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Os sambas do Grupo Especial do RJ 2024 por Cláudio Carvalho

Os sambas do Grupo Especial do RJ 2024 por Cláudio Carvalho

As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile

Imperatriz: Atual campeã do carnaval, a Rainha de Ramos traz, talvez, o samba mais controverso da safra. Para alguns, um dos piores. Para outros, o melhor. Trata-se de um samba que precisa ser escutado mais de uma vez, sem preconceito, pra que se perceba seu valor. Num gênero musical onde uma obra tem, pelo menos, três versões (concorrente, oficial e do desfile), é comum alguns sambas surgirem como antológicos e minguarem ao longo do tempo, bem como outros surgirem como "bois" e se firmarem. É o caso aqui. Ademais, é sempre interessante quando o mundo do samba reverencia o povo cigano, algo que acontece pouco, talvez pelo incêndio da alegoria da Viradouro em 1992. Trecho de destaque: Prenúncio da sina da minha escola. O sol beija a lua no espelho do mar. Já está marcado no meu calendário. Verde-esmeralda é vitória que virá. Nota: 9.8

Viradouro: Desde que voltou ao Grupo Especial, a vermelha e branca de Niterói vem mostrando uma força até maior do que no período entre o final dos anos 1990 e início dos anos 2000, seu apogeu até então. Isso se reflete na qualidade de seus desfiles (é a atual lider do ranking da LIESA) e de seus sambas. A obra de 2024 faz a agremiação emplacar uma trilogia de grandes sambas, assim como entre 1997 e 1999. "Arroboboi Dangbè" é digno da mesma prateleira de "Oxumarê, a lenda do arco-iris" (Imperatriz 1979) e "Dan, a serpente encantada do arco-íris" (Engenho da Rainha 1990), sambas que também falam do orixá. A melodia rica em agudos parece feita sob medida para Wander Pires, que fez o samba crescer enormemente na versão oficial. Se a performance do carro de som for boa na avenida, ao contrário do ano passado, a Viradouro briga forte pelo tri. Trecho de destaque: Lealdade em brasa rubra, fogo em forma de mulher. Um levante à liberdade, divindade em Daomé. Já sangrou um oceano pro seu rito incorporar. Num Brasil mais africano, outra areia, mesmo mar. Nota: 10

Vila Isabel: Muito já foi comentado a respeito de Gbalá em minha última coluna no Sambario, então, tentarei resumir o que foi dito naquela ocasião. O expediente de reedição, que começou há 20 anos atrás, aparece, pela primeira vez desde então, numa escola com chances reais de conquista de título. Vale ressaltar que em 2004 só a Viradouro tinha esse status, apesar do grande (e injustiçado) desfile da Portela. Império Serrano e Tradição, as outras duas escolas que reeditaram lutavam para se manter no grupo. O Império abocanhou cinco Estandartes de Ouro, mas ficou em nono lugar. Voltando ao samba da Vila, trata-se de uma obra que envelheceu muito bem. Além disso, ganhou um upgrade na versão atual, mais acelerada. Se o desfile estiver à altura da trilha sonora, a Vila vai para as cabeças mais uma vez. Trecho de destaque: Então, foram abertos os caminhos. E a inocência entrou no templo da criação. Lá os guias protetores do planeta. Colocaram o futuro em suas mãos. E através dos Orixás se encontraram.Com o Deus dos deuses, Olorum. Nota: 10

Beija-Flor: Mais uma vez, a escola de Nilópolis recorre à uma fórmula que já fez sucesso e atualmente se mostra desgastada: Enredo CEP e samba de letra contundente. A melodia da versão oficial, em maior, é o que foge do padrão. Há uma forçada de barra no verso "Aqui é Beija-Flor, doa a quem doer". Pra que isso? Em suma, o samba não é ruim, mas deixa uma sensação de deja vù. Menção honrosa a Neguinho, que, mais uma vez, se sobressai na gravação. Trecho de destaque: Herdeiro da dinastia e das lutas de Zumbi. De Palmares às palmeiras e marés. Da cultura e bravura dos Tupis e Caetés. De nobre engraxate ao novo horizonte: Real cavaleiro dos montes. Nota: 9.8

Mangueira: O belo samba da verde e rosa sobre Alcione vem recebendo algumas críticas injustas. Uns dizem que ele é muito grande, como se isso fosse problema. Outras dizem que não está à altura da homenagada, o que, além de ser mentira, induz à ideia de que é facil fazer samba sobre ela. Não é. Primeiro porque é quase inevitável escapar do expediente da colcha de retalhos, o que esse samba faz com maestria. Segundo porque a narrativa proposta pelos carnavalescos, onde uma figura abstrata, o "amanhã", conta o enredo, dificulta mais do que facilita a composição. Tudo isso nos leva a concluir que os autores do samba cumpriram sua função com louvores. A nítida falta de entrosamento dos intérpretes na faixa, entretanto, prejudica a arte final. Trecho de destaque: Quis o destino quando o tempo foi maestro. Soprar a vida aos pés do velho cajueiro. Guardar no peito a saudade de mainha. Do reisado a ladainha, São Luis o seu terreiro. Nota: 9.9

