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Os sambas de 2015 por Marco Maciel

Os sambas de 2015 por Marco Maciel


As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile

A GRAVAÇÃO DO CD - Confesso que, na primeira vez em que coloquei o CD pra ser reproduzido e ouvi de imediato as bossas da Pura Cadência da Unidos da Tijuca, senti um alívio. Não eram explanações de carnavalescos. Tal expediente do álbum de 2014 é, sem dúvida, a experiência mais desastrosa que já inventaram no gênero. Algo traumático, de maneira a eu só ter ouvido o disco do ano passado uma única vez, comigo sempre recorrendo às versões editadas. Daquele CD, foram mantidos os projetos gráficos da capa e do encarte, além, é claro, do estilo de gravação. Desde 2010 que as bases e coral são registrados na Cidade do Samba e finalizadas em estúdio, onde os intérpretes colocam a voz. De lá pra cá, são poucas as diferenças notadas em relação a álbuns anteriores. Entre as poucas particularidades, estão Beija-Flor e Viradouro sem as caixas na primeira passada, além da repetição dos alusivos de Portela, Mangueira e São Clemente também nos finais das respectivas faixas. Sobre a safra, Portela, Imperatriz, Beija-Flor e Viradouro (esta com duas canções de Luiz Carlos da Vila transformadas num samba-enredo) são as candidatas ao Estandarte. NOTA DA GRAVAÇÃO: 9 (Marco Maciel).

1 - UNIDOS DA TIJUCA - "Tudo cabe no bolso ou na palma da mão". Com relação ao samba que embalou o título de 2014, o para este ano é bem mais técnico e com menos problemas, ainda que longe de ser brilhante. Mesmo com a saída de Paulo Barros, a agremiação tijucana mantém a característica de obras funcionais, servindo como uma mera trilha do desfile. O enredo sobre a Suiça no olhar do saudoso Clóvis Bornay (o carnavalesco era filho de pai suiço) gerou um samba - fruto de uma fusão de duas obras - de letra em muitos momentos subjetiva, em que você poderá compreender vários tópicos apenas na noite do desfile. O refrão principal tem melodia genérica e o controverso "É do Borel o Prêmio Nobel do samba". A justificativa para a citação da premiação sueca é que a Suiça é o país com maior número de Nobéis... Com o passar das partes, no entanto, o samba vai melhorando, apresentando uma boa melodia nos versos que preparam para o ótimo refrão central, o destaque do samba-enredo. A segunda parte mantém o bom nível da primeira. A Unidos da Tijuca abre o CD com um samba correto e agradável de ouvir. NOTA DO SAMBA: 9,2 (Marco Maciel).

2 - SALGUEIRO - "É o meu Salgueiro com gosto de quero mais". No momento em que o samba sobre a culinária mineira foi confirmado na disputa salgueirense, um turbilhão de críticas foi desferido à Academia. E com justiça, pois a versão dos compositores defendida na quadra era sofrível. O excesso de "sinhás" no refrão do meio, mais a repetição do "É no tacho, na panela..." deixavam o hino arrastado e enfadonho, além de motivar piadas. No entanto, logo após a escolha, a obra foi sendo ajustada pela escola. O terceiro sinhá rodou, bem como o bis do trecho da "colher de pau", além de algumas modificações melódicas na segunda parte. E no CD, o samba foi muito bem gravado, resultando numa ótima faixa e um bom desempenho de Serginho do Porto e Leonardo Bessa, apesar de estranharmos a ausência de Quinho, que saiu brigado com a presidente Regina Celi. Em comparação com o grande samba de 2014, que resultou no Estandarte ao Salgueiro depois de 36 anos sem o prêmio no quesito, é claro que este de 2015 é bem inferior e sua animação nos remete aos limitados sambas-enredo que a Academia trouxe entre os fins dos 90 e boa parte dos anos 2000. Os refrões se destacam, o principal na letra e o do meio na melodia -  no fim, os "ô sinhá" terminaram bem inseridos. A primeira parte é correta, apesar do excesso de notas longas em alguns trechos. Na segunda, peca em poesia por alguns momentos, mas os quatro últimos versos fecham a obra muito bem. O resultado final não foi aquele desastre que os mais apressados anunciavam, sua audição ficou agradável e infinitamente superior à versão das eliminatórias. NOTA DO SAMBA: 9 (Marco Maciel).

3 - PORTELA - "E eu daqui, feito Dali". Na primeira vez em que escutei o samba, na versão concorrente na voz de Wander Pires, me encantei. Uma obra de melodia leve, redonda e maravilhosa de cantar, além de muitos momentos de explosão. A não ser por alguns clichês na letra - que críticos afirmam não trazer o surrealismo do enredo -, em nada deve aos grandiosos sambas de Toninho Nascimento e Luís Carlos Máximo que embalaram a Portela nos últimos três anos, garantindo nota 50 no quesito. O gingado refrão principal, inclusive, é totalmente inspirado no estilo destes dois compositores. O samba inicia muito bem, tendo como grande momento o espetacular bis no bem-sucedido trocadilho "e eu daqui feito Dali". O hino segue fluindo muito bem, tendo mais um destaque no refrão central. O criticado "vem amor", apesar da repetição e do chavão, funciona muito bem na melodia da segunda, que chega ao clímax no "Tão bela, orgulhosamente a Portela, vem cantar em seu louvor ôôôô", cuja explosão se encerra com o também bonito "Central do meu Brasil inteiro, morada do Redentor". Provavelmente não manterá a nota 50 dos julgadores da LIESA por conta da letra, mas em melodia em absolutamente nada o hino do veterano Noca da Portela e parceiros deve aos anteriores. A gravação oficial do CD é curiosa pelos contracantos de Wander Pires, confirmado no carro de som portelense às vésperas do registro no CD, num volume bem mais baixo em relação à voz de Wantuir. Que ambos tenham uma boa relação na Águia, depois dos desentendimentos de Wander com Dominguinhos e Elymar Santos na Imperatriz. NOTA DO SAMBA: 9,8 (Marco Maciel).

4 - UNIÃO DA ILHA - "Tiro foto de mim mesmo, eu só quero aparecer". Para o enredo sobre a obsessão na busca pela beleza, a Ilha vem com mais um samba valente, que tem a cara do intérprete Ito Melodia. Inclusive, sua versão nas eliminatórias foi gravada pelo próprio, e o fato da obra ter o vice-presidente da escola, Djalma Falcão, entre seus autores, motivou ainda mais polêmicas. Sobre a obra, é extensa e temo que se arraste facilmente na pista, tamanho o comprimento da letra, além de algumas variações melódicas estranhas. O refrão principal é genérico e poderia servir a qualquer enredo. A primeira parte, apesar de alguns problemas, tem como destaque o verso "Sou sambista, minha arte é universal". O refrão central apresenta um dos versos mais comentados do ano, o "lá vem ela, toda prosa, gostosa, fiu fiu", com o assobio servindo como a marca indelével, a identidade do samba, para alguns trash, mas para outros uma interessante sacada. A segunda parte é característica pela crítica atual e direta aos selfies, a grande moda das redes sociais no momento. Por fim, a alteração nos últimos versos antes do refrão principal, em relação ao samba original, não era necessária, por deixar o samba ainda mais longo e ainda apagar uma citação ao clássico "O Amanhã", de 1978. Resumindo: um samba-enredo que possui alguns bons momentos, porém soa muito cansativo. NOTA DO SAMBA: 9,1 (Marco Maciel).

5 - IMPERATRIZ - "Nada é maior que o amor, entenda". O melhor do ano no Especial. Mesmo não acostumada a trazer enredos afro, a Imperatriz mais uma vez confirmou a grandiosidade de sua Ala de Compositores e proporciona, depois de 18 anos, uma nova vitória para o velho Zé Katimba. Seu começo com o "Mandela, Mandela" no refrão principal é apoteótico. A cabeça é inigualável, com poesia e melodia impecáveis. A primeira segue em ótimo nível, mas há quem critique o tom maior no verso "tristeza e dor", apontando contradição no contexto, mas julguei bem adequado por ser tom acima, mas num timbre mais melancólico, com a melodia servindo de gancho para o extraordinário falso refrão do meio, de longe o melhor momento do samba-enredo e o maior requinte de criatividade do ano no grupo. A segunda parte é mais valente em relação à dolência da primeira, e encerra com outro verso muito repercutido desde o começo das eliminatórias: "uma banana para o preconceito". Coerente na citação ao racismo, apesar de ter sua poesia criticada, vale lembrar que a obra foi composta na época em que Daniel Alves degustou a banana que atiraram em sua direção, quando ia bater um escanteio em partida pelo Barcelona no Campeonato Espanhol, assunto comentado no mundo todo. NOTA DO SAMBA: 9,9 (Marco Maciel).

6 - GRANDE RIO - "Canta Caxias, o meu Coringa é você". O samba da tricolor de Caxias é interessante. Ousado, com um refrão principal de melodia diferenciada em relação ao que estamos acostumados a ouvir. O "Eu vou na ginga, jeito malandreado..." é o grande cartão de visitas da obra, sendo bem gingado, como indica a letra. Alguns trechos da primeira parte, entretanto, não me agradam. Além do excesso de notas longas, a melodia do verso "a surpresa está na manga" poderia ter sido melhor trabalhada. O refrão central é correto, porém na gravação é praticamente berrado por Emerson Dias. Na segunda parte, a obra cresce bastante em termos de qualidade. Sua melodia em menor no início se assemelha a do refrão do meio de Sereno de Campo Grande-2013 ("estrelas me guiam à luz do luar"/"senhor ilumine a nossa missão"), com o recurso do tom aumentando sutilmente a cada verso, até chegar na explosão "Canta Caxias, o meu Coringa é você", servindo de ótimo gancho para o bom refrão principal. Para efeitos de curiosidade: o gaúcho Viny Machado, que defendeu o samba nas eliminatórias e é titular da porto-alegrense Imperadores do Samba, tem o mesmo "é de arrepiar" de Emerson Dias como grito de guerra. Viny integrará o carro de som de Emerson na Sapucaí. NOTA DO SAMBA: 9,2 (Marco Maciel).

7 - BEIJA-FLOR
- "Quem beija essa flor não chora". Resignada pelo desastroso desfile sobre Boni (ou seria sobre a comunicação? ou sobre tabuleiros de xadrez? globais?), a Beija-Flor resgata seus melhores momentos ao trazer um enredo afro, do qual os nilopolitanos se sentem à vontade, e oferecem mais um samba cheio de pegada, característico de obras recentes que trouxeram vitórias para a azul-e-branco. E o andamento da gravação da faixa é perfeito, com a primeira passada sem as caixas impulsionando uma interpretação de gala do velho Neguinho, aproveitando a cadência impressa. O samba é todo valente, daqueles em que a comunidade cantará com orgulho a plenos pulmões, e tem refrões fortíssimos. A segunda parte é ainda mais impressionante e nem a modificação de "tem o meu axé, canta Brasil dança Guiné" para "eu faço Carnaval, canta Guiné Equatorial" - por imposição do governo do país -, tirou o brilho da obra, que termina de forma apoteótica com a mais bela sequência melódica do ano, a partir do "Criança, levanta a cabeça e vai embora..." até "quem beija essa flor não chora". Nada como se resignar com o sétimo lugar de 2014 com o mais puro talento, através de quatro versos épicos. Candidatíssimo ao Estandarte!
NOTA DO SAMBA: 9,8 (Marco Maciel).

8 - MANGUEIRA - "Eu vou cantar a vida inteira". Após desfilar nos três últimos Carnavais com sambas das parcerias de Lequinho, com os dois últimos tendo desempenhos aquém do esperado (não contando os ocorridos na torre da TV), a Estação Primeira dessa vez aposta num samba mais dolente e menos valente em relação às obras de Lequinho. O refrão principal (que não bisava na versão dos compositores) tem como recurso a repetição de "eu vou cantar a vida inteira" e é forte. A primeira parte apresenta mais pegada, mas com requinte de lirismo, funcionando muito bem como transição para o excelente refrão do meio, de irresistível balanço. A segunda parte é mais extensa, mas de forma alguma é cansativa, e termina de forma adequada para a explosão do refrão principal. A homenagem à Dona Neuma e Dona Zica é bonita, apesar dos desnecessários cacos de Alcione, a meu ver muito mal inseridos. A cantora ainda larga um "Mulher de Mangueira em primeiro lugar" que pode gerar duplos sentidos... Mas a Marrom tem crédito e ainda manda muito bem no começo da faixa, lembrando no alusivo os célebres versos do maravilhoso Benito Di Paula. NOTA DO SAMBA: 9,6 (Marco Maciel).

9 - MOCIDADE - "Cada segundo vou curtindo a vida". Na estreia de Paulo Barros em Padre Miguel, a Mocidade apresenta um enredo que no mínimo é uma incógnita, baseado na canção de Paulinho Moska "O Último Dia", sobre o que poderia ser feito se o mundo fosse acabar. Com a sinopse quase toda baseada na música de Moska, os compositores acabaram limitados e a poesia do samba-enredo apresenta inúmeras carências técnicas, além da melodia genérica em muitos momentos. A letra explicita o fim do mundo de forma direta e, quando não há muito mais o que se dizer, exalta de forma aleatória a escola, Padre Miguel, Vila Vintém, etc. Tanto que, na segunda parte, mesmo com o excesso de interrogações, no fim das contas nenhuma pergunta é respondida, com os três últimos versos... falando da bateria da verde-e-branco, indo direto para o genérico refrão principal, cuja única referência ao enredo ocorre nas aspas em "vem se acabar". Os problemas técnicos são muitos, mas é inegável a contagiante animação do samba e a produção da faixa é impecável. Bruno Ribas tem ótima atuação e gostei muito, no CD oficial, da manutenção do divertido recurso da versão concorrente, com o grito de guerra de Ribas fragmentado entre os versos do refrão principal. E a introdução com uma voz sinistra ("baum baum baum baum") é um dos momentos mais engraçados dos últimos tempos em discos de samba-enredo. Se ano passado, a menor nota dada por mim no Especial foi pra Tijuca de Paulo Barros e a escola terminou campeã, neste a menor nota vai pra Mocidade... de Paulo Barros. O que isso pode querer dizer? Muito... ou absolutamente nada! NOTA DO SAMBA: 8,7 (Marco Maciel).

10 - VILA ISABEL
- "Dignidade volta pro ninho". Sem André Diniz na disputa, a Vila optou por um samba dolente, distinto dos valentes que são marcas do compositor. Perfeitamente adequado ao lirismo do enredo sobre o maestro Isaac Karabtchevsky, a obra de compositores oriundos do Império Serrano possui trechos primorosos de melodia. A referência a "O Guarani" em "mais cordas metais a valorizar as notas musicais..." é esplêndida. O tão polêmico refrão do meio, inserido pela escola logo após a escolha da obra e às vésperas da gravação, no fim das contas soou adequado mais por questões de funcionalidade do que de técnica, pois sua melodia é a mais fraca da obra. A segunda parte retoma o bom nível da primeira, com o bis que faz menção a Isaac e Martinho servindo muito bem como transição para o belo refrão principal. Em muitos momentos, ouvimos versos entoados de forma rápida e gingada. Espero que não acarrete em atropelo de canto. Tanto que, às vezes, tenho a impressão que Gilsinho canta "comunidade FELIZ a cantar" ao invés de "comunidade unida a cantar". Na faixa, outra muito bem produzida, destaque para a bossa da Swingueira do balé na segunda passada, na segunda parte, proporcionando um dos melhores momentos do álbum. NOTA DO SAMBA: 9,6 (Marco Maciel).


11 - SÃO CLEMENTE - "É o mestre que segue o astro-rei lá no infinito". Se na época das eliminatórias, o samba não me entusiasmava tanto, o banho de estúdio, mais a grandiosa atuação de Igor Sorriso (um dos melhores intérpretes da atualidade), fez a obra crescer de maneira gigantesca. Mas o hino em homenagem ao saudoso Fernando Pamplona ainda possui aspectos que me incomodam. O refrão principal é forte, mas tirando o "ao gênio maior da avenida", poderia servir a qualquer enredo. A primeira parte peca em letra e melodia em determinados momentos, como em "De Rio Branco a Rio Branco aprendeu", em que o verso seguinte apresenta a mesma melodia deste, além de "e quando foi julgador, o desfile atrasou" poder gerar interpretações de que o desfile atrasou por culpa de Pamplona... Mas o samba melhora muito a partir do ótimo refrão central que relembra grandes enredos salgueirenses, com direito a um ôôô nostálgico como citação a "Chica da Silva" (1963). Já a segunda parte é mais lírica e repete o recurso de 2014 do refrão que antecede o principal. Este segundo refrão é a melhor parte do samba-enredo clementiano. NOTA DO SAMBA: 9,2 (Marco Maciel).
 
12 - VIRADOURO - "Veio de lá a criatividade". Num expediente inédito na história do Carnaval, a Viradouro, em seu retorno ao Grupo Especial depois de quatro Carnavais no Acesso, não realizou concurso de samba-enredo e definiu como hino uma junção de duas canções do saudoso Luiz Carlos da Vila, sucessos nas vozes de Beth Carvalho e Simone. A base do samba é "Nas Veias do Brasil", cuja íntegra da música está no samba-enredo da Viradouro, incluindo o ôôôôôôôô nostálgico. De "Por um Dia de Graça", foram aproveitados os versos "Em cada palma de mão, cada palmo de chão, semente de felicidade, o fim de toda a opressão, o cantar com emoção, raiou a liberdade", inseridos na segunda parte como os quatro primeiros versos. O resultado final é louvável. No CD, a faixa ficou esplêndida, sem as caixas na primeira parte e com as paradinhas na segunda, mais um agogô no final que nos remete a discos mais antigos. Como samba "de meio de ano", sua qualidade é inquestionável. Porém, não se sabe como será seu rendimento na Sapucaí, ainda mais tendo a ingrata missão de abrir os trabalhos no Grupo Especial. Historicamente, a bateria da Viradouro acelera bastante, portanto é óbvio que a música de Luiz Carlos da Vila pedirá um andamento muito mais lento. Como originalmente não é um samba de enredo, não darei nota para a vermelho-e-branco de Niterói.