13ª EDIÇÃO |
Mocinhos ou vilões: uma
análise dos personagens de Chaves
Qualquer filme, novela ou obra em geral
que se preze tem entre seus personagens os mocinhos e
os bandidos, os heróis e os
vilões. Essa condição não é tão marcante nos
seriados humorísticos, quando os personagens são mais parecidos
com pessoas comuns, que não podem ser tachadas como
totalmente malvadas ou completamente boas e
honestas. Essa é a condição passada no seriado Chaves.
Não há mocinhos ou vilões, e sim atitudes boas e más de cada
personagem, dependendo da situação.
Mesmo assim, decidi fazer uma análise da
personalidade de cada um dos personagens fixos da série. Quero
que eu mesmo e vocês leitores tirem suas próprias conclusões.
Afinal de contas: há um ou mais vilões em Chaves?
CHAVES: O protagonista da série
não pode ser considerado como um herói típico, e sim como um
anti-herói. Suas ações às vezes não são bem adequadas para
um mocinho, como sempre devorar bolos,
frango e qualquer outro tipo de alimento que fique sob sua
custódia ou até à vista (como em uma janela, esperando para
ser pego), ou mesmo conferir mais de perto os
produtos de uma lista de compras que lhe foi confiada. Mas tudo
é perdoado pelo fato de a maioria de seus crimes
serem cometidos devido à fome e a pobreza em que vive. O único
porém é a desproporcionalidade de seus revides ao Quico. Uma
vassourada ou um soco passam, mas uma tijolada pode até matar.
SEU MADRUGA: Seu Madruga nada mais
é do que um homem comum, que passa por diversas situações que
nós mesmos poderemos enfrentar em alguma época da vida. Seja
uma dívida de aluguel, ou brigar com um vizinho, ou sofrer nas
mãos das crianças, tudo isso é relativamente normal. Mas o pai
da Chiquinha, a exemplo de outros personagens da série, também
apresenta vários defeitos e falhas de caráter. O fato de viver
sem trabalhar não é tão grave, já que milhões de pessoas
enfrentam a mesma situação. O problema é a pouca vontade do
personagem em mudar esse quadro. Seu Madruga não tem a mínima
intenção de trabalhar, mesmo tendo uma filha para sustentar. E,
quando surge a oportunidade, sempre aparece alguma desculpa, como
os calos frios do episódio Abre a
torneira. Esse fato de não trabalhar acarreta grande parte
das falcatruas cometidas por ele, como pendurar as
contas (e nunca pagar) na venda da esquina e em vários outros
estabelecimentos. Às vezes nem só no nome dele, mas no nome de
outras pessoas (como Dona Florinda e Dona Clotilde). E o pior é
a dívida do aluguel, que já chegou à casa dos 14 meses e não
tem jeito de ser quitada. Para fugir dela, Seu Madruga é capaz
de tudo, até inventar discos voadores na vila. Para terminar,
deve-se destacar a falta de tolerância dele para com as
crianças. Tudo é motivo para bater no Chaves e no Quico. É
claro, às vezes eles merecem, mas não fica bem um adulto ficar
espancando crianças que não são seus filhos. Mas o fato de
agüentar calado as injustas (algumas vezes) pancadas recebidas
de Dona Florinda e de vez em quando se preocupar com o Chaves
aliviam um pouco a barra dele.
CHIQUINHA: A filha do Seu Madruga
também não se destaca muito pela ética. Está sempre
aprontando as maiores travessuras a fim de se dar bem, ou de
fazer os outros trabalharem por ela (o Chaves que o diga). Está
sempre inventando mentiras a fim de encobrir algum ato falho seu,
como não ter feito o dever de casa, ter faltado às aulas ou
escapar de alguma tarefa dada pelo pai. Os xingamentos contra
Dona Florinda (velha isso, velha aquilo) não ficam bem na boca
de uma criança. Deve-se respeitar os mais velhos. Mas é preciso
destacar como fatores positivos em seu caráter o enorme amor que
sente pelo pai, a ponto de protegê-lo contra tudo e contra
todos, e também a paixão pelo Chaves.
