a hora da cobra fumar e ver bailar no ar a esperança de tê-lo novamente no Grupo Especial.

Por falar em cobra fumante, caprichosamente, no progresso da folia, a luz do palco iluminado também apagou dos atuais desfiles da elite a crítica política e irreverência da escola de Pilares. É com uma sensação de impotência que vimos o vento levar a campeã da transição política-democrática, que escreveu uma bela página na história dos desfiles. Esse negócio de acomodação é lero-lero, conversa mole e papo pra boi dormir. É desejo de todos aqueles que gostam do que é bom, a volta do que sumiu do carnaval no dia-a-dia, e ver a Caprichosos pisar forte na avenida. A bem da verdade, ela nem merecia cair.

Vou botar mais fogo nisso.

É muito triste constatar que o samba sambou e hoje é dirigido com sabor comercial, afastando do Especial escolas como a São Clemente, que marcou sua trajetória durante as décadas no carnaval carioca, com consciência social, sempre antenada com a problemática do povo brasileiro que se identificava com a escola que fazia valer seus direitos. A escola que nos fez acreditar que no Brasil o que é sério é carnaval, não viu a luz de um novo amanhã. Nesse salve-se quem puder, o forte ganhou no grito, o fraco tenta levar no bico, mas o negócio mesmo é se arrumar. Mas ainda há tempo de consertar essa zorra e despertar do coma o samba adormecido sob o manto dos vorazes tubarões. Afinal, se essa onda pega que vá pegar n’outro lugar, pois maiores são os poderes dessa gente guerreira, otimista e festeira, que merece ser feliz  e não se entrega não.

Antes de me dispersar, vamos combinar uma coisa? Como a interatividade está sendo a mola propulsora dos grandes debates, proponho que vocês escolham qual o assunto que querem me ver comentando na próxima coluna. Seguem duas sugestões:

I - falar sobre duas escolas que estão na Intendente, mas que nunca deixaram de ser especiais;

II – falar sobre algo a ver com a verdade “nua “ e “crua” de aspectos relacionados com a moral e bons costumes  do carnaval (incluindo, quem sabe, a fogueira das vaidades das rainhas do carnaval).


denisefatima@gmail.com