Grande Rio: Escola que tem se destacado pela qualidade de sambas e de enredos desde a retomada do "banho de cultura", que culminou no título de 2022, a tricolor de Caxias traz mais um enredo rico, inspirado no livro praticamente homônimo de Alberto Mussa. O bom samba, que apresenta alterações em relação à versão concorrente, tem uma letra bela e difícil. Destaque para o falso refrão, que remete ao ponto cantado do Caboclo Sete Flechas na Umbanda. A proximidade entre o refrão do meio, essa parte e o refrão de baixo, no entanto, tornam o samba repetitivo. Trecho de destaque: Tudo acaba em fogaréu e depois transborda em mar.A terceira humanidade, Cuaraci vem clarear. Ê Sumé nas garras da sua ira. Enfrentou Maíra, tanto perseguiu. Seus herdeiros vivem essa guerra. Povoando a Terra. A voz Tupinambá rugiu. Nota: 9.9

Salgueiro: Indubitavelmente o grande samba da safra. Digno de entrar para a galeria dos maiores de todos os tempos, não apenas da escola, mas do carnaval. Como já tivemos oportunidade de dizer na análise da safra da Série Ouro, se houvesse menos saudosismo e mais interesse, esse samba teria estourado facilmente a "bolha" do carnaval. Verdade seja dita, alguns "mínions" já se mostraram incomodados com o tom de denúncia do massacre Ianomami. Uma prova de que o Salgueiro, quando acerta, é pra valer. Basta lembrar de 2007, 2016 e 2019, pra ficar só nesse século. Trecho de destaque: Antes da sua bandeira, meu vermelho deu o tom. Somos parte de quem parte, feito Bruno e Dom. Kopenawas pela terra, nessa guerra sem um cesso. Não queremos sua ordem, nem o seu progresso. Nota: 10

Tuiuti: Assim como dissemos a respeito do samba da Beija-Flor, temos aqui outro exemplo de fórmula eficaz, porém desgastada no que diz respeito a enredo e samba. Muito disso se deve à tendência da Tuiuti de querer repetir o sucesso do carnaval de 2018, quando conseguiu um inédito e histórico vice-campeonato do Grupo Especial. Nunca é demais lembrar que trata-se do sexto samba consecutivo com a assinatura dos mesmos autores, o que causa a inevitável sensação de que já se ouviu algo parecido. De novo, só a presença de Pixulé, que, depois de dez anos, volta a ter uma chance no Especial. Trecho de destaque: Glória aos humildes pescadores. Yemanjá com suas flores. E o cais da luta ancestral. Salve o Almirante Negro.Que faz de um samba enredo imortal! Nota: 9.8

Tijuca: Ponto baixo da safra. Samba com rimas previsiveis e melodia que não empolga. Além disso, não tem nenhum diferencial. Não é irreverente como os sambas de Imperatriz e Mocidade, e não tem a consistência dos sambas de Mangueira e Portela, por exemplo. E vejam que sequer estamos falando de sambas para os quais demos a nota máxima. Nem mesmo a presença do sempre correto Ito Melodia faz a diferença. Trecho de destaque: N'alma do fado mil e uma noites. Doces sabores, velho saber. Sonho de Sagres, foi a matamba, herdou o samba, ifá, dendê. Nota: 9.6

Portela: Talvez o grande mérito da Portela tenha sido escolher um samba "da casa", numa safra onde metade dos sambas é de autoria de um compositor e metade de outro. A dúvida que fica é se nos últimos três anos o samba "da casa" era realmente o melhor. No que diz respeito a 2024, pode-se dizer que sim. Havia outros sambas caseiros, mas o de Wanderley Monteiro era, de fato, o melhor. Isso não quer dizer que não tenha problemas, principalmente no que diz respeito ao excesso de rimas repetidas. Mesmo assim, é um samba valente, que narra bem o enredo, como costuma ser característica do autor. Trecho de destaque: Sagrado feminino ensinamento. Feito águia corta o tempo. Te encontro ao ver o mar. Inspiração a flor da pele preta. Tua voz, tinta e caneta. No azul que reina Yemanjá. Nota: 9.9

Mocidade: Como já fez em anos anteriores, a verde e branca traz um enredo irreverente, animado, após um desfile no qual flertou com o rebaixamento. Esses enredos, que se tornaram tradição na escola com Fernando Pinto, costumam render sambas funcionais, como Pernambucópolis, homenagem da escola ao carnavalesco. O atual não é diferente, embora exagere no duplo sentido, sobretudo na sensualização dos povos originários. Isso fica evidente em versos como "delícia nativa onde eu possa pôr os dentes" e "duas flechas e no meio uma tal Cunhã-Poranga". Trecho de destaque: Tarsila pinta a sanha modernista, tira a tradição da pista. Vai Debret! Chupa essa manga! Nota: 9.8

Porto da Pedra: De volta ao desfile principal depois de 10 carnavais, o Tigre de São Gonçalo parece disposto a apagar a última e má impressão deixada pelo famigerado iogurte. O enredo sobre o lunário perpétuo, espécie de almanaque com xilogravuras surgido na Europa do século XVI, deu origem a um samba regular. Talvez devido à concepção do enredo, a narrativa da obra faz com que o ouvinte se perca no meio de tanta informação e corra o risco de não saber do que ela trata. O excesso de versos em formato de cordel também contribui negativamente ao deixar a melodia um tanto quanto arrastada. No mais, é muito bom ouvir Wantuir de volta à escola onde se consagrou. Trecho de destaque: Tanta gente esperou por esse dia. O pincel, a cantoria, nunca foi ponto final. E lá do auto como a vida é um repente. O estandarte vai na frente. Muito mais que carnaval! Nota: 9.7