QUICO: Quem vê o bochechudo
chorando copiosamente em "A venda da vila" por causa da
doença do Senhor Barriga pode pensar que ele é um menino
generoso que se preocupa com os outros. Mas na verdade não é
nada disso. Quico é um menino mimado e egoísta, que só pensa
nele. Não perde a oportunidade de se exibir para os seus amigos
menos afortunados, mostrando brinquedos e lanches caros que eles
não poderiam comprar. Além disso, o fato de chamar sempre a
"mamãe" quando as coisas não estão de seu agrado,
ser incapaz de defender Seu Madruga quando ele apanha
injustamente e sempre debochar das pessoas (por algo que elas
disseram ou mesmo por debochar de seus defeitos físicos) fazem
de Quico um péssimo exemplo de caráter, atenuado às vezes
quando ele convida Chaves para brincar. Claro, é uma criança, e
como tal tem todas as chances de se regenerar e tornar-se um
adulto mais humano.
DONA FLORINDA: Ao contrário das
centenas de mocinhas da série Chapolin, em Chaves
a atriz Florinda Meza interpreta uma personagem completamente
diferente. Dona Florinda em quase nada lembra as mulheres doces,
românticas e assustadas que viviam pedindo auxilio ao nosso
atrapalhado super-herói na série que infelizmente está
totalmente fora do ar na televisão brasileira. Eu digo quase
nada porque as cenas com o Professor Girafales mostram um lado
mais humano da personagem, uma mulher apaixonada e bem mais
simpática aos olhos de todos. Mas esse é apenas um lado de Dona
Florinda, que na maioria das vezes é uma mulher ranzinza,
mal-humorada e encrenqueira, disposta a passar por cima de todos
para defender seu tesouro. Quem mais sofre com isso
é Seu Madruga, que na maioria das vezes apanha injustamente de
sua vizinha por algo que supostamente ele possa ter feito a
Quico. Seu grau de intolerância é inimaginável, e seu desprezo
pela condição humilde de seus vizinhos chega a ser repugnante.
Às vezes, faz por merecer os apelidos de velha
coroca, velha enjoada, velha
carcomida, velha pestilenta, etc. Mas, deve-se
admitir que, na maioria dos casos, ela age impulsionada pelo
grande amor que sente pelo seu filhinho querido e a necessidade
de protegê-lo pela morte prematura do marido Frederico. Mas essa
superproteção custou caro, como foi escrito no parágrafo
acima.
PROFESSOR GIRAFALES: Outro
personagem que não é totalmente bonzinho. Muito
convencido, ele pensa que está sempre com a razão em tudo o que
diz e se acha mais esperto do que os outros (embora seja mesmo,
não deveria manifestar isso). È o homem mais inteligente do
mundo (não, espere, tem o ...... não, esse não. Mas tem o
..... esse também não. Por outro lado tem...... Esse menos).
Quando visita a vila, sempre fica ao lado da Dona Florinda em
suas brigas muitas vezes injustas com Seu Madruga, muitas vezes
chegando às vias de fato contra um homem muito mais fraco do que
ele. Mas a relativa paciência com que tolera a bagunça das
crianças durante as aulas aliviam um pouco a barra dele.
SENHOR BARRIGA: Se formos colocar
todos os personagens do Chaves em uma balança, o Senhor
Barriga iria se destacar por dois motivos. Primeiro, é claro,
pelo seu peso. E segundo porque, de todos os personagens, este é
o que me traz mais dificuldades para achar algum desvio de
caráter. O gordinho dono da vila pode ser considerado como a
melhor figura humana dentre todos. Tolera praticamente calado os
calotes e armações do Seu Madruga, as mentiras da Chiquinha, os
deboches do Quico e principalmente as pancadas dadas pelo Chaves.
Qualquer um em seu lugar teria despejado um caloteiro como Seu
Madruga (ele já tentou, mas nunca teve coragem para completar o
serviço) ou revidado as pancadas dadas pelo Chaves. Mas o Senhor
Barriga não. Pelo seu enorme coração (que desceu para a
barriga), suporta tudo estoicamente.
