RETROSPECTIVA DO CARNAVAL 2025 (PARTE 3): O QUE FOI DESTAQUE ALÉM DA AVENIDA
Um
novo carnaval começa a partir do momento em que a última
escola do sábado das campeãs cruza o final da avenida
– ou, no caso do Rio de Janeiro, quando a última
campeã da Intendente Magalhães, geralmente aquela que vai
abrir o próximo ano na Sapucaí, é conhecida.
A festa é o ápice, mas não se constrói
sozinha. A avenida é a glória, mas pra se chegar
lá muita coisa precisa ser feita. E a rolança do tempo
(termo que aprendi num enredo da Acadêmicos de Santa Cruz sobre o
imortal Mário Lago) não gira em torno de apenas dez,
quinze dias. E como uma retrospectiva não é feita apenas
de desfiles, destacamos aqui nesta parte final os principais momentos
do carnaval além da avenida.
Tanta pressa pra quê...
A LIESA andou em passo muito apressado neste 2025. Depois da estreia do
formato de três dias de desfile e de sair com ferimentos nada
leves da polêmica envolvendo o julgamento da Unidos de Padre
Miguel, a Liga virou a chave para 2026 mais cedo do que o normal: o
sorteio da ordem de desfile foi realizado no dia 11 de abril (muito
antes do que se costumava fazer), o calendário das finais de
samba-enredo foi adiantado pra setembro numa forma de lançar o
álbum oficial o mais cedo possível, a Noite dos Enredos
veio para o início de agosto... Fora isso, outros
anúncios importantes: mudanças no julgamento e no corpo
de jurados (seis por quesito, com sorteio de quatro notas), o
anúncio da lista de forma separada – Bateria foi o
primeiro quesito a ter seus julgadores divulgados, a
criação de uma Fan Fast em Copacabana, a
redução dos ensaios técnicos às semanas
anteriores ao desfile e o desmembramento do desfile mirim.
Mas se tratando dos eventos-chave, a gestão de Gabriel David e
companhia seguiu em rota não-linear. A gente até entende
os motivos, mas... Por que a pressa?
Beija-Flor se apresenta no sorteio da ordem de desfiles para 2026 (Foto: Carlos Fonseca/SAMBARIO)
Discografia em tempos (irritantemente) modernos
Já que falamos em samba-enredo no tópico anterior...
Não bastasse apenas o lançamento antecipado (o que
até tem seu ônus): a divulgação das faixas
em formato de single (individual) foi a grande novidade e
tendência do ano, num definitivo aceno aos modelos modernos do mercado musical. As datas
foram mais individuais ainda: entre os sambas de Tuiuti e Vila foram
quase 15 dias de intervalo. Algo pra se ajustar – caso o recurso
se mantenha – para os próximos anos... Como se não
bastasse, a Série Ouro e outras praças (como
Vitória e Corumbá) aproveitaram o embalo da LIESA e
também adotaram o modelo. São Paulo deixou de produzir a
mídia física, mas pelo menos lançou tudo de uma
vez...
Sambas do Grupo Especial carioca foram divulgados individualmente, em
formato de single (Foto: Divulgação/Rio Carnaval)
E já que falamos em São Paulo...
Algumas mudanças importantes rolaram na gestão dos
desfiles no Anhembi. A começar pela diretoria da LigaSP:
também presidente da Dragões da Real, Renato
“Tomate” Remondini assumiu o comando da
instituição sob o lema de faze-la “Resistente,
Acolhedora, Inclusiva”. Tratando-se das escolas, Fabinho LS
assumiu a presidência do Império de Casa Verde com a
saída de Alexandre Furtado – também vice-presidente
da Liga, preso desde setembro. Porém, nada foi mais
dramático do que se desenrolou pelos lados da Barra Funda:
após o quinto lugar, o Camisa Verde e Branco se viu envolto em
uma guerra política que paralisou os trabalhos da escola por
quase cinco meses. A atual diretoria (da presidente Erica Ferro) e o
grupo de oposição (comandado pelo trio Carlos Alberto
"Xará", Luciano de Jesus e Fernando Neninho) travaram longos
processos judiciais acerca da realização de novas
eleições na escola – marcada e desmarcada por
diversas vezes. Sem um acordo momentâneo, a Justiça
devolveu a presidência da agremiação para Erica
Ferro, que enfim pode tocar o carnaval do Trevo – que agora corre
contra o tempo.
Na tela da TV, no meio desse povo
Com relação aos direitos de transmissão, nada
mudou nos desfiles principais: a TV Globo manteve o Grupo Especial de
Rio e São Paulo no seu portfólio. As mudanças
ficaram para outros grupos: a Band adquiriu a transmissão do
Grupo de Acesso 1 paulistano, que se junta à Série Ouro
carioca no canal dos Saad – ainda não foi confirmado que o
Acesso 2 continuará tendo exibição televisiva.
Fora da Ponte-Aérea, a grande novidade ficou para
Vitória: os desfiles do Sambão do Povo trocaram a TV
Gazeta (afiliada da Globo) pela TV Sim, que assumiu o sinal do SBT no
estado no início de 2025.
Os sucessores
Um dos momentos mais esperados do pós-carnaval de 2025 (e,
evidente, o pré de 2026) derivou a pergunta muito repetida desde
o fim dos desfiles: quem vai substituir Neguinho da Beija-Flor? Pra
responder, a solução foi criar um reality show: “A
Voz do Carnaval”, parceria da agremiação com Globo,
AfroReggae e Formata, que teve produção de José
Junior, Daniela Busoli e Leonardo Lessa Lopes, direção de
Jorge Espírito Santo e idealização do presidente
da LIESA Gabriel David. Gravado em junho na Cidade do Samba, o programa
indicou Nino do Milênio e Jéssica Martin como os
vencedores e novos intérpretes da atual campeã –
ambos empataram no episódio final. A exibição do
reality no canal pago em setembro, no entanto, teve baixíssima
repercussão (o primeiro episódio, por exemplo, foi
exibido no mesmo horário de um jogo da Seleção
Brasileira).
Na Portela, a inesperada morte de Gilsinho fez a escola contratar
Zé Paulo Sierra para o posto, dividindo-o com a União de
Maricá. Zé é o primeiro cantor a defender duas
agremiações na Sapucaí desde Quinzinho em 1994
– quando o veterano serviu ao Salgueiro e à Santa Cruz.
Agora é com eles: Nino do Milênio e Jéssica Martin
sucedem Neguinho da Beija-Flor na atual campeã (Foto:
Divulgação/Multishow)
Festa estranha com gente esquisita
Este site é exclusivamente voltado ao samba-enredo e não
dá palco pra famosos (até porque tradições
são inegociáveis), mas infelizmente é
inegável citar a invasão de celebridades ou de gente que
se diz uma no meio do carnaval. A começar pela tal
Virgínia, que uma vez coroada rainha de bateria trouxe consigo
seu samba no pé (ou a falta dele), seu caminhão de
contradições e sua seita cibernética que anda
arrumando polêmica dia sim o outro também. Depois, a
profusão de musas no Salgueiro – com anúncio dia
sim, o outro também. E como se não bastasse, ainda teve
uma ex-participante de reality show indo pra internet falar que o
carnaval precisava “agradecer” as influenciadoras por
“estar mais bombado” em relação aos anos
anteriores. É mole?
Eu pergunto a você, caro leitor: vale a pena tudo isso pra “sair da bolha”? Eu hein...
Aliás, aliás...
Falando agora pra dentro, o que mais se viu esse ano nas redes sociais
foi um festival de atitudes lamentáveis da “bolha”
nas discussões sobre carnaval, incluindo desrespeito deliberado
à pavilhões, profissionais e até gente comum que
discute o desfile com racionalidade. Já dizia o falecido
Sólon Tadeu: isso é uma festa, não uma guerra.
Mais amor no coração, rapaziada.
Homenagens e mais homenagens
Se os desfiles de 2025 foram em tom afro, os anúncios de enredo
em 2025 seguiram o tom da reverência e do legado. Nove das 12
escolas do Grupo Especial carioca optaram em prestar homenagens no seu
próximo carnaval – em São Paulo, a Estrela do
Terceiro Milênio vai homenagear o compositor Paulo César
Pinheiro. Da escritora Carolina Maria de Jesus ao presidente Lula, cada
uma teve um jeito. Mas dentre tantas, nada superou o diferencial da
Viradouro quando revelou a homenagem pra Mestre Ciça:
surpreendendo todo mundo... inclusive o próprio homenageado, que
não conteve a emoção, numa das cenas mais bonitas
do ano.
A emoção de Mestre Ciça ao descobrir que o enredo da Viradouro seria... ele mesmo (Foto: Renata Xavier)
E o ano termina com um crossover inesperado
O samba que embalou o campeonato do Rosas de Ouro em março
termina o ano na crista da onda. Um trecho da letra foi utilizada pelos
perfis oficiais do Vasco após a classificação do
clube pra final da Copa do Brasil, suficiente para a torcida
cruzmaltina abraçar o samba na busca pelo título da
competição – que acabou esbarrando no Corinthians
no jogo decisivo. A relação da Roseira com o
esporte-bretão é longa, já que o samba de 1988 foi
usado como vinheta nas transmissões da extinta Rádio
Globo paulistana entre os anos 80 e 90. Futebol e samba sempre
caminharam lado a lado, mas por essa “collab” nem mesmo o
vascaíno mais sambista esperava...
"Pra conquistar a glória, lutar, fazer
história! Se tornar um herói! A cada
competição, uma nova emoção..." 🎶🥁💢
Candidatos ao posto houveram: o Malunguinho da Viradouro, as Pororocas
Parawaras (ou para os íntimos “A Mina é
Cocoriô”) da Grande Rio, a obra do Barroca Zona Sul sobre
Iansã... Mas o grande samba da temporada eleito por esta coluna
vem de Vitória: “Da Lama Sai Muito Barulho”, obra
que a Chegou o Que Faltava fez para exaltar seu bairro de origem,
Goiabeiras. A letra (de um único autor, Junior Fionda) procura
sempre destacar a afirmação do orgulho da
agremiação pelas suas raízes, em versos como
“Nasci… Da fogueira dessa gente / De chão nobre,
imponente / Preta forma de amor” e nos fortes refrães,
sobretudo o central muito destacado pelo trecho “Tira a canga do
boi”, de uma melodia irresistível. O samba embalou a azul,
rosa e branco ao seu primeiro vice-campeonato no carnaval capixaba
desde 1987.
E assim foi 2025. Um ano carnavalesco de novidades, de pressa, de
perdas, modernidade e consagrações. Agora, mais uma vez,
o futuro nos espera. E que o carnaval possa nos trazer novas
histórias, novos capítulos, novas emoções e
alegrias para testemunhar. Repetindo sempre aquele lema: onde tiver
samba, onde tiver avenida, estaremos lá para aplaudir e batucar.
Pois, apesar de tudo e todos, carnaval segue firme.
A você, querido leitor do SAMBARIO que nos acompanha
pacientemente e nos ajuda (dentro do possível) durante todo o
ano, os nossos votos de Feliz Natal e um excelente Ano Novo. Que 2026
seja rodeado de esperança, amor, muito batuque e samba no
pé. A gente se encontra.