DONA CLOTILDE: A Bruxa do
71, a exemplo do Senhor Barriga, também tem um bom
coração. A paixão inocente que nutre por Seu Madruga é a
maior prova disso. Está sempre disposta a ajudar os outros, em
especial sua grande paixão (como na vez em que ele foi
atropelado, quando ela lhe comprou mantimentos, ou quando comprou
para ele um remédio para insônia). O fato de não se dar muito
bem com as crianças é explicado pelo apelido que lhe puseram.
Não é qualquer uma que agüenta tolerantemente ser chamada de
bruxa a todo momento. Mesmo assim, se preocupa por exemplo com a
condição humilde do Chaves. As rusgas com Dona Florinda também
são normais, não só pelas constantes brigas dela com Seu
Madruga como também pelo jeito esnobe de sua vizinha.
NHONHO: É uma versão mais light
(embora seja muito mais gordo) do Quico, condição acentuada
ainda mais quando o bochechudo foi morar com a madrinha rica e
deixou a vila para sempre. Também é muito mimado. Está sempre
chorando e pedindo socorro para o papai, e igualmente tem muito
pouca boa vontade em emprestar seus brinquedos. Mas a amizade com
o Chaves resiste a tudo isso, talvez pelo fato de Chaves sempre
lembrar os defeitos físicos de Nhonho e empatar um pouco as
coisas.
PÓPIS: Outra criança mimada. Em
qualquer situação adversa (não só para ela como para qualquer
outro), diz que vai contar tudo para a sua mãe, ou pede que os
outros contem para a mãe deles. É incapaz de enfrentar de
frente as agruras da vida. Mas, a exemplo da maioria
dos personagens, também tem um bom coração, pois às vezes se
preocupa com o Chaves.
GODINES: Eis o único personagem fixo cuja
personalidade é difícil de ser descrita. A exemplo das outras
crianças, não pára quieto durante as aulas. Mas afora isso e o
fato de não saber nada do que lhe perguntam, não há mais
grandes coisas a serem ditas.
DONA NEVES: A pior personagem de todos.
Quando seu neto Madruga foi embora, caíram em seu colo duas
responsabilidades: cuidar da neta Chiquinha e as dívidas que,
diga-se de passagem, continuaram do jeito que estavam antes.
Totalmente caduca, não entende praticamente nada do que lhe
dizem. O fato de ainda se achar e agir como uma senhorita também
é meio ridículo. Mas, a exemplo do Seu Madruga, também se
preocupa com o Chaves.
SEU JAIMINHO: O carteiro da vizinhança é
um homem simpático e bonachão. Sempre faz menções à sua
cidade natal, Tangamandápio, dizendo inclusive ser um povoado
maior do que Nova Iorque ou a terra natal do
Papai Noel. Seu principal defeito é a preguiça. Está
sempre mandando os outros procurar as cartas dentro da bolsa e
entrando de bicicleta dentro dos estabelecimentos (restaurante,
casa do Sr. Barriga, etc), sempre buscando evitar a fadiga.
Depois que Seu Madruga vai embora de vez e que Dona Neves vira
uma personagem simbólica (existe, mas nunca aparece), torna-se
um novo Madruga, herdando todas as qualidades e defeitos do pai
da Chiquinha: caloteiro, intolerante, mas no fundo uma boa
pessoa.
Após essa análise dos personagens, podemos chegar a conclusão que, apesar de não serem nenhum modelo de comportamento a serem seguidos, nenhum dos defeitos apresentados pelos personagens são tão críticos a ponto de podermos apontar alguém como vilão. Mas tampouco podemos dizer que há um mocinho, alguém totalmente bonzinho e inocente. Como já foi escrito no primeiro parágrafo, os personagens de Chaves são como todos nós: comuns, com suas qualidades e defeitos.
Por ora é isso, amigos. Um grande abraço e até a próxima